Andamos nisto

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Bernardo Ferrão

Sérgio Moro e a relevância de Ivo Rosa

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Na sua passagem por Portugal, em 2017, ainda como “super-juiz”, Sérgio Moro deixou duas revelações: não iria para a política e já então considerava difícil que Lula da Silva fosse às eleições de 2018. Depois de tudo o que vimos, as palavras de Sérgio Moro deixam-nos hoje com um frio na espinha. Na verdade, Lula acabou por ser preso e a sua candidatura foi proibida pelo Tribunal Eleitoral. E Moro, o juiz que pôs Lula atrás das grades, lá cedeu à tentação.

O salto do juiz para a política levanta óbvias questões de conflitos de interesses. Falar apenas na separação de poderes é demasiado curto para nos referirmos a esta mistura perigosa. Estamos a falar de um juiz que além de julgar e condenar Lula da Silva, mostrou parcialidade ao ajudar os procuradores federais nos casos de corrupção contra o ex-Presidente. O caso brasileiro surpreende-nos de facto pelos piores motivos, um juiz deve manter-se afastado dos interesses do processo. Ou seja, da acusação.

Mesmo que nos digam que não há comparação com o caso brasileiro, é impossível não encontrarmos semelhanças

E se fosse cá? Esta história remete-nos de imediato para o processo Marquês e para as muitas dúvidas que se têm levantado sobre o juiz Carlos Alexandre e o processo de José Sócrates e outros. As acusações são várias e, em parte, também remetem para objetivos políticos. Nenhuma dessas acusações foi provada, mas importa relevar o estilo muito próprio de Carlos Alexandre, próximo dos procuradores, e a forma, nem sempre clara e evidente, como o Ministério Público orientou a investigação. Ainda assim, mesmo que nos digam que não há comparação com o caso brasileiro, é impossível não encontrarmos semelhanças.

Um juiz que se cola excessivamente aos procuradores não evita leituras nem olhares desconfiados. Está mais permeável a conversas e a ligações menos aconselháveis. Cede mais facilmente a tentações mediáticas, ao excesso de protagonismo, aos jogos de poder. Moro caiu neste alçapão e já não sairá dele. Os seus processos e decisões ficam inquinados. Tornou-se grave a suspeita de que agiu contra Lula com intenção política. Por cá, os processos que passaram pelas mãos do juiz Carlos Alexandre correram os mesmos riscos, apesar de o juiz de Mação nunca ter cedido à política e aos partidos.

Em contraponto às críticas a Carlos Alexandre, devemos sublinhar que, com ele, casos claros de polícia chegaram finalmente à barra dos tribunais. Nos pratos da balança o que pesa mais? Os alegados erros/abusos da investigação ou os criminosos, altamente protegidos pelos advogados e por interesses não declarados, sentados no banco dos réus? Ou, dito de outra forma, os meios justificam os fins? Haverá sempre interrogações e ausência de respostas, por isso é fundamental fortalecer o sistema.

O caso Moro faz sobressair as garantias da nossa Justiça. Se Carlos Alexandre é o que é e foi o que foi – acusado de levar tudo à frente —, o mesmo sistema garante-nos uma nova filtragem. É aqui que entra Ivo Rosa, o juiz que vai decidir se Sócrates vai ou não a julgamento e, sobretudo, com que acusações. Rosa, do lado do garantismo e muito cioso dos direitos e liberdades dos investigados, tem questionado vezes de mais as decisões de Carlos Alexandre, alinhadas com o Ministério Público e com uma certa forma de investigar. Acredito que este confronto é fundamental, não porque minimiza o trabalho de Carlos Alexandre ou agiganta o de Ivo Rosa, mas porque reforça o papel da Justiça e das certezas que precisamos de ter.