Chamem-me o que quiserem

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Henrique Monteiro

A segunda vida de Trump

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As eleições desta terça-feira nos EUA pareciam verdadeiramente decisivas. Havia, pela primeira vez, uma oportunidade de os americanos darem cabo da vida de Donald Trump como POTUS (President Of The United States, ou Presidente dos EUA). Não deram. Em certa medida, reforçaram parte do seu poder, em troca de lhe retirarem parte da representação. Trump continua a ser uma referência política para a maioria dos Estados dos EUA e para cerca de metade dos eleitores.

As malfeitorias de Trump são amplamente conhecidas, nomeadamente diversos assuntos que chocam a consciência média do Europeu, pelo menos de acordo com a sua classe política e mediática tradicional. E, ainda assim, a esperada onda de indignação, contestação e voto contra não se manifestou. Pelo contrário.

A sua irresponsável campanha anti-imigrantes (que, longe de colocar em causa os regimes não democráticos que as propiciam, apenas é uma mostra de chauvinismo americano), as posições sobre a posse de armas ou a possibilidade de se disparar primeiro e perguntar depois, além de muitos outros aspetos pisados e repisados durante os dois anos de presidência de Trump não impressionaram os votantes americanos, que apenas repetiram o que costumam fazer nas eleições de meio do mandato: deram um sinal que uma só pessoa não pode dominar toda a política. Sabiamente, entregaram a Câmara dos Representantes (câmara baixa) aos Democratas e mantiveram o Senado (Câmara Alta) para os Republicanos.

Isto significa que Trump vai de ter de negociar muito mais? Em parte, sim. Em parte, será olhar para os partidos americanos como estamos habituados a olhar para os nossos. Trump já tinha muito a negociar, porque os representantes eleitos pelos Republicanos nem sempre lhe fizeram a vida fácil. Mas também porque, em contrapartida, a maioria dos agora eleitos pelo partido Republicano, nomeadamente no Senado, não o tinham sido, como agora, à sombra de uma campanha feita por Trump.

Que tipo de agendas colocam no poder aqueles que fazem rigorosamente o caminho inverso do que se andou a fazer no Ocidente nos últimos 30 anos?

Como já tantos dirigentes europeus eleitos com tiques ‘a la Trump’ demonstraram e, mais recentemente, Bolsonaro sublinhou, talvez seja tempo de a política tradicional europeia deixar de olhar para este estilo populista e radical de fazer política como excecional, estúpido, fascista e outros nomes que lhe vão chamando, para pensar nas causas que lhe dão origem. Que tipo de agendas colocam no poder aqueles que fazem rigorosamente o caminho inverso do que se andou a fazer no Ocidente nos últimos 30 anos? O que permite, inclusive, vencer referendos para afixar os 10 Mandamentos em edifícios públicos, numa reversão radical da laicidade do Estado.

Na verdade, houve algo de que muita gente se esqueceu: o relativismo dá para muitos lados. Um deles é este: Trump tornou-se, dois anos depois de escândalos atrás de escândalos, num Presidente normal. A eleição de mais mulheres, representantes de minorias étnicas e sexuais, reforça a ideia de que a democracia não foi beliscada. O Presidente foi igual a tantos outros, que a meio do mandato tem perdas e vitórias; mas não um desastre, o que lhe dá uma segunda vida.

Transformar a maioria dos Democratas na Câmara dos Representantes numa vaga anti-Trump é não perceber minimamente o que se passou. Que, caso a corrida fosse para Presidente, com muita probabilidade Trump a venceria de novo.