Estados Unidos

O ‘vai, não vai’ do ‘impeachment’ que começou ainda Trump não era Presidente

Donald Trump: tentativas de destituição são várias, e por vários motivos <span class="creditofoto">Foto Reuters</span>

Donald Trump: tentativas de destituição são várias, e por vários motivos Foto Reuters

Os pedidos de destituição começaram logo após a eleição de Donald Trump, antes ainda de tomar posse como Presidente dos EUA, em janeiro de 2017. Os casos foram-se avolumando mas encontraram sempre resistência tanto junto dos republicanos como da líder da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi – até esta terça-feira. Mas a procissão ainda vai no adro. O Expresso recorda como se chegou até aqui

Texto Hélder Gomes

Ainda Donald Trump não tinha tomado posse e já se falava em iniciar um processo de ‘impeachment’. Os primeiros passos formais nesse sentido foram dados pelos congressistas democratas Al Green e Brad Sherman. Entre os motivos que foram sendo alegados para a destituição, logo no primeiro ano da presidência, contam-se o recebimento de pagamentos de dignitários estrangeiros, as acusações de conluio com a Rússia durante a campanha presidencial de 2016 e a obstrução à Justiça durante a investigação respetiva, além de acusações de associação da presidência ao “nacionalismo branco, neonazismo e ódio”.

Em dezembro de 2016, um mês após a eleição de Trump, um quinteto de senadores, que incluía Elizabeth Warren, atual candidata à nomeação democrata para as eleições do próximo ano, apresentou um projeto de lei que requeria que o Presidente eleito alienasse quaisquer ativos que pudessem criar um conflito de interesses. Não o fazer configuraria a prática de crime e delitos “ao abrigo da cláusula de ‘impeachment’ da Constituição dos EUA”. O gesto, que reportava às extensas ligações comerciais e imobiliárias de Trump, até mesmo com agências governamentais de outros países, foi entendido como um esforço preventivo para estabelecer as bases para uma futura discussão sobre ‘impeachment’.

Imediatamente após a tomada de posse, a 20 de janeiro de 2017, foram-se acumulando os relatos de movimentações com vista à destituição. Logo em fevereiro, o congressista democrata Jerry Nadler apresentou uma moção para forçar a Administração a entregar documentos relativos a potenciais conflitos de interesses e a eventuais ligações ao Kremlin. No entanto, como nos dois primeiros anos da presidência os republicanos controlavam as duas câmaras do Congresso (a Câmara dos Representantes – ou a House, onde o processo de ‘impeachment’ se inicia, e o Senado, onde ele pode ser confirmado), Trump nunca correu sérios riscos. Por exemplo, uma resolução de dezembro de 2017 foi chumbada nos Representantes por 364 votos contra e 58 a favor.

De Michael Cohen a Robert Mueller

Ao assumirem o controlo da House em 2019, na sequência das eleições a meio do mandato em novembro do ano passado, os democratas abriram várias investigações sobre as ações e as finanças presidenciais. A 17 de janeiro, surgiram novas alegações contra Trump, desta vez porque o Presidente teria instruído Michael Cohen, o seu advogado de longa data, a mentir sob juramento a propósito da construção de uma Trump Tower em Moscovo.

Michael Cohen mentiu sob juramento? <span class="creditofoto">Foto getty</span>

Michael Cohen mentiu sob juramento? Foto getty

A presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, começou por resistir aos pedidos de ‘impeachment’ dos seus colegas democratas mas, em maio, considerou que a recusa de Trump em cumprir as intimações do Congresso poderia justificar a abertura de um inquérito. Esse inquérito preliminar a um processo de destituição era pedido por vários democratas e por um republicano da House.

Robert Mueller apertou o cerco <span class="creditofoto">Foto Getty</span>

Robert Mueller apertou o cerco Foto Getty

O relatório do procurador especial Robert Mueller, lançado a 18 de abril, apertou ainda mais o cerco à volta de Trump. O documento não foi conclusivo quanto à existência de obstrução presidencial à Justiça, deixando o procurador via aberta para o Congresso chegar a esse veredito. Em poucas palavras, Mueller não acusou Trump mas também não o ilibou.

