ASTRONOMIA

Buraco negro. O primeiro retrato da varinha mágica que faz nascer estrelas e planetas

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Simulação animada da dinâmica de um buraco negro Fonte: D.R.

Tem uma massa 6500 milhões de vezes superior à do Sol e fica a 55 milhões de anos-luz da Terra, no centro da supergaláxia Messier 87, na constelação Virgem

Texto Virgílio Azevedo

A primeira foto da sombra de um buraco negro foi finamente revelada hoje em todo o Mundo e maravilhou tanto a comunidade científica como o público em geral. A Comissão Europeia fala mesmo numa “grande realização científica que marca uma mudança de paradigma na nossa compreensão dos buracos negros, confirma as previsões da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein e abre novas pistas de estudo do Universo”.

O misterioso objeto cósmico tem uma massa 6500 milhões de vezes superior à do Sol e fica a 55 milhões de anos-luz da Terra. O seu retrato vem reforçar a tese que os astrofísicos têm vindo a defender cada vez com mais consistência nos últimos anos. E que o físico Vítor Cardoso, o maior especialista português de buracos negros e ondas gravitacionais, sintetiza de maneira sugestiva para o Expresso: “o buraco negro não é um aspirador, é uma varinha mágica que em vez de causar a morte dá origem à vida”.

É verdade que os buracos negros são objetos cósmicos extremamente comprimidos, com uma grande massa num espaço muito reduzido. E que a sua presença afeta fortemente o espaço-tempo em redor, deformando-o e sobreaquecendo qualquer matéria que para ele seja atraída. E ainda que sua força gravitacional é tão grande que nada lhe escapa: matéria, energia e a própria luz (ver infografia em baixo).

Controlar as galáxias

Mas como argumenta o investigador do Centro de Astrofísica e Gravitação do Instituto Superior Técnico (IST), “nos últimos anos começámos a perceber que os buracos negros muito massivos costumam estar no centro das galáxias e controlam a sua dinâmica”. E que nessa região central “há muito mais estrelas”. Vítor Cardoso dá um exemplo: “percebemos que uma estrela morre, desce para o buraco negro que a desfaz em pó e reenvia para os confins da galáxia através de jactos de matéria, para formar novas estrelas e planetas”.

Portanto, não é um objeto exótico, ameaçador e altamente destrutivo como nos habituámos a ver nos filmes de ficção científica, mas uma peça fundamental para o desenvolvimento das galáxias e, em última análise, para a emergência de vida. Por isso mesmo, “a primeira foto agora divulgada vai-nos ensinar muito sobre a evolução da Via Láctea”.

A primeira foto de um buraco negro foi apresentada em conferências de imprensa em seis cidades espalhadas pelo Mundo <span class="creditofoto">Foto EHT-Event Horizon Telescope</span>

A primeira foto de um buraco negro foi apresentada em conferências de imprensa em seis cidades espalhadas pelo Mundo Foto EHT-Event Horizon Telescope

A divulgação da primeira foto de um buraco negro, ou melhor, da sua sombra, foi feita com grande aparato em quatro línguas – inglês, espanhol, mandarim e japonês – e em conferências de imprensa em seis cidades espalhadas pelo Mundo: Bruxelas, Santiago do Chile, Xangai, Tóquio, Taipé (capital de Taiwan) e Washington. O evento, largamente anunciado pela Comissão Europeia e aguardado com grande espectativa pela comunidade científica, teve como objetivo a apresentação dos primeiros resultados de um projeto europeu literalmente astronómico: o Telescópio do Horizonte de Eventos (EHT - Event Horizon Telescope).

Astronómico porque as observações não foram feitas por um mas por oito telescópios em todo o Mundo, que se juntaram em rede para formar um telescópio do tamanho da Terra. Esta tecnologia chama-se genericamente interferometria, mas neste projeto é designada por Interferometria de Linha de Base Muito Longa (VLBI na sigla inglesa). Foi usada para medir duas fontes de emissão de ondas de rádio de dois buracos negros supermassivos com os maiores horizontes de eventos conhecidos: o SgrA*, no centro geométrico da Via Láctea, e o M87, no centro da supergaláxia Messier 87, na constelação Virgem. O horizonte de eventos é o limite, o ponto de não retorno a partir do qual a matéria e a energia já não podem escapar da gravidade do buraco negro. Ou seja, é a parte “negra” do buraco negro.

Imagem artística de um buraco negro supermassivo <span class="creditofoto">Fonte: M. Kommesser/N. Bartmann/ESO/ESA/Hubble</span>

Imagem artística de um buraco negro supermassivo Fonte: M. Kommesser/N. Bartmann/ESO/ESA/Hubble

“Nunca vamos conseguir provar a existência de um buraco negro”, constata Vítor Cardoso. O investigador acrescenta que “a única coisa que conseguimos é reunir evidências para confirmarmos a hipótese da sua existência”, porque captura tudo o que cai nele, incluindo a luz. Vítor Cardoso considera que a obtenção da primeira foto “é um feito importante para a ciência, porque confirma a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, mas não é um resultado espetacular, porque já tivémos a confirmação desta teoria através das observações feitas pelo LIGO”. O LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) é um observatório terrestre norte-americano que detetou pela primeira vez em 2016 as ondas gravitacionais, juntamente com o observatório europeu Virgo, em Itália.

Iniciativa europeia de €44,3 milhões

A divulgação da primeira foto da sombra de um buraco negro é também uma vitória para a ciência europeia. Carlos Moedas, comissário europeu da Investigação, Ciência e Inovação, abriu a conferência de imprensa realizada em Bruxelas e disse, visivelmente entusiasmado, que “a ficção inspira muitas vezes a ciência e há muito que os buracos negros alimentam os nossos sonhos e a nossa curiosidade”. E hoje, “graças ao contributo de cientistas europeus, a existência de buracos negros deixou de ser apenas um conceito teórico”. O comissário português sublinhou também que “esta descoberta extraordinária é mais uma vez reveladora de que a colaboração com parceiros dos quatro cantos do Mundo pode permitir-nos atingir o inalcançávele expandir os horizontes do conhecimento”.

A iniciativa EHT contou com um financiamento de 44,3 milhões de euros da Comissão Europeia através do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla inglesa), que apoiou três dos seus principais cientistas e o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos oito telescópios envolvidos nas observações. Os apoios foram feitos através dos projetos BlackHoleCam (14 milhões de euros) e RadioNet (30,3 milhões de euros).

O primeiro, com a duração de seis anos, apoiou três cientistas e as suas equipas e teve como objetivos captar imagens de buracos negros, investigar estes objetos cósmicos e fazer medições. O segundo envolveu um consórcio de 27 instituições científicas da Europa, Coreia do Sul e África do Sul, e visou a integração de infraestruturas de nível mundial como telescópios, arquivos de dados e a rede europeia de interferometria.