Um partido não é uma fábrica
Instalou-se uma polémica absurda em torno de um despedimento no PCP. É claro que está toda a gente mais interessada em saber se apanha uma contradição entre o discurso laboral dos comunistas e o seu comportamento como patrão do que em discutir a evidente especificidade de um funcionário partidário.
Perante a dissidência o comportamento dos comunistas não costuma ser exemplar. Mas não faz sentido olhar para o despedimento de um funcionário como se estivéssemos a falar de um despedimento numa fábrica. Não é sério
Podemos discutir se Miguel Casanova – filho do falecido dirigente José Casanova, que isto das famílias está muitíssimo longe de ser assunto de um só partido – está a ser perseguido no partido por uma divergência legítima que não põe em causa a sua lealdade com os princípios do partido. Criticar a “geringonça” é criticar uma escolha tática ou estratégica, não é romper com os princípios fundamentais do partido. Podemos discutir a relação do PCP com a crítica pública de militantes e o chamado “centralismo democrático”. Podemos até analisar se o PCP está a usar, como alguns patrões, subterfúgios jurídicos (como o abandono do local de trabalho) para um despedimento que tem razões políticas. O que não podemos é fingir que um partido político é uma entidade patronal comum.
Um funcionário de um partido junta os deveres de um trabalhador com os deveres de um militante. A confiança política é, por isso, um elemento central numa relação que não é exclusivamente laboral. Um partido político não é uma empresa, um departamento do Estado ou sequer uma simples associação. Se não reconhecermos isto teremos de aceitar coisas tão absurdas como o direito de um funcionário se desfiliar ou militar e ser eleito por outro partido mantendo-se trabalhador do seu concorrente.
É provável que o PCP esteja a lidar com as críticas públicas deste funcionário como lidou no passado com todas as que foram feitas em público por dirigentes e militantes. O PCP da “geringonça” não é mais tolerante do que o PCP menos “unitário”. É provável que tenha feito a vida negra a Miguel Casanova. Perante a dissidência o comportamento dos comunistas não costuma ser exemplar. Nada disso é surpresa para ninguém. Mas não faz sentido olhar para isto como se estivéssemos a falar de um despedimento numa fábrica. Não é sério.