Chamem-me o que quiserem
Henrique Monteiro
O misterioso dr. Marques
Toda a gente, e eu não havia de ser exceção, se interroga sobre a escolha de Pedro Marques para cabeça de lista do PS nas Europeias. Não que o ex-ministro tenha defeitos terríveis. O que lhe falta são as qualidades necessárias e suficientes para ser líder de uma qualquer candidatura.
O ‘Público’ desta terça-feira dizia que o PS, salvo quando António Costa entra em cena, não participa na campanha europeia, deixando o cabeça de lista de sozinho. Percebo o desinteresse dos apoiantes e militantes do PS – Pedro Marques não mobiliza um carreiro de formigas na direção de uma migalha. E na comunicação é terrível.
Hoje, no mesmo jornal, decidiu fazer um artigo de opinião todo dedicado a… criticar o candidato do PSD, Paulo Rangel. Não parece coisa de quem pretende ir à frente. Politicamente, parece, até, o contrário. De resto, o tweet mais disseminado de Pedro Marques rezava assim: “Nós temos o legado de Mário Soares e da Europa, o outro lado, a direita, tem o legado dos cortes e da austeridade”. Ou seja, numa frase que tem três ideias, duas… são erradas.
Perdão, Dr. Pedro Marques, o 'outro lado', em matéria de Europeias, onde V. Exa por determinação incompreensível se viu envolvido no posto de maior destaque, não é a direita. É… por acaso, a esquerda, os partidos que apoiam o PS
Vejamos por partes: “Nós temos o legado de Mário Soares.” Podemos dizer que esta é a frase verdadeira, mas os legados, como as heranças e os casamentos, são para o bem e para o mal — e já lá iremos. Segue-se: “o outro lado, a direita.” Perdão, Dr. Pedro Marques, o outro lado, em matéria de Europeias, onde V. Exa por determinação incompreensível se viu envolvido no posto de maior destaque, não é a direita. É… por acaso, a esquerda, os partidos que apoiam o PS. Vejamos: o PS, o PSD e o CDS são integrantes dos grandes partidos que fizeram a Europa – PSE e PPE. O outro lado, é constituídos pelo PCP, que repudiou a entrada na CEE; pelos Verdes, PCP e Bloco, que foram contra quase todos, senão todos, os tratados europeus em que o PS votou a favor; que foram (ou são, vá-se lá saber) contra o Euro; que pretendem sair do mecanismo de estabilidade: ainda a semana passada, no Parlamento português, votaram isso mesmo, contra os votos do PS e do tal “outro lado” definido por Pedro Marques, ou seja o CDS e o PSD. O PCP e o Bloco não têm qualquer legado de Mário Soares. Será pena, para Pedro Marques, mas é verdade.
A terceira frase é também falsa quando afirma que o “outro lado, a direita, tem o legado dos cortes e da austeridade”. É possível que Pedro Marques, rapaz ainda novo, nascido já depois do 25 de Abril (e isso não é defeito, pelo contrário, tem uma vida pela frente para aprender), tenha esquecido que os cortes e a austeridade começaram ainda com Sócrates e que foi o Governo do PS, com mais vontade ou menos vontade, que chamou e assinou o acordo com a troika. Nestas coisas convém manter a seriedade, caso contrário cai-se no ‘nós ou eles’ do populismo. Acresce, para o caso de Pedro Marques não ter estudado, se ter esquecido ou não fazer ideia, que grandes cortes e austeridade fazem, igualmente, parte do legado de Mário Soares. Em 1983-1985 pessoas que se referiam à direita com o mesmo tom que Pedro Marques e tantos seus companheiros do PS, faziam marchas contra os salários em atraso; contra a fome na Península de Setúbal, contra os despedimentos. Era Soares primeiro-ministro, estava coligado com o PSD e tinha o independente e rigoroso Ernâni Lopes como ministro das Finanças.
Isto são factos. Com um candidato, propaganda fraquinha e que passa ao lado da realidade que todos conhecem, apenas referindo como factos positivos “as contas certas” em Portugal por parte de quem há alguns anos criticava a ideia de “contas certas”, é natural que o PS sinta algumas dificuldades. A minha questão é tentar perceber porquê. Por que motivo o PS entregou a sua lista a Pedro Marques, tendo na própria lista, outras pessoas (também Marques) que dariam muito melhor conta do recado?