Crescimento

O maldito “contexto externo” pode trocar as voltas a Centeno

Merkel não deu boas notícias a Centeno. O ‘motor’ da zona euro pode já ter entrado em recessão no terceiro trimestre <span class="creditofoto">Foto EPA</span>

Merkel não deu boas notícias a Centeno. O ‘motor’ da zona euro pode já ter entrado em recessão no terceiro trimestre Foto EPA

A Alemanha estagnou no segundo trimestre e confirma-se que o conjunto da zona euro desceu para um crescimento muito fraco próximo de 1%. Todas as grandes economias do mundo estão a desacelerar e há analistas a falarem de recessão em 2020 nas economias desenvolvidas

Texto Jorge Nascimento Rodrigues Infografia Carlos Esteves

Portugal escapou às más notícias sobre o andamento da economia da zona euro e da União Europeia que o Eurostat deu esta quarta-feira. O Ministério de Mário Centeno regozijou-se com o 21º primeiro trimestre consecutivo de crescimento no país, mas não se alongou sobre “o contexto externo pautado por acumulação de riscos”. A mensagem do gabinete na Avenida Infante Dom Henrique, em Lisboa, é que os dados do terreno apontam no sentido da economia portuguesa ser resiliente ao contexto externo.

O Instituto Nacional de Estatística confirmou em Lisboa que a economia portuguesa continuou no segundo trimestre a crescer acima da média do espaço da moeda única e que resiste a seguir a tendência geral de desaceleração nas grandes economias. Resistiu, crescendo 1,8% nos dois trimestres, muito acima de 1,2% e 1,1% na zona euro. Portugal regista uma taxa similar à da Finlândia e mais alta do que a da Bélgica ou da Áustria. Mas fica abaixo da dinâmica de outros periféricos – como Espanha, Chipe, Irlanda e Malta - dos bálticos e das economias emergentes do Leste da União.

E o horizonte não está animador. O contexto externo não dá sinais de melhoria nos nossos principais clientes e na zona da moeda que partilhamos. O organismo de estatística da União confirmou esta quarta-feira as previsões de uma desaceleração do crescimento do espaço do euro e da União no primeiro semestre. Mais ligeira no caso da zona da moeda única – de 1,2% nos primeiros três meses do ano para 1,1% ente abril e junho – e mais acentuada no espaço a 28, com uma redução da dinâmica de 1,6% para 1,3%, sobretudo devido à desaceleração acentuada no Reino Unido, onde o cenário de um Brexit sem acordo é cada vez mais provável, e na Suécia.

A pior notícia veio, contudo, de Wiesbaden, na Alemanha. O Destatis, o gabinete federal alemão de estatísticas, publicou esta quarta-feira a previsão para o andamento da economia entre abril e junho, e não podia ser pior. A economia recuou 0,1% do primeiro para o segundo trimestre e estagnou, em termos de comparação com o mesmo período do ano passado. Os economistas alemães perspectivam a continuação da contração no terceiro trimestre, o que empurraria o ‘motor’ da zona euro para o que os especialistas classificam como recessão técnica.

Uma má noticia não vem só

A Alemanha é o motor da exportação da zona euro. “O abrandamento a área do euro está a ser marcado pelo sector industrial, e particularmente na Alemanha. Esta economia tem sido muito fustigada pelas suas fraquezas na indústria automóvel e por outros aspetos específicos. Há, também, já alguns efeitos da guerra comercial, mas ainda não são a causa principal”, diz ao Expresso Peter Perkin, estratego global do The Macro Research Board. “O grande perigo para a Europa é que o comércio internacional continue fraco por algum tempo e que mine a confiança empresarial, para mais tendo em conta a falta de liderança política na região”, acrescenta o analista.

Trump fez um recuo parcial na escalada da guerra comercial com a China, diminuindo drasticamente os produtos sobre os quais recairá a taxa aduaneira de 10% a partir de 1 de setembro. A trégua parcial estende-se até 15 de dezembro e foi arrancada pela pressão dos meios empresariais norte-americanos que anteviam uma época de vendas natalícia calamitosa.

Uma crise política em Itália, a incerteza sobre a solução governativa em Espanha, a possibilidade de um efeito negativo de uma crise na Argentina em particular em relação a Espanha, são factores adicionais de risco.

Como uma má noticia não vem só, à vinda da Alemanha juntou-se esta quarta-feira um dado preocupante publicado do outro lado do mundo, em Pequim. A produção industrial chinesa, uma das molas do crescimento mundial, aumentou apenas 4,8% em julho, o crescimento mais baixo em 17 anos.

Não faltam os economistas a prognosticar que uma recessão nas economias desenvolvidas pode estar ao virar da esquina em 2020. Nomeadamente, nos Estados Unidos, onde a inversão das taxas de juro dos títulos do Tesouro é quase total, pela primeira vez, em 12 anos. Os investidores exigem receber juros mais elevados nos prazos curtos até 12 meses do que a 10 anos. Os juros a 12 meses estão em 1,8% e a 10 anos abaixo de 1,6%. Este tipo de inversão é encarado como sinal de uma recessão no horizonte. Nos juros a 2 anos já se verificou, esta quarta-feira durante a sessão, uma inversão durante um curto período.

A inflação na zona euro em julho só será conhecida na próxima semana, mas os dados já disponíveis para algumas economias importantes apontam para uma descida. Particularmente preocupante as taxas muito baixas registadas nos periféricos: deflação em Portugal (-0,7%), o que sucede pela primeira vez desde 2015, 0,3% em Itália, 0,4% na Grécia, 0,5% na Irlanda e 0,6% em Espanha.

A situação portuguesa parece destacar-se, sendo a única economia do euro com quebra de preços, de acordo com os dados disponíveis para as economias do euro até à data. Economistas ouvidos pelo Expresso consideram, no entanto, que esta situação não deverá ser estrutural, podendo ter sido gerada por efeitos pontuais em julho.

Com a inflação tão baixa na zona euro e o cenário de crescimento tão nebuloso, a esperança dos investidores é que o Banco Central Europeu avance com um pacote de medidas de estímulos monetários convincente a 12 de setembro.