ISRAEL

As eleições que dão a Netanyahu um vislumbre da porta de saída

Apesar dos sorrisos, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu arrisca-se mesmo a não conseguir garantir a reeleição <span class="creditofoto">Foto Ammar Awad / Reuters</span>

Apesar dos sorrisos, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu arrisca-se mesmo a não conseguir garantir a reeleição Foto Ammar Awad / Reuters

Cinco meses depois continua tudo mais ou menos na mesma em Israel. A grande diferença é que o cerco à volta do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está mais apertado. Entre apelos a “um amplo Governo de unidade”, voltam a impor-se dois peões capazes de virar o jogo: o ex-chefe do Exército Benny Gantz, cuja aliança partidária segue com uma ligeira vantagem sobre o Likud, e Avigdor Lieberman, o antigo ministro da Defesa de Netanyahu que já lhe inviabilizou uma solução governativa em abril

Texto HÉLDER GOMES

As eleições desta terça-feira em Israel foram um ‘baralhar e volta a dar’ relativamente às de abril. Mas, desta vez, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu arrisca-se mesmo a não conseguir garantir a reeleição. Ciente do trabalho que tem de fazer em casa, o chefe de Governo acaba de cancelar a viagem da próxima semana a Nova Iorque, onde ia encontrar-se com o Presidente dos EUA, Donald Trump, à margem da Assembleia Geral da ONU. Com 90% dos votos contados, o seu Likud, de direita, tinha 31 lugares assegurados num total de 120 que compõem o Knesset, o Parlamento israelita. A coligação centrista Kahol Lavan (Azul e Branco), liderada pelo ex-chefe do Exército Benny Gantz, seguia com uma ligeira vantagem de um assento parlamentar.

Após as eleições de 9 de abril, que resultaram em 35 deputados para cada uma das formações, face à incapacidade de Netanyahu de formar uma coligação, algo sem precedentes na história do país, o Knesset votou, no final de maio, a sua própria dissolução. Também esta votação parlamentar, que inviabilizou a nomeação de Gantz como primeiro-ministro designado e abriu caminho a um segundo ato eleitoral em cinco meses, constituiu uma estreia. Estas eleições foram, por isso, encaradas como um referendo a Netanyahu e tudo indica que não sairá vencedor da consulta.

Benny Gantz, líder da coligação centrista Kahol Lavan (Azul e Branco), que segue na frente <span class="creditofoto">Foto Amir Cohen / Reuters</span>

Benny Gantz, líder da coligação centrista Kahol Lavan (Azul e Branco), que segue na frente Foto Amir Cohen / Reuters

O impasse que os resultados, ainda provisórios, prenunciam aprofunda a difícil situação em que o primeiro-ministro se encontra: alguns votos do bloco religioso que Netanyahu encabeça terão migrado para o secularista Yisrael Beiteinu, o partido que Avigdor Lieberman fundou depois de se incompatibilizar com Netanyahu e abandonar o cargo de ministro da Defesa no ano passado. Israel nunca teve um Governo de partido único e a próxima coligação, tal como a última, deverá resultar de tensas negociações entre um punhado de partidos. Lieberman será uma peça-chave.

GOVERNO DE UNIDADE, SOLUÇÃO PLAUSÍVEL MAS COMPLEXA

O Yisrael Beiteinu já tem nove lugares assegurados, o que representa um aumento significativo face aos cinco conquistados em abril. Lieberman insiste na formação de “um amplo Governo de unidade” mas sublinha que não começará negociações de coligação com partidos que não aceitem a sua exigência de mudanças políticas secularistas. Gantz perfila-se como o seu interlocutor mais provável ao dizer que espera “um bom Governo de unidade para o povo de Israel” e que “o sistema político acalme um pouco e se possa avançar”.

