Espanha

O meu reino por uma pasta ministerial

Pedro Sánchez não quer Pablo Iglesias sentado à mesa do Conselho de Ministros <span class="creditofoto">Foto Juan Medina / Reuters</span>

Pedro Sánchez não quer Pablo Iglesias sentado à mesa do Conselho de Ministros Foto Juan Medina / Reuters

Insistência de Pablo Iglesias em ir para o Governo, rejeitada por Pedro Sánchez, faz antever fracasso na tentativa de empossar o socialista como primeiro-ministro

Texto Angel Luis de la Calle, correspopndente em Madrid

A menos de uma semana da sessão parlamentar para investir o socialista Pedro Sánchez – que venceu sem maioria das eleições legislativas de 28 de abril – como chefe do próximo Governo espanhol, o panorama é sombrio. Tudo aponta para uma investidura falhada. O principal obstáculo é a exigência do líder da aliança Unidas Podemos (UP, esquerda populista), Pablo Iglesias, de fazer parte do Executivo, o qual, a seu ver, deve resultar de uma coligação.

Sánchez não quer Iglesias à mesa do Conselho de Ministros. O máximo que concedeu até à data é atribuir pastas ministeriais a personalidades independentes vinculadas à UP, mas sem perfil político. Nenhum dos dois dirigentes parece disposto a mover-se da sua posição.

O socialista já deu por formalmente interrompidas as negociações, há três dias, depois de se saber que Iglesias convocara uma consulta às bases do seu partido para decidir o rumo a adotar. A iniciativa baseia-se em duas perguntas que o primeiro-ministro socialista considerou enganosas e cujos resultados serão conhecidos esta quinta-feira. Apesar da atitude de Sánchez, a cúpula da UP não aceita a rutura e manifesta-se aberta a prosseguir esforços para desbloquear a situação.

Iglesias quer consolidar a liderança

Porque se obstinam as duas partes em manter linhas vermelhas tão antagónicas? A questão é complexa, tal como as possíveis respostas. Iglesias considera que, sendo imprescindíveis (ainda que não suficientes) os votos dos seus 42 deputados para o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda) ter hipóteses de formar uma maioria sólida, é justo que o seu partido esteja representado no Governo de forma proporcional aos votos que obteve.

Numa entrevista televisiva, já esta quarta-feira, Iglesias afirmou que seria “uma falta de respeito” pelos 3,7 milhões de eleitores da UP em abril fazer cedências neste ponto. Exigiu estar pessoalmente do Governo, “evidentemente às ordens do primeiro-ministro”. Para lá das razoáveis ambições de poder, Iglesias precisa de reforçar-se na liderança da esquerda radical, para evitar ver a sua autoridade minada pelas visíveis tensões internas no grupo político que dirige. Estas saldaram-se, nas últimas semanas, em saídas da primeira linha de figuras outrora muito vinculadas ao próprio Iglesias.

O antigo número dois do Podemos, Íñigo Errejón, braço-direito do líder, pondera formar um novo partido que, numa eventual repetição das eleições, em novembro, poderia aglutinar os votantes da UP que estão descontentes com a trajetória desta força política. Iglesias considera, aliás, que a representação proporcional no Conselho de Ministros seria garantia do cumprimento dos pactos de esquerda que deveriam reger a legislatura que tanto tarda em arrancar.

PSOE sem fissuras

A cúpula dirigente do PSOE apoia sem hesitar a posição de Sánchez. Embora o governante não tenha explicado abertamente a sua oposição a um Governo de coligação, já deu suficientes pistas para interpretar a sua vontade: formar um Executivo sem hipotecas políticas. A presença da UP implicaria, na prática, a existência de um Governo paralelo sujeito às veleidades de uma formação que costuma fundamentar as suas atuações em debates públicos diante dos meios de comunicação.

Sánchez quer ter as mãos livres para escolher a sua equipa e toda a liberdade para encarar, em termos realistas, os desafios que Espanha enfrenta após quatro anos de paralisia institucional resultante da falta de solidez de sucessivos governos. Consta que o líder socialista terá recebido subtis pressões, vindas tanto do interior do país como de grupos de pressão europeus, a frisar a incerteza que gera a hipotética integração de um grupo populista, radical e de esquerda na condução da quarta economia da UE.

Tampouco há que minimizar os motivos de carácter pessoal que afetam as relações entre Iglesias e Sánchez. Apesar de ambos militarem na esquerda, as suas opiniões sobre princípios básicos e os meios para levar a cabo uma política baseada nessa ideologia são contrários. O chefe do PSOE não confia no da UP, como reconhecem figuras próximas do primeiro, ao passo que Iglesias pensa que Sánchez é um político imbuído de desenfreada paixão pelo poder, incapaz de partilhá-lo.

Risco de novas eleições

O horizonte não permite grande otimismo. Fontes da Moncloa, residência oficial do primeiro-ministro, admitem ao Expresso que, à margem das negociações e das perspetivas reais de investidura falhada, o chefe do Governo está a preparar o discurso que proferirá segunda-feira, no arranque do debate parlamentar. O Congresso dos Deputados votará a sua recondução na terça-feira e, caso o resultado seja negativo, haverá nova votação passadas 48 horas, isto é, quinta-feira.

A intervenção de Sánchez poderá conter pedidos claros às forças do centro-direita (Partido Popular e Cidadãos) para facilitarem, em nome do patriotismo e através da abstenção, a formação de um Governo estável. É muito provável que na votação de investidura partidos independentistas, como a Esquerda Republicana da Catalunha, optem pela abstenção para viabilizar o Executivo. Já o Partido Nacionalista Basco e os regionalistas navarros, cântabros e canários poderão votar a favor.

Nada disso bastará, porém, se a UP decidir votar contra. Caso a investidura fracasse até quinta-feira da próxima semana, abrir-se-á um período de dois meses para retomar as negociações entre os partidos e celebrar nova sessão parlamentar. A repetição de um eventual fiasco daria lugar, por operação da Constituição, à dissolução das câmaras legislativas e à convocatória de novas eleições gerais. Este calendário situá-las-ia a 10 de novembro. Seria a segunda vez seguida em que uma ida às urnas não geraria um Governo, após o semestre perdido entre as eleições de dezembro de 2015 e junho de 2016.

As empresas de sondagens preveem que de novas legislativas resultaria uma situação muito semelhante à atual. O PSOE e o PP recuperariam ligeiramente, enquanto a UP e o Cidadãos perderiam votos. A abstenção seria claramente superior a 33% (28% em abril), o que se explica pelo fastio dos espanhóis ante a incapacidade dos políticos para chegarem a acordos sólidos.