Andamos nisto

Andamos nisto

Bernardo Ferrão

Não é o país que tapa o sol com a peneira

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“O que me importa é o resultado, o ‘delivery’: está Portugal melhor? Está a crescer? O défice está a diminuir? Quando analisamos estes dados, percebemos que os progressos estão a ser alcançados.” Pierre Moscovici, o comissário europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, respondeu assim quando lhe perguntei, nas Conferências do Estoril, como reagiria Bruxelas se António Costa voltasse a apresentar um Governo apoiado pelas esquerdas. A declaração de Moscovici está carregada de significado político e devia ser lida e memorizada pelo PSD e CDS. Depois da derrota de domingo, é difícil inverter o ciclo mas há sempre tempo para aprender algumas lições: as direitas têm de reinventar-se.

Olho para os jornais e não faltam assuntos que exigem oposição firme à governação. A força de uma democracia também está aí, na alternativa ao poder. O problema é quando não existe. O domingo das europeias confrontou-nos com essa ausência. Já a adivinhávamos mas a confirmação veio com os números. Bem sei que não devemos fazer extrapolações para as legislativas, são eleições muito diferentes, mas as urnas e a abstenção revelaram um país desinteressado e descrente na oposição.

Concordo que o ponto de viragem deste ciclo esteve sobretudo na questão dos professores e na forma como foi gerida, mas a crise das direitas é bem mais profunda. Depois dos anos de austeridade de Passos Coelho, Rio quis ser centrão e Cristas encostou-se demasiado à direita. Por razões diferentes, PSD e CDS perderam o norte e estão a perder eleitores. Com mais de um ano de liderança, Rio ainda não foi capaz de tornar clara a sua agenda. Já foi bengala do Governo – com o qual assinou acordos que só beneficiaram o adversário –, já foi crítico feroz do PS e do primeiro-ministro e agora não se percebe bem em que fase está. A isto acresce o facto de Rio apostar numa via política que já está ocupada por António Costa. Ou seja, quem quer a cópia quando pode ter o original?

As direitas é que deixaram que fosse Costa a comandar a agenda e as atenções do país

À direita da direita, o silêncio que tomou conta do CDS durante várias horas na noite das europeias foi a melhor imagem do mau momento do partido. Depois de ter sido estrela nas autárquicas, Cristas tem persistido num erro que me parece fatal. Ao repetir de forma veemente que não se senta à mesa com o Governo, arrisca ser vista como inútil. Nem manda, nem sequer serve para influenciar a governação. Não me espantaria por isso que o eleitorado de direita, sem uma liderança que os motive, prefira nesta altura votar PS. Por um lado afastam as esquerdas do palco da decisão e Costa já provou que sabe ser moderado, cumpre as regras e entrega resultados.

Aproveito a deixa para voltar a Moscovicci. Costa fez o que prometeu, mudou as regras do jogo e ao mesmo tempo cumpriu com o país e com Bruxelas. O país inteiro já percebeu isto, menos as direitas que insistem nos chavões: até Sócrates voltou à baila como se ainda fosse preciso lembrar. As europeias provaram que esse julgamento político já está feito, agora é deixar os tribunais trabalhar. Costa venceu essa e outras batalhas, apresenta-se como o homem da credibilidade e das contas certas. É ele quem faz o “deliver”. E até “geringonças” na Europa. Tudo isto rouba espaço à direita. Quer isto dizer que está tudo bem? Não, claro que não está. Voltem a folhear os jornais, vão encontrar histórias de abusos das Finanças, relatos impressionantes do que se passa nos hospitais ou nos serviços do Estado. Matéria de facto não falta, as direitas é que deixaram que fosse Costa a comandar a agenda e as atenções do país. E nisso, de facto, Rio tem toda a razão: “Não vale a pena tapar o sol com a peneira”, a direita não percebeu como as coisas mudaram. Continua a falar de um país que os portugueses não reconhecem.