Bloco de Notas

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João Vieira Pereira

Freitas passou-se?

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Confesso que tenho Freitas do Amaral como alguém sério. É verdade que existe aquele episódio em que decidiu ser ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates, saltando do CDS para o PS, como se a passagem de conservador a socialista fosse algo perfeitamente normal. Mas até esse episódio pode, no máximo, ser considerado um mero movimento de sobrevivência política e não uma colagem a um Governo que acabou por levar Portugal à bancarrota.

Por isso fiquei boquiaberto com o texto que Freitas publica esta quarta-feira no “Público” onde, juntando-se à trupe de supostos especialistas sobre o que se passou no BES, tenta desesperadamente fazer a defesa de Ricardo Salgado. A minha primeira reação foi pensar: “Passou-se.”

Mas vamos ao texto, que está cheio de inverdades, omissões e que cavalga a teoria de que houve uma cabala para deitar abaixo Ricardo Salgado.

Começa por dizer que Ricardo Salgado é alvo de acusações sem provas ou argumentos, apenas injúrias. Uma atitude feia até porque “até no boxe é proibido bater em quem foi atirado ao chão”. O que Freitas de Amaral se esquece é que o boxe é um jogo de cavalheiros e o que se passou no BES é um caso de rufias. Daqueles que tudo fizeram de forma a fazer desaparecer a poupança de milhares de pessoas que neles tinham confiado, que se esqueceram que o dinheiro que está nos bancos pertence aos depositantes, e que havia mais acionistas no BES para além da família Espírito Santo.

A teoria de que Ricardo Salgado é uma vitima não é nova, mas têm aparecido cada vez mais defensores de que o Dono Disto Tudo não só é inocente como foram outros que fizeram todas aquelas operações que acabaram por destruir o BES. Freitas embarca nesta teoria fazendo os mesmo erros de que acusa outros, “sem novos factos, sem provas”.

Diz que havia mais administradores nas empresas e no banco. De facto havia, mas também há provas de que foram durante anos mantidos às escuras sobre o que se passava. Será que Freitas do Amaral nunca leu o depoimento do “commissaire aux comptes” de algumas das empresas do Grupo Espírito Santo (GES) onde afirma que era Salgado que decidia diretamente como falsificar as contas?

O desplante é tanto que o autor chega a dizer que não sabe se houve na gestão do banco erros, omissões ou irregularidades, quando há atas do próprio banco onde são explicadas como os administradores descobriram, depois da saída de Ricardo Salgado, operações com o GES e com a Eurofin, cartas conforto à Venezuela e imparidades com a ações da PT que no total foram responsáveis por mais mil milhões de perdas no banco.

A única coisa que Freitas do Amaral diz com razão é que Portugal perdeu um grande banco. De facto perdeu porque Salgado andou durante anos a brincar com o dinheiro dos outros, enganou milhares de pessoas, fez pagamentos a amigos e colaboradores através de sacos azuis e é suspeito de ter pago milhões de euros a José Sócrates (primeiro ministro do Governo de que Freitas fez parte)

Só que a tentativa de braqueamento de Salgado não fica por aqui. Freitas diz que só os tribunais podem julgar, esquecendo-se que ainda este ano o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, condenou Ricardo Salgado a uma coima de 3,7 milhões de euros (e Amílcar Morais Pires a outra de 350 mil euros), por ter dado como provado a prática de cinco contra-ordenações, a título doloso, no âmbito da comercialização do papel comercial do GES.

Ou seja, não só afinal existem provas como há argumentos e até sentenças de um Tribunal contra Ricardo Salgado.

Mas a tese de Freitas do Amaral piora à medida que se lê o texto. Diz o autor que tinha sido possível salvar o BES e que deveria ter sido quase um dever patriótico fazê-lo. Ou seja, para ele os contribuintes deveriam ter sido chamados a pagar os erros, truques e crimes de mercado feitos por Ricardo Salgado. E mais. Defende que a Caixa Geral de Depósitos devia ter colocado milhares de milhões no BES esquecendo-se que isso iria apenas destruir o banco público, que já estava quase ferido de morte pelos favores, em forma de créditos, que o Governo do qual Freitas fez parte andou a distribuir por empresários amigos.

E daqui é um pulo até à teoria da cabala, que Passos Coelho e Carlos Costa cozinharam tudo para deitar abaixo Ricardo Salgado e dar a José Maria Ricciardi o poder. Só que Freitas do Amaral se esquece que Ricciardi, apesar de querer, nunca foi nomeado presidente do BES. E que quando foi possível mudar a escolha recaiu sobre Vítor Bento.

A única coisa que Freitas diz com razão é que Portugal perdeu um grande banco. De facto perdeu porque Salgado andou durante anos a brincar com o dinheiro dos outros, enganou milhares de pessoas, fez pagamentos a amigos e colaboradores através de sacos azuis e é suspeito de ter pago milhões de euros a José Sócrates (primeiro ministro do Governo de que Freitas fez parte).

Por isso aqui ficam as perguntas para as quais eu não tenho resposta, mas gostava de ter para poder de facto dizer que ele não se passou: Porquê? Porquê este texto agora? E o que quer provar Freitas do Amaral?