Avigdor Lieberman é um velho adversário do primeiro-ministro israelita<span class="creditofoto"> Foto Ammar Awad / Reuters</span>

Avigdor Lieberman é um velho adversário do primeiro-ministro israelita Foto Ammar Awad / Reuters

A animosidade entre Lieberman e Netanyahu, antigos parceiros de Governo, coloca ao primeiro-ministro um problema sério quanto à continuação da sua carreira política, escreve o diário “The Jerusalem Post”. “Apoiaremos um dos dois líderes – Benny Gantz ou Benjamin Netanyahu – que se mostre favorável a um Governo de unidade. Se algum deles não estiver interessado nisso, não o recomendaremos ao Presidente”, esclareceu Lieberman.

Um Governo de unidade com as duas principais forças políticas continua a parecer o caminho mais plausível para ultrapassar o impasse, ainda que a aliança de Gantz reitere que só com a saída de Netanyahu será possível uma coligação com o Likud, recorda o jornal online “The Times of Israel”. Os dirigentes do Likud já tentaram convencer o presidente do Partido Trabalhista, Amir Peretz, a juntar-se a uma coligação que também incluiria a aliança Yamina (de direita e extrema-direita) e os partidos ultraortodoxos. Peretz rapidamente recusou a proposta, afirmando que só está interessado em substituir Netanyahu, escreve o jornal “Haaretz”.

COM NETANYAHU “ATÉ AO FIM”

Por sua vez, o vice-ministro da Saúde, Yaakov Litzman, que lidera o ultraortodoxo Judaísmo Unido da Tora, garante que o seu partido continuará com o primeiro-ministro “até ao fim”. Entre cânticos de oposição a um Governo de unidade, Netanyahu assegurou na última madrugada que “todos os parceiros do Likud querem avançar juntos para construir um Governo forte e travar um perigoso Governo antissionista”. Em síntese, com as lideranças atuais, dificilmente haverá uma convivência pacífica entre as duas formações mais votadas: Netanyahu está apostado numa coligação com os partidos de direita e ultraortodoxos, sem árabes, enquanto Gantz promete um Governo secular.

O primeiro-ministro bem precisa dos partidos a quem continua a piscar o olho, uma vez que estes lhe prometeram imunidade. Netanyahu pode vir a ser acusado em três casos de corrupção, incluindo um de suborno, devendo ser sujeito a uma audiência com o procurador-geral no último dia previsto para o Presidente de Israel, Reuven Rivlin, escolher um candidato a primeiro-ministro. Apesar das contas com a justiça e da fraca prestação numas eleições que ele próprio precipitou, “é muito cedo para afastar Netanyahu dos cenários pós-eleitorais”, comenta ao Expresso, a partir de Telavive, Oded Berkowitz, vice-diretor dos serviços de informação da agência MAX Security.

“Na situação atual, antes da divulgação dos resultados finais, não há um vencedor claro das eleições, isto é, nenhum dos blocos será capaz de formar uma coligação com parceiros naturais”, sublinha Berkowitz, que traça dois cenários. “Ou Lieberman recua na sua recusa em sentar-se com partidos ultraortodoxos ou árabes, usando uma qualquer tecnicalidade ou desculpa, ou integra um Governo de unidade nacional”, equaciona. Em rigor, “o Likud e a Azul e Branco têm votos suficientes para o fazerem sem ele mas isso conduziria a um Governo com uma margem muito estreita, apenas com 63 assentos”.

Para Berkowitz, “o cenário de um Governo de unidade nacional é menos provável, tendo em conta os muitos compromissos que ambos os lados teriam de assumir durante a formação do Governo e ainda mais durante a governação”. Mesmo assim, “não se pode descartar este cenário porque ninguém deseja uma terceira ronda de eleições”, contrapõe. Com efeito, o Presidente israelita comprometeu-se a fazer o que pudesse para evitar um novo ato eleitoral.

No meio de tantas incertezas, o certo é que se esperam várias semanas de negociações e pugilato político na tentativa de fazer nascer uma solução governativa. E há um outro dado a reter: após as eleições de abril, Netanyahu não conseguiu formar Governo porque Lieberman fez depender o seu apoio da aprovação de um projeto de lei que alargava o serviço militar obrigatório a estudantes ultraortodoxos. Lieberman é favorável a uma legislação que estabeleça quotas para os alistar, algo a que os partidos religiosos se opõem.