Justiça

Balas roubadas em Tancos não eram para as Glock que desapareceram da PSP

Esta quarta-feira de madrugada foi montada uma operação de grande envergadura da PSP. Foram emitidos quatro mandados de detenção: dois para agentes da PSP e outros dois para civis. Mas ao final da manhã já havia nove detidos <span class="creditofoto">Foto Marcos Borga</span>

Esta quarta-feira de madrugada foi montada uma operação de grande envergadura da PSP. Foram emitidos quatro mandados de detenção: dois para agentes da PSP e outros dois para civis. Mas ao final da manhã já havia nove detidos Foto Marcos Borga

As 57 pistolas foram sendo roubadas a conta-gotas do armeiro da direção nacional ao longo do ano de 2016. Quando se deu o assalto a Tancos, no verão do ano seguinte, já tinham desaparecido de circulação. Há um suspeito comum nos dois crimes

Texto Hugo Franco e Rui Gustavo

A PSP tem fortes suspeitas de que as 1450 munições de 9 mm furtadas em Tancos não se destinavam às 57 pistolas Glock roubadas no armeiro na sede da PSP em Lisboa. Isto apesar de haver um suspeito comum por trás dos dois crimes: António Laranginha, detido esta segunda-feira no âmbito da operação Húbris da Judiciária sobre o furto nos paióis nacionais de Tancos a 28 de junho do ano passado.

Uma das principais razões prende-se com o facto de as armas da PSP terem sido furtadas “ao longo de vários meses em 2016”, alegadamente por Luís G., um agente da PSP responsável pelo armeiro, detido esta quarta-feira na operação Ferro-Cianeto da Polícia de Segurança Pública. Durante esse mesmo ano, as pistolas terão sido de imediato escoadas no mercado negro por Laranginha, alegado cúmplice do agente do armeiro no esquema.

Quando se deu o assalto aos paióis nacionais, Laranginha − que também fez parte do grupo que assaltou Tancos − já não teria consigo as Glock. “Não faz qualquer sentido que fossem furtar as munições com esse fim quando já nem tinham as pistolas roubadas na direção nacional”, conta uma fonte da PSP.

Existe aliás o risco de as balas furtadas nos paióis em Tancos desaparecerem de vez de circulação. “Não há forma alguma de fazer um tracing destas munições. Mesmo que tragam um lote de fábrica, não prova que tenham estado em Tancos. Podem ter estado noutro lado qualquer”, confidencia o mesmo responsável.

Garantiram inocência

Os dois agentes da PSP detidos nesta operação das Glock tinham dado uma entrevista ao Expresso em setembro.

Logo depois do roubo ser detetado, em janeiro do ano passado, este dois responsáveis pelo armazém foram imediatamente suspensos, alvo de um processo disciplinar interno e de um inquérito-crime no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa por se suspeitar que foram corrompidos para roubar as armas.

“Não temos nada a ver com o desaparecimento das Glocks e queremos que se descubra quem foram os verdadeiros autores do crime.” Em março de 2016 comunicaram formalmente aos superiores hierárquicos que o armeiro não tinha condições de segurança.

Entre os vários pontos fracos apontados no documento estava a ausência de videovigilância ou de um sensor biométrico, a falta de controlo nas entradas e saídas do pessoal da PSP, a fragilidade da porta, que deveria ser blindada, a inexistência de alarmes de incêndio ou o facto de não existirem cofres para guardar as armas mais volumosas.

“No corredor de acesso havia um chaveiro à vista de todos. As chaves tinham etiquetas. Uma delas dizia precisamente ‘armeiro’”, contou o agente que chefiava o local. “O armeiro era de fácil acesso a todos os elementos da PSP. Só havia vigilância do lado de fora.” Havia também “falta de homens” para vigiar 24 sobre 24 horas um local unanimemente considerado sensível. “Éramos só dois para fazer a segurança, a entrega e a manutenção das armas.” Além deles, existia um oficial de dia mas que “nem sempre estava ao lado do armeiro”.

Nove detidos na operação

Esta quarta-feira de madrugada foi montada uma operação de grande envergadura da PSP.

Foram emitidos quatro mandados de detenção: dois para agentes da PSP e outros dois para civis. Mas ao final da manhã já havia nove detidos. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, houve “sete detidos relacionados com o presente inquérito (3 em cumprimento de mandados de detenção emitidos pelo Ministério Público e 4 em flagrante delito)” e “outros dois detidos não relacionados com o presente inquérito, por posse de objetos proibidos”.

Em causa estão crimes de tráfico de armas, peculato e associação criminosa. A investigação da PSP durava há 23 meses.