Polémica

Autarcas acusam Governo de ter feito via Google plano que prevê demolição de casas

<span class="creditofoto">Foto Rui Duarte Silva</span>

Foto Rui Duarte Silva

Após mais de uma semana de silêncio, o ministro do Ambiente vai receber os sete autarcas do norte críticos do novo plano da orla costeira, que prevê o abandono de centenas de imóveis e a demolição de dezenas de outros. O Edifício Transparente, que custou €7,5 milhões ao erário público, é um dos designados para abate

Texto Isabel Paulo

Após três semanas de silêncio, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, decidiu, esta quarta-feira, responder aos sete presidentes de Câmara que, no passado dia 10 de outubro, lhe pediram, por escrito, uma audiência para manifestar a sua discordância em relação ao novo Plano da Orla Costeira entre Caminha e Espinho (POC-CE) e que estará em discussão pública a partir de segunda-feira, durante 60 dias.

A receção dos autarcas está marcada para dia 7 de novembro, no Ministério do Ambiente, em Lisboa, referindo fonte do gabinete de Matos Fernandes que o pedido de audiência só chegou há uma semana, sem confirmar a data da mesma ou adiantar quem irá pagar as indemnizações decorrentes do plano que prevê que sejam demolidos 34 imóveis frente ao mar, a maioria do sector da restauração, e centenas de habitações, devidamente licenciadas pelos seus proprietários.

Dos nove municípios visados, sete - Espinho, Porto, Esposende, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Viana do Castelo e Caminha - assinaram a missiva endereçada ao ministro do Ambiente, indignados com o plano, que terá uma área de intervenção de 122 quilómetros de linha da costa e prevê o abandono, demolição ou proibição de reabilitação/consolidação de património junto às marginais, medidas que não pouparão edificado estatal, municipal e privado, mesmo em situação de construção legal.

Pinto Moreira, presidente do município de Espinho, lamenta que Matos Fernandes só tenha quebrado o silêncio esta quarta-feira, por “força da pressão mediática”, uma atitude que afirma ser um desrespeito pelos autarcas, que desde o início do processo de revisão do POC, em abril, até ao voto contra na Comissão Nacional do território, em setembro, “sempre se opuseram a um plano que faz tábua rasa dos direitos dos munícipes, contraria PDM e políticas do próprio Governo”.

Para o autarca laranja, não faz qualquer sentido que a APA, em vez de se preocupar com “a defesa costeira”, prefira arrasar as frentes marítimas das cidades, prevendo demolições de estruturas consolidadas “e que não sofrem a invasão do mar desde o século XIX ou início do século XX”.

Segundo Pinto Moreira, com exceção da Praia de Paramos, onde já estava prevista a deslocalização das estruturas aí existentes, a frente urbana de Espinho está consolidada há décadas e será a partir do novo PEC-CE que passará a ficar vulnerável: “ Ao arrepio dos incentivos e estímulos do Governo à requalificação do edificado, a municípios e privados, a Agência Portuguesa do Ambiente preconiza a proibição de consolidação e reabilitação de edifícios e infraestrutura na orla costeira”, diz o autarca, concluindo que o que o PEC faz é um apelo à ruína e à vulnerabilidade de quem habita junta à linha do mar.

“Não vi ninguém dizer que Veneza é para demolir, depois das inundações de há dois dias. Há estudos que defendem que quanto mais se recuar a urbanização da costa, mais o mar avançará, razão pela qual o Governo deveria era estar preocupado em proteger, em vez de abandonar, a linha costeira”, conclui Pinto Moreira, que questiona a APA sobre onde estão “os cálculos das indemnizações a pagar a quem tiver de abandonar as suas casas, legitimamente construídas, ou quem irá ressarcir quem tem terrenos e licenças para edificar”.

Um plano gizado para o Sara

O presidente da Câmara da Póvoa do Varzim, Aires Pereira, coloca as mesmas questões ao Governo, lamentando que a APA tenha gizado um plano de revisão costeira “via google” e sem cuidar de ir ao terreno ver o histórico da cidade, se os edifícios estão consolidados ou não, quantos são os residentes em casas que mais cedo ou mais tarde terão de ser abandonadas por falta de reabilitação.

