Chamem-me o que quiserem

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

Três causas da esquerda e uma da saúde

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Uma das mais comuns características da nossa sociedade é a recusa em dar razão a quem está num espectro político diferente. É curioso ver como António Costa e o PS se referiam aos enfermeiros e professores quando estavam na Oposição e cotejar com o que agora fazem e dizem; o mesmo, mais ou menos, se passa com PSD e CDS; o Bloco e o PCP, fingindo ambos estarem sempre do mesmo lado, também mudam substancialmente. Se analisarmos as coisas com frieza veremos que, talvez a única pessoa a nunca ter mudado no meio de tudo isto, foi… Mário Nogueira, o líder da Fenprof.

A questão dos professores é problemática. Foram pioneiros nas greves cirúrgicas, que no caso dos enfermeiros, e por fugir ao controlo das centrais sindicais, foram fonte de polémica. Os professores faziam pré-avisos de greve para depois um único grevista inviabilizar a avaliação dos alunos. Mais cirúrgico, seria impossível. E Nogueira persiste e persiste. Para ele, o problema é semelhante ao que já era: não querem pagar os nove anos quatro meses e dois dias. Se mais nada o país lhe devesse, o facto de ter obrigado o ministro das Finanças e o primeiro-ministro a dizer a verdade – que não há dinheiro – já era um feito bastante.

Vamos ao primeiro caso, os professores. Não querem saber agora, como não queriam saber no tempo da troika e do governo PSD/CDS, se há ou não há dinheiro suficiente, porque é fácil descobrir locais, organizações, empresas, manigâncias onde esse dinheiro é muito mal gasto. Porém, agora, tinham um Governo apoiado no Parlamento pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda que jurava ter mudado a página da austeridade. A Fenprof diz que não deu por nada, ou quase (tenho de concordar com eles, não na reivindicação, mas na constatação). Na verdade, de que serve aos professores um Governo ternurento em todas as pedagogices que defendem, se no essencial da coisa – o salário – não lhes devolve nada? Mais vale começar por dizer, como se fazia no tempo de Passos, que não há mesmo dinheiro, que isto está difícil. Ouve-se, é claro, que para o BES e o Banif e mais não sei quantos bancos ele não faltou. O problema é que o salário dos professores fica para sempre e, caso o Governo ceda agora, vai ter, depois, de ceder mais. Centeno e Costa sabem isto muito bem, por isso o Governo recebeu, de novo, os professores, com a proposta velha. Aqui entre nós é gozar com eles!

Receber os professores com uma proposta inalterada, é gozar com eles; o racismo contra os ciganos é, de facto, um problema, e a Universidade de Coimbra convoca uma missa – as três causas de esquerda. A da saúde tem a ver com a dieta

Segunda causa de esquerda – que eu hoje acordei para este lado. Li no ‘Público’ de terça-feira um artigo de um dirigente do SOS Racismo chamado Piménio Ferreira sobre o ‘anticiganismo’. Devo dizer que, que do mesmo modo que discordei das posições extremas (e que me pareceram elas próprias racistas) de Mamadou Ba (da mesma organização) sobre as comunidades negras, concordo, no essencial, com o que Piménio diz das comunidades ciganas. Não só da resenha histórica que faz (muito resumida, como teria de ser), como dos problemas atuais que levanta. Eu estou convicto que em Portugal o racismo se dirige muito mais contra ciganos do que contra negros. Claro que é possível dizer que eles não se integram – o que também não é verdade em absoluto, ou não teríamos políticos, polícias, académicos e profissionais de inúmeras áreas que são de etnia cigana. Mas a sua não integração deve-se, pelo menos em boa parte, ao modo como são tratados, olhados e falados. Fui algum tempo vizinho de um acampamento cigano e penso que nunca vivi tão seguro (o chefe ou mais velho disse-me para não ter problemas de segurança que eles tratariam do assunto); gostava de ouvi-los cantar e de os ver dançar. Penso que a tolerância não se mistura com a aceitação de práticas que a nossa lei não tolera (casamentos combinados, retirada das filhas da escola a partir da puberdade, etc.). Mas, se tais práticas devem ser reprimidas, não menos terão de ser aquelas que vindo de câmaras e de outras autoridades, pura e simplesmente os escorraçam de terra em terra, como há século se faz, sem que tenham o direito a serem considerados portugueses, ‘dos nossos’.

Terceira causa, a laica. Fui avisado que a investidura do novo Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, na próxima sexta, é antecedida de uma missa solene. Ora, bem, se o reitor quer uma missa que a mande celebrar, é livre. Mas concordo com os que dizem que a Universidade, quando convida, não tem de pôr no programa essa missa. E o mais curioso (li no blogue ‘Causa Nossa’ de Vital Moreira) é que o professor decano da Universidade, Prof. Dr. Aníbal Traça de Carvalho Almeida, que tem por dever fazer o convite, que aliás começa com o nome dele, recusa qualquer responsabilidade nessa iniciativa e acrescenta: “Nem sequer tenciono ir à missa”. E assim fica um mistério: se o autor do convite para a investidura e missa nada tem a ver com a missa, quem terá? A Universidade, sendo laica, não deve impedir que alguém, nomeadamente o reitor, organize cerimónias religiosas, seja de que religião for (é isso a laicidade). Mas também não deve envolver-se na organização daquelas cerimónias, salvo, talvez, numa ou outra questão logística. Não foi o caso. Aqui, a Universidade convida (em nome do professor decano, que diz nada ter a ver com isso) para uma missa solene…

Breve questão de Saúde: a Espanha é o país mais saudável do mundo, diz um estudo da Bloomberg, que tal se deve à dieta mediterrânica. A Itália está em segundo… e Portugal em 22.º lugar, atrás de Chipre, do Reino Unido, da França, do Luxemburgo, dos nórdicos, etc. Que se passa? Os espanhóis passam a vida a comer fritos e ovos e os italianos massas e chouriços… e nós, com tanto peixinho, e azeite mediterrânico andamos lá mais para o fundo da tabela. É preciso estudar isto.