A creche (não a faculdade) devia ser gratuita
A curto-prazo, defender a gratuitidade das propinas é mais uma cavaca populista atirada para o lume do pensamento mágico que promete tudo e o seu contrário. Numa altura em que os diretores clínicos dizem que os hospitais portugueses podem descer abaixo do nível aceitável no primeiro mundo, prometer propinas grátis não é só imbecil, é imoral. A longo-prazo, defender o lero-lero juvenil do “não pagamos” é paradoxalmente uma recusa de pensar o futuro e a ideia de um Portugal jovem.
Se vamos falar em gratuidade, então faz mais sentido falar em creches e não em faculdades. Em Portugal vivemos no meio de um absurdo moral e político: é mais caro ter um filho na creche do que ter um filho numa universidade pública. Há algo radicalmente errado nesta inversão de prioridades, é como começar a casa pelo telhado. Um país com futuro precisa de vitalidade demográfica. Sem bebés agora não há alunos no futuro. Sem bebés agora não há trabalhadores, licenciados ou não, no futuro. Os limitados recursos do Estado deviam estar centrados na sua base, nos seus pilares: a criação de futuro, de famílias e jovens que garantam o futuro. Dar prioridade ao cheque-creche e não ao cheque-faculdade faz ainda mais sentido quando olhamos para outros pontos óbvios. Quem vai para a faculdade já é um jovem adulto, já pode trabalhar em part-time para ajudar a pagar as despesas. Um bebé não pode ir trabalhar para ajudar a pagar a creche. Depois é evidente que um casal aos 40 e 50 anos tem – em média – uma estabilidade financeira que não tem aos 20 e 30. Um casal – em princípio – precisa de mais ajuda com o bebé aos 20 e 30, e não com o jovem adulto aos 40 e 50. Para terminar, claro, há a ação social para quem realmente precisa. A tal gratuitidade deve ser apenas para as pessoas realmente pobres, não para todos.
Como portugueses, como pais e avós, queremos viver num país onde é mais caro ter um bebé na creche do que ter um jovem adulto na faculdade? Só olhamos para aqui e agora? E o 2035, que é já amanhã?
O que não se fala é quase sempre mais importante do que aquilo que é falado. Em Portugal parece-me surreal a forma como se aceitam diversos pontos sem debate, sem polémica, sem indignação. Como portugueses, como pais e avós, queremos viver num país onde é mais caro ter um bebé na creche do que ter um jovem adulto na faculdade? Só olhamos para aqui e agora? E o 2035, que é já amanhã?