Economia

Juros da dívida em mínimos. Será que Portugal também vai ter taxas negativas a 10 anos?

O presidente do Banco Central Europeu animou os mercados ao admitir novos estímulos do BCE <span class="creditofoto">Foto Ints Kalnins / Reuters</span>

O presidente do Banco Central Europeu animou os mercados ao admitir novos estímulos do BCE Foto Ints Kalnins / Reuters

As palavras de Draghi em Sintra, esta terça-feira, a admitir a hipótese de voltar a carregar no acelerador, levaram a uma nova onda de descida das taxas. As obrigações portuguesas a 10 anos atingiram novos mínimos, nos 0,511% a 10 anos. Estão neste momento em 0,56% mas podem voltar a descer se o cenário de novas medidas do BCE se confirmar

Texto João Silvestre

As taxas de juro negativas alastram-se como uma epidemia pela Europa. Já vem sendo assim há algum tempo mas esta terça-feira, depois de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), ter admitido que pode avançar com uma nova dose de estímulos monetários, os juros (yields) caíram para novos mínimos. A taxa portuguesa a 10 anos atingiu 0,511%, o valor mais baixo de sempre. Neste momento, o juro está em 0,559% mas, a manter-se a tendência, é possível que se batam novos recordes em breve. Principalmente se, na próxima reunião do BCE, agendada para 25 de julho, forem anunciadas novas medidas. No espaço de um mês, as taxas de juro da dívida portuguesa a 10 anos caíram para metade. Portugal tem, atualmente, taxas negativas até ao prazo de 5 anos (-0,113% neste momento).

Neste momento, referia esta quarta-feira a Bloomberg, há cerca de 12 biliões de euros em dívida pública com taxas negativas. A grande maioria na zona euro, onde o Banco Central Europeu lançou em 2015 um programa de compra de dívida pública que, desde então, acumulou uma carteira de obrigações no valor de 2,2 biliões. As compras foram interrompidas em janeiro e o banco central está, neste momento, apenas a reinvestir os reembolsos de dívida que for chegando à maturidade, mantendo assim a stock de títulos em carteira. Mas há quem acredite que o programa poderá ser retomado.

A maior parte dos países beneficia de taxas negativas na dívida pública. A Alemanha, com taxas negativas até ao prazo de 15 anos, é o caso mais flagrante. Fora da moeda única há também taxas negativas embora em menor número: na Suíça (até aos 20 anos), na Suécia (até aos sete), na Dinamarca ou no Japão (até aos 10).

As palavras de Mario Draghi em Sintra deram um sinal aos mercados de que o BCE poderá em breve tomar novas medidas face ao abrandamento da economia da zona euro – que deverá desacelerar este ano e recuperar lentamente a partir de 2020 – e ao facto de a taxa de inflação continuar longe da meta de 2%. Em maio, a taxa estava em 1,2% e as últimas previsões do BCE apontavam para 1,3% em 2019, 1,4% em 2020 e 1,6% em 2021. Assim, nem daqui a dois anos a taxa atingirá o alvo pretendido. Draghi lembrou que o BCE sempre teve determinação na gestão da crise e que agora, se necessário, usará “toda a flexibilidade para cumprir o mandato” de assegurar a estabilidade dos preços. A próxima reunião está agendada para julho e os mercados esperam já novidades nessa altura.

A verdade é que o simples sinal de que uma nova dose de estímulos monetários pode estar a caminho foi suficiente para levar as taxas a novos mínimos. E aí Portugal pode ver prazos mais longos igualmente com taxas negativas. O Estado português já tem beneficiado bastante desta situação, uma vez que tem conseguido emitir dívida a taxas cada vez menores e, com isso, poupado na fatura com juros. De acordo com os dados da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), a dívida emitida entre janeiro e abril deste ano teve um custo médio de 1,6%. São menos duas décimas do que em 2018 e 1,2 pontos percentuais abaixo da taxa média de há dois anos anos. Num país com uma dívida pública de 252,4 mil milhões de euros, qualquer décima de ponto percentual a menos pode fazer toda a diferença.

O facto de os investidores comprarem dívida com taxas negativas não quer dizer que o juro pago seja negativo. Aquilo a que normalmente se chamam taxas de juro das obrigações são, na verdade, taxas de rentabilidade (yields) que medem o rendimento efetivo de quem as compra. Como a cotação da obrigação flutua no mercado, em função da oferta e da procura, a rentabilidade – que depende do juro pago (o cupão) e também da diferença entre o preço pago e o montante nominal a reembolsar no final – também varia. E varia em sentido inverso.

Quando as yields sobem, significa que os investidores estão a vender, a cotação está a cair e o ganho efetivo de quem investe é maior, uma vez que tem o mesmo ganho em juros e uma margem maior em termos de capital face ao dinheiro que aplicou. Quando os investidores estão a comprar, como aconteceu esta terça-feira, a cotação sobe e, face ao montante investido, o retorno é menor. As taxas chegam a negativas quando o preço é de tal forma alto que, na prática, os investidores perdem dinheiro ao comprarem os títulos.

Isso não quer dizer, no entanto, que os Estados ganhem imediatamente quando os juros descem. Tal apenas acontece quando há emissões de dívida e quando nestas as taxas refletem o que se passa no mercado. Até lá, são apenas oscilações de mercado secundário que em nada afetam o emitente, embora sirvam de sinal sobre o que poderão ser emissões futuras.