Espanha

Julen e a incerteza de “um pequeno milagre”

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Foto epa

Espanha está em suspenso à espera de notícias sobre Julen, o menino de dois anos que no domingo caiu num poço. Até ao momento, apenas dois indícios: um saco de guloseimas e “vestígios biológicos” do que se pensa ser cabelo da criança. Os pais, que há menos de dois anos já tiveram de lidar com a tragédia da perda de um filho menor, ainda alimentam a esperança. “Oxalá fosse eu enterrado ali em baixo”, desabafa o pai

Texto Hélder Gomes

“Ainda tenho esperança de que o meu filho esteja vivo”, diz José Roselló, o pai de Julen, a criança de dois anos que no domingo caiu num poço em Totálan, na província espanhola de Málaga. “Temos um anjo que vai ajudar o meu filho a sair de lá vivo o mais rapidamente possível”, acrescentou. O “anjo” é o filho mais velho do casal, que morreu aos três anos, em abril de 2017, vítima de um ataque cardíaco. À medida que as horas passam, as operações de resgate tardam em dar alento à esperança e a tragédia volta a ensombrar a família de Roselló e Victoria García. Mas o pai insiste no pedido: “não parem até tirarem o menino daí”.

Às duas da tarde desta quarta-feira (13h em Lisboa), completaram-se três dias completos desde o desaparecimento de Julen. E, ao terceiro dia, uma nova pista: a subdelegada do Governo em Málaga, María Gámez, confirmou que os “vestígios biológicos” encontrados na noite de domingo “correspondem a Julen”, podendo ser cabelo. “Os vestígios foram analisados e comparados com o ADN dos pais e [o ADN] do menor extraído do seu biberão”, disse.

UM RESGATE “ÚNICO NO MUNDO”

A família do menor dirigia-se à propriedade de um familiar quando a criança correu para o poço, que tem mais de 100 metros de profundidade. Os familiares ainda terão ouvido o choro da criança após a queda mas deixaram de o ouvir pouco depois. O poço tem pouco mais de 25 centímetros de diâmetro. “Afastei as pedras como pude e ouvi o meu filho chorar. O meu filho está aqui, que ninguém ponha isso em dúvida. Oxalá fosse impossível ele estar no poço, como já ouvi. Oxalá fosse eu enterrado ali em baixo e ele estivesse aqui em cima, com a mãe”, disse Roselló.

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Na segunda-feira, os bombeiros localizaram o saco de guloseimas que a criança trazia consigo quando caiu. A 78 metros de profundidade, a câmara do robô usado nas buscas embateu contra um obstáculo de terra, possivelmente resultado de um deslizamento, sob o qual as equipas de resgate pensam que a criança possa vir a ser encontrada. A superfície de terra molhada, que forma uma espécie de tampão, revelou-se impossível de atravessar após várias tentativas.

O facto de o poço ser muito estreito impede as equipas de resgate de o atravessarem. Além disso, as paredes não estão cobertas, pelo que podem ocorrer deslizamentos de terra. Nas últimas horas, os operacionais focaram-se em dois objetivos: a sucção do tampão de terra molhada e a abertura de dois túneis, um deles paralelo ao local onde se julga estar Julen e o outro na diagonal, com uma inclinação de cerca de 15 graus. O procedimento, que tem de combater o relevo acidentado do local, é delicado e está a ser feito em contrarrelógio.

Em declarações à rádio Cadena SER, o delegado do Governo na Andaluzia, Alfonso de Celis, destacou o caráter inédito dos trabalhos. “Estamos perante um resgate único no mundo. Um poço de 100 metros de altura e cerca de 25 a 30 centímetros de largura, que é praticamente inacessível”, referiu. Quanto às críticas da família relativamente aos meios envolvidos na operação, o responsável diz: “É normal. É uma situação infeliz e há que entender a família.”

“ACREDITO NUM PEQUENO MILAGRE”

O porta-voz da Guardia Civil, Bernardo Moltó, informou entretanto que os trabalhos prosseguem “intensamente”, não sendo possível precisar quanto tempo falta para ligar os túneis ao local onde estará a criança. “O tempo será o estritamente necessário para garantir a segurança da equipa que está a trabalhar e, claro, de Julen”, disse, citado pelo jornal “El País”. Nas operações está envolvida mais de uma centena de pessoas, entre bombeiros, mergulhadores e elementos da Proteção Civil. Entre eles está também a Stockholm Precision Tools, a empresa sueca que, em 2010, participou no resgate bem-sucedido de 33 mineiros chilenos.

O presidente da Federação Andaluza de Espeleologia (estudo de cavernas e grutas), José Antonio Berrocal, ainda alimenta a esperança: “acredito num pequeno milagre, porque noutras situações, depois de horas e dias, foi possível resgatar a pessoa com vida.” A 80 metros, a profundidade a que se encontrará Julen, “há o mesmo oxigénio que existe à superfície – tudo depende se o espaço está ou não ventilado”. O problema pode mesmo ser o tampão: “se for de lama e água, será hermético. Mas se for formado por pedras com ângulos e furos, haverá espaço para o ar circular, o que seria muito positivo”, explica.

OBRA PODE NÃO TER SIDO AUTORIZADA

O poço foi aberto para prospeção de águas pelo empresário Antonio Sánchez, que na terça-feira foi chamado ao local. Em declarações à agência de notícias Efe, Sánchez garantiu que tapou a boca do poço mas que alguém a terá aberto. Segundo vários meios de comunicação social, a obra não terá sido autorizada.

A imprensa espanhola tem recordado dois casos semelhantes ao de Julen, ambos ocorridos nos anos 1980 mas com sortes diferentes. Em 1981, na aldeia italiana de Vermicino, Alfredo Rampi, com seis anos, caiu num poço estreito e profundo. Estima-se que o menino tenha morrido no terceiro dia de buscas, só tendo sido possível recuperar o corpo um mês após a queda. Seis anos mais tarde, nos EUA, Jessica McClure, então com 18 meses, foi resgatada com vida depois de passar 56 horas dentro de um poço em Midland, no Texas.