Antes pelo contrário

Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

O país precisa do Montepio que não precisa de Tomás Correia

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Quando Tomás Correia dirigia o banco, o Montepio ganhou uma estranha fama para uma instituição ligada a uma associação mutualista: era ele que ia aos negócios que a banca comercial avaliava como mais arriscados. E são desse tempo os negócios mais ruinosos. O Montepio transformou-se numa espécie de espelho do Espírito Santo, com a Associação Mutualista a financiar as asneiras do banco. Desses negócios, destaca-se o do Finibanco – comprado pela associação e recomprado pela Caixa Económica com dinheiro da recapitalização feita pela associação. Entre 2012 e 2015, o Montepio acumulou 1253 milhões de euros de imparidades e 718 milhões de euros de prejuízo. Até ser obrigado a transformar-se numa sociedade anónima.

Só em 2015 é que Tomás Correia acaba por ser empurrado para fora do banco. Mas manteve-se à frente de uma associação com mais de 170 anos e 632 mil associados. A que detém o banco que ele ia afundando. Agora vai mais uma vez a votos, na condição de arguido de um processo que deriva da Operação Marquês. Ninguém sabe ao certo que o vai encontrar no dia em que também o conseguirem arrancar da associação. Ao contrário do banco, não é, apesar de guardar poupanças e investimentos de centenas de milhares de portugueses, supervisionada pelo Banco de Portugal.

Esta semana, os associados do Montepio começarão a votar por correspondência. A melhor leitura que lhes posso recomendar é esta investigação da jornalista Cristina Ferreira, do “Público”, onde se explica como, em 2009, José Guilherme contraiu um empréstimo de 8,5 milhões no Montepio. No mesmo ano em que José Guilherme deu um bónus de 8,5 milhões a Ricardo Salgado. Todos os associados do Montepio que escrevem posts irados contra o estado das coisas têm o que ninguém teve no GES e no BES: um boletim de voto.

O país precisa, mais do que nunca, de instituições como a Associação Mutualista Montepio. Seria excelente que, apesar de todo o poder que Tomás Correia concentrou para tentar ser inamovível e não se descobrir se fez ali o que fez no banco, os seus associados fizessem alguma coisa para a salvar. O país não precisa de mais Salgados e Sócrates

Tomás Correia não gosta de deixar o seu futuro nas mãos da sorte e da democracia. Contando com a ausência da esmagadora maioria dos associados, mobiliza os funcionários do banco para o defenderem nas assembleias gerais. Nas eleições, tem outras técnicas. Apesar das centenas de balcões do Montepio, só há uma mesa de voto em todo o país – na Rua do Ouro, em Lisboa. O resto é convenientemente deixado ao voto por correspondência. Quando digo convenientemente, tenho uma razão: a oposição propôs que os associados recebessem um SMS ou um email agradecendo o seu voto, depois deste ser recebido. Foi-lhes recusado. Porque será que Tomás Correia não quer que um eleitor receba a informação de que votou? Acrescente-se que as listas que concorrem contra Tomás Correia não sabem quantos votos foram emitidos, não têm acesso aos cadernos eleitorais e não lhes foi dada qualquer credenciação para fiscalizarem o ato eleitoral. Têm de confiar que Tomás Correia será tão sério nas eleições como foi na gestão do banco.

Nestas eleições, há três listas. A lista A, de Tomás Correia, a lista B, dos que acompanharam Tomás Correia em todas as suas tropelias (onde está Ribeiro Mendes e João Proença, o que vai saltando desesperadamente de tacho em tacho) e a lista C, única sem qualquer relação com a anterior administração. E a única que se propõe resgatar a função mutualista da associação, libertando-a de negócios ruinosos e voltando dirigir-se à classe média com poucos recursos, especialmente na área da habitação. Uma lista que tem apoios que vão de Bagão Félix a Ana Avoila, de António Capucho a Ana Drago. Com a vantagem de nenhum ter sido comprado com patrocínios. O país precisa, mais do que nunca, de instituições como a associação mutualista Montepio. Seria excelente que, apesar de todo o poder que este homem concentrou para tentar ser inamovível e para que não se descubra se fez ali o que fez no banco, os seus associados fizessem alguma coisa para a salvar. O país não precisa de mais Salgados e Sócrates.