A tempo e a desmodo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Não endeusem Ronaldo

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O endeusamento de Cristiano Ronaldo é um fenómeno que me causa espécie. Sempre que ele tem uma noite de glória de Champions, o país acorda banhado na ideia de que está ali um exemplo moral para a pátria, para os jovens. Mas porquê? Não vou ao ponto de considerá-lo um “estupor moral”, como fez Gentil Martins, mas há que dizer com clareza que Ronaldo é só um jogador de futebol, não é um exemplo moral para ninguém. Aliás, Ronaldo é bastante questionável enquanto figura pública, enquanto “modelo” de comportamentos fora do campo.

Eu não sei se Kathryn Mayorga tem ou não razão, mas sei que tem um caso forte contra Ronaldo e esse caso é mais importante do que qualquer golo

Para começar, a maneira como sacraliza o dinheiro e o luxo é tudo menos louvável. Aquele arrivismo é questionável e não, não é inevitável. Ainda há dias, Vítor Pereira, treinador, deu uma entrevista notável ao “JN” em que diz que não permite que o dinheiro tome conta dele. Pereira diz que tem dinheiro para comprar um carro milionário, mas não o faz por sentir que isso é imoral. Tal como Ronaldo, Vítor Pereira nasceu pobre. Quem é o exemplo moral que devemos endeusar? A sacralização do dinheiro leva inclusive Ronaldo a comprar seres humanos através de barrigas de aluguer. Lamento, mas isto não é aceitável sob qualquer ponto de vista.

Ademais, vivemos num ambiente de denúncia de abusos no contexto do MeToo e até da pedofilia (Michael Jackson, Igreja). Neste contexto, é estranhíssimo o silêncio português em relação à acusação de violação sexual que corre na justiça americana contra Ronaldo. Onde estão as feministas portuguesas? Vão desacreditar Kathryn Mayorga como as feministas americanas desacreditaram as mulheres que acusaram Bill Clinton? Eu não sei se Kathryn Mayorga tem ou não razão, mas sei que tem um caso forte contra Ronaldo e esse caso é mais importante do que qualquer golo.