O telefonema ao Presidente da Ucrânia

No último domingo, Pelosi apelou à divulgação do relatório de um denunciante que alegadamente alertou para os pedidos de ajuda de Trump junto do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Numa carta enviada ao Congresso, Pelosi deixou claro que espera que o diretor interino dos serviços de informação nacional, Joseph Maguire, divulgue o documento quando esta quinta-feira comparecer diante da comissão de informação. Caso contrário, poderá inaugurar-se “um novo e grave capítulo de ilegalidade”, sublinhou.

O bloqueio da Administração à divulgação da queixa significa levar Maguire a violar os estatutos federais, que afirmam inequivocamente que o diretor dos serviços está obrigado a partilhar com o Congresso a informação de que dispõe, descreveu Pelosi. “O Governo está a pôr em risco a nossa segurança nacional e a provocar um efeito aterrador sobre qualquer futuro denunciante que se deparar com um procedimento incorreto”, sinalizava na missiva.

Na sexta-feira, o jornal “The Washington Post” noticiou que a assessoria jurídica da Casa Branca pressionara para a queixa não ser divulgada ao Congresso. Já o “Wall Street Journal” esclareceu que o documento, datado de 12 de agosto, diz respeito a uma chamada de Trump a Zelensky, durante a qual o Presidente norte-americano pediu “oito vezes” ao homólogo ucraniano para colaborar com o seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, numa investigação ao filho do antigo vice-Presidente Joe Biden. Biden é o candidato mais bem colocado para conseguir a nomeação democrata para as eleições de 2020 em que Trump procura a reeleição.

“Ninguém está acima da lei”

Ao concluir a carta, Pelosi aludiu – pela primeira vez de uma forma clara – à possibilidade de ‘impeachment’ presidencial, alertando que qualquer esforço continuado para bloquear a chegada da queixa ao Congresso conduzirá a “um novo estágio da investigação”. E assim foi: ainda antes da audição de Maguire, a líder democrata anunciou esta terça-feira a abertura de “um inquérito oficial com vista a um processo de destituição”.

Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes <span class="creditofoto">Foto Getty</span>

Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes Foto Getty

A investigação irá centrar-se no eventual abuso de poder por parte de Trump, ao procurar ajuda de um Governo estrangeiro para a sua reeleição no próximo ano, o que Pelosi já considerou “uma traição ao seu juramento de tomada de posse”, acrescentando: “Ninguém está acima da lei.” O lançamento do inquérito conta, para já, com o apoio explícito de 206 democratas (em 235) e um independente num total de 435 membros da Câmara dos Representantes.

Em reação, Trump afirmou que a conversa com o Presidente ucraniano fora “muito amigável e totalmente apropriada” e que não havia exercido “qualquer pressão” sobre Zelensky. Posteriormente, referiu-se à abertura do inquérito como uma “caça às bruxas”, uma expressão várias vezes usadas durante a investigação de Mueller.

As contas favoráveis a Trump

A Câmara dos Representantes é atualmente composta por 235 democratas, 199 republicanos e um independente, pelo que o processo poderá avançar sem o apoio republicano. O problema para quem deseja avançar com a destituição – e a tábua de salvação para Trump – encontra-se no Senado, onde os republicanos são 53, os democratas 45 e há ainda dois independentes, que normalmente votam com os democratas. A condenação e afastamento do Presidente precisariam de 67 votos, ou seja uma maioria de dois terços. Sendo assim, pelo menos 20 senadores republicanos e todos os democratas e independentes teriam de votar contra Trump para este ser destituído.

Ainda na terça-feira, o Presidente disse acreditar que o processo terminará de forma “positiva”. A história dá-lhe razão: nunca nenhum Presidente dos EUA foi destituído em resultado de um ‘impeachment’. Richard Nixon renunciou em 1974 antes de poder ser destituído. Já os processos de ‘impeachment’ de Andrew Johnson, em 1868, e de Bill Clinton, em 1999, passaram na House mas esbarraram no Senado.