Hotéis

A má notícia: o turismo está a travar. A pergunta: é uma catástrofe? A resposta: “Não”

<span class="creditofoto">Foto Paulo Vaz Henriques</span>

Foto Paulo Vaz Henriques

Estão previstos 140 novos hotéis nos próximos anos e os empresários estão preocupados com o abrandamento no sector. Mas um estudo que acaba de sair relativiza as dúvidas

Texto Conceição Antunes

Após cinco anos de “crescimento excecional” para os hotéis, em que as dormidas dispararam 45% e os proveitos 83%, o turismo em Portugal começa a mostrar sinais de abrandamento em 2018, o que é “inevitável mas normal, depois de uma quase duplicação das receitas do sector” - este é o ponto de partida de um estudo da BlueShift, consultora e gestora de hotéis, que modeliza a evolução da procura e da oferta para o próximo triénio e o seu impacto direto na rentabilidade das empresas do sector.

Lembrando que estão previstos 140 novos hotéis até 2020 segundo um levantamento da Publituris (envolvendo um acréscimo de 16,5 mil quartos), e que “este enorme pipeline agrava as preocupações dos empresários com um eventual cenário de abrandamento”, o estudo da BlueShift enfatiza que “o abrandamento da procura e o crescimento da oferta não colocam por si em causa a rentabilidade do sector”. E a conclusão é que “mesmo um cenário de travagem não é uma catástrofe”.

O estudo parte do cenário extremo para Portugal, “em que a procura estagna nos anos 2019 e 2020”. Mas “apesar dessa mudança de contexto, 75% da oferta concretiza-se no prazo previsto”. O desvio de procura para os novos hotéis impactaria os atuais numa descida de 6,6% das taxas de ocupação (menos 4,3 pontos percentuais). E pelo “efeito de maior concorrência no mercado” foi assumida uma queda do preço médio correspondente a 45% da redução da taxa de ocupação, o equivalente a menos 3%. “Um cenário algo extremo que ocorreu em 2009, num contexto de crise internacional, com a procura em queda e não apenas estagnada”, justifica o estudo.

A conclusão é que a receita média por quarto disponível (RevPar) cairia 9,3%, levando os hotéis nacionais “para valores de rentabilidade praticamente ao nível de 2017, que foi considerado um ano excecional”.

O estudo ressalva a diferença de impacto por regiões, podendo o Algarve ter uma queda de 13,3% neste cenário e a região de Lisboa de 10,4%. Mas o crescimento da oferta “não acarreta um problema significativo para a rentabilidade do sector”.

<span class="creditofoto">Foto Paulo Vaz Henriques</span>

Foto Paulo Vaz Henriques

O abrandamento nas dormidas até setembro (segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística), e que foi mais expressivo na Madeira (menos 3,8%), no centro (menos 3,5%) e no Algarve (menos 1,8%), não tem paralelo com os dados relativos à evolução dos passageiros desembarcados nos aeroportos, nota o estudo.

Se as dormidas de estrangeiros em Portugal desceram 1,4% até setembro, os passageiros internacionais subiram 7,4%, e olhando só o caso de Lisboa houve menos 0,2% de dormidas de turistas externos enquanto os passageiros internacionais desembarcados no aeroporto cresceram 11,5%.

“Onde pernoitam estes turistas?”, interroga-se o estudo, concluindo que “as estatísticas poderão estar enviesadas” por não incluírem novos formatos como o alojamento local.

Relativamente ao abrandamento, o estudo deixa a nota de “fenómenos pontuais que tiveram um impacto excecional em 2018 e terão piorado a performance de alguns destinos”. É o caso das falências da Monarch, Air Berlin e Nikki, que afetaram o Algarve e a Madeira, ou o facto de se tratar na região centro do ano pós-visita do Papa a Fátima, que em 2017 gerou um pico de crescimento que tem um reflexo inverso no comparativo com o ano corrente.

A reabertura de destinos como Turquia, Egito ou Tunísia, a par do esgotamento do aeroporto de Lisboa, foram outros fatores menos favoráveis ao turismo português em 2018 destacados no estudo, que não considera impactos exógenos como o Brexit.

O crescimento de 6,3% nos proveitos hoteleiros até setembro é o sinal mais positivo num ano em que as dormidas decresceram 0,5%, refletindo “a dinâmica favorável no fator preço”, mas aqui o estudo da BlueShift também deixa um alerta face ao “efeito de overshooting de preço típico de anos de mudança de ciclo”.

<span class="creditofoto">Foto Tiago Miranda</span>

Foto Tiago Miranda

Alerta aos hotéis que não aproveitaram “o oxigénio dos últimos anos”

A BlueShift assume que relativiza “o impacto esperado de abrandamento mesmo num cenário de travagem súbita da procura” e põe “o acento tónico na capacidade de gestão de cada empresa no novo contexto”.

A diferenciação de produto é um dos quatro “fatores críticos de sucesso” identificados pela empresa especializada em gestão e consultoria de hotéis, tendo em conta que “um hotel com um conceito mais diferenciado tem poder de mercado e consegue cobrar preços mais elevados mesmo em cenário de crise”.

A BlueShift aconselha ainda a ter como foco o revenue management, isto é, a “capacidade de perceber o negócio, prever a procura e determinar o mix de canais adequado”, evitando a tentação de “focar na ocupação para encher o hotel mas à custa de vender barato, o que destrói a rentabilidade”.

E também põe a tónica na eficácia comercial. “Ao contrário de um momento de boom, em que basta ter a porta aberta para encher o hotel, num cenário de estagnação a concorrência é mais intensa e a pressão sobre o preço é maior”, explicita o estudo.

Diversificar mercados e canais de venda, evitando “uma dependência excessiva de grandes operadores turísticos em destinos resort” como a Madeira e o Algarve, é outra das recomendações da BlueShift.

A principal advertência vai para os hotéis “que não tiraram partido do oxigénio dos últimos cinco anos para investirem na atualização do seu produto” - e, esses sim, podem enfrentar “dificuldades acrescidas”.