“Parece-me que os técnicos da APA pegaram numa régua e esquadro e riscaram um exercício teórico para o deserto do Sara”, diz. Aires Pereira avança que no perímetro de risco de demolição estão as piscinas municipais, uma das quais a única piscina olímpica da região norte estatal e geridas pela autarquia, bares, estruturas de restauração e um aglomerado residencial onde vive um milhar de pessoas.

“Se não fosse trágico, a piada disso é que no introito do documento conste que as contas serão feitas depois, sem ninguém ter revelado até agora quem paga”, refere o autarca social-democrata, lembrando que o país anda há espera há 10 anos para demolir o prédio Coutinho, em Viana do castelo, e “agora quer arranjar uma carrapata de centenas de coutinhos”.

Elisa Ferraz, autarca independente de Vila do Conde, é menos ácida nas críticas, mas deixa as mesmas questões: “Quem tem a responsabilidade de demolir? Quem se responsabiliza pelas deslocalizações das pessoas? E, no final, quem paga os direitos adquiridos dos munícipes?”.

No Porto, o maior problema que Rui Moreira tem para resolver é o do Edifício Transparente, que remata o Parque da Cidade, junto à praia. Projetado por Solà -Morales, projetado para a Porto Capital Europeia da Cultura em 2001, custou ao erário público € 7,5 milhões, imóvel que rui Rio considerou um elefante branco e nos últimos anos foi concessionado para restauração e comércio.

Às críticas, a APA responde que “está no terreno”, referindo a comunicação da agência que questões específicas “farão sentido face ao plano a disponibilizar dia 5 para consulta pública”. A APA frisa que não é ainda um documento fechado e que poderá ser melhorada após os contributos da consulta pública durante 30 dias.

O Ministério do Ambiente refere que quanto à previsão de custos, à programação temporal, as entidades envolvidas e possíveis fontes de financiamento das ações identificadas no PEC-CE constam do documento programa de Execução e Plano de Financiamento, que estará disponível para consulta a partir da próxima segunda-feira.

Autarca de Gaia contra alarmismo <span class="creditofoto">FOTO José Caria</span>

Autarca de Gaia contra alarmismo FOTO José Caria

De fora da vaga de fúria que varre os municípios entre Caminha e Espinho estão os autarcas de Matosinhos e Vila Nova de Gaia. No caso da câmara liderada por Luísa Salgueiro, a justificação dos autarcas vizinhos é o facto de a fatia de leão da costa ser território tutelado pela APDL - Administração dos Portos do Douro, Leixões -, e como tal não sujeito ao POC-CE. “O que é outro absurdo deste plano, que o mar quando se revolta não pede licença para ver a quem esta ou aquela parcela de marginal”, diz Aires Pereira.

Já Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara da margem sul do Douro e líder da Área Metropolitana do Porto, justifica não cavalgar a onda do contra por, neste momento, não haver perspetiva imediata de demolições: “Não há razões para alarme, estamos a falar de um plano, que entra agora em discussão pública e que irá ser sujeito ao que for necessário fazer”, refere o autarca socialista, defendendo que o Plano de Ordenamento da Orla Costeira é uma questão de prevenção que visa salvaguardar novas construções ilegais e “impedir atrocidades como as que foram efetuadas durante décadas”.

Embora confirme que alguns imóveis, como é o caso do Edifício Transparente, ficarão “em situação vulnerável”, bem como habitações construídas em zonas de proximidade da praia, por se encontrarem em “perigo”, Vítor Rodrigues adverte que o plano em curso “não prevê demolição automática do que quer que seja”.

No caso de Gaia, adianta o autarca, muitas das medidas do POC já estão previstas no âmbito do PDM. Em relação às habitações no município em zonas de risco, diz que há que dividi-las entre as legalizadas e as clandestinas. “As primeiras serão um problema de risco que será gerido com tranquilidade; as clandestinas têm de ser demolidas”, salienta Eduardo Vítor Rodrigues, apesar de adiantar que no município não há qualquer demolição prevista, salvo ajustes de localização de alguns bares de praia nas zonas mais afetadas pela força do mar nos últimos invernos.