Bloco de Notas

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João Vieira Pereira

A vergonha do salário mínimo

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A minha posição sobre o salário mínimo tem variado ao longo dos tempos. E bastante. Infelizmente, o salário mínimo não se tem alterado de forma tão radical. É verdade que este Governo tem dado passos na direção certa. Mas são passos de bebé, perante um problema gigante.

No mundo ideal, da concorrência perfeita, do pleno emprego e onde os objetivos de quem detém o capital não são opostos ao do trabalhador, não deveria haver sequer um valor mínimo para o rendimento do trabalho. Esse seria regulado pelo mercado. Se há uma coisa que aprendemos na vida real, e que não ensinam nas universidades, é que esse mundo onde vive a teoria económica não existe e nunca existirá.

Seria ótimo ter um mercado de trabalho liberal, onde o preço deste bem escasso era fixado pela lei da oferta e da procura e influenciado diretamente pela produtividade das empresas. Seria, mas tal não existe, muito menos em Portugal.

Percebo que exista quem defenda que Portugal não pode aumentar de forma exponencial o salário mínimo. Percebo que estejam preocupados com a sobrevivência de muitos negócios e de muitas empresas que só existem graças à miséria que pagam ao seus trabalhadores. Percebo, mas não aceito.

No sucesso dos outros vemos a nossa mediocridade: 600 euros de salário mínimo é uma das nossas maiores vergonhas

Portugal tem o nono salário mais baixo (em paridade do poder de compra), entre os países da União Europeia que têm salário mínimo. Espanha está muito à frente. E França a anos-luz. Situação que se vai agravar com as decisões desta semana de aumentar o salário mínimo nestes países. Em França vai ultrapassar os 1500 euros e em Espanha ficará nos 900 euros. Por cá ira para os 600. E já muitos estão contentes com o esforço feito. Esforço? No sucesso dos outros vemos a nossa mediocridade: 600 euros de salário mínimo é uma das nossas maiores vergonhas.

Um aumento radical do salário mínimo iria colocar muitas empresas em dificuldades e afetar a nossa competitividade. Verdade. Mas queremos ter empresas que só sobrevivem graças a mão de obra barata e por vencerem pelos custos, ou preferimos empresas que se destacam pela qualidade e valor acrescentado?

Se a crise veio mostrar a capacidade dos empresários de mudar a forma de trabalhar, de produzir, de vender, causar um novo choque pode ser precisamente aquilo que as empresas precisam para que coloquem a fasquia ainda mais alta. Claro que íamos assistir ao fecho de empresas e até a um aumento de desemprego. Mas acredito que fosse uma situação temporária que o Estado social teria de estar preparado para lidar.

Para justificar o aumento do salário mínimo em Espanha, Pedro Sánchez disse: “Um país rico não pode ter trabalhadores pobres”.

Portugal está longe de ser um país rico (dentro da Europa) mas também não se pode deixar vergar à pobreza. Somos dos países europeus onde a taxa de risco de pobreza é maior, valor que dispara quando falamos da população mais jovem.

E sobre a proteção social há um outro aspeto muito positivo de aumentar o salário mínimo de forma expressiva: fazer voltar ao mercado de trabalho quem desistiu de trabalhar e passou a viver de apoios sociais. Quanto maior o salário pago maior a propensão a trabalhar.

Acredito que no médio e longo prazos seriam óbvios os ganhos por aumentar, de forma generosa, o salário mínimo. Basta falar com os empresários de sucesso. Os do verdadeiro sucesso. Não o criado pelos jornais, bancos e outros interesses. Todos se orgulham de não pagar a nenhum dos seus trabalhadores o salário mínimo. Todos.