
RICARDO COSTA
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RICARDO COSTA
Armando Vara tem razões para se queixar?
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Armando Vara foi sistemático nas críticas que fez às sucessivas condenações que teve no processo Face Oculta. Desde a primeira instância até à entrada na prisão de Évora, sempre defendeu a sua inocência e apontou a absoluta falta de provas. As suas queixas assentam sempre nesse eixo de raciocínio, mas Vara não tem razão. O tribunal de Aveiro e os sucessivos juízes que abordaram o processo consideraram a prova inequívoca e suficiente para justificar penas de prisão efetiva para o ex-ministro e vários outros arguidos de um caso que teve o sucateiro Manuel Godinho como principal arguido.
Num caso deste tipo, e no caso particular de Vara – em que o crime em causa é do tráfico de influências –, tanto a natureza da prova como a sua produção são substancialmente diferentes da esmagadora maioria dos crimes. Essa “evolução” no Direito foi um dos pontos mais discutidos e discutíveis, mas também mais relevantes, do processo Face Oculta. Há dez anos, o número de condenados num caso destes teria sido bem menor e, provavelmente, com molduras penais mais ligeiras. Seria até provável que arguidos como Vara ou José Penedos, ex-presidente da REN, não tivessem tido penas tão extremadas. Mas essa evolução jurídica anda a par de uma evolução da sociedade, num processo muito difuso, que por vezes é perigoso mas genericamente melhora a Justiça e o país.
É apenas disto que Armando Vara se pode queixar. De ter sido condenado por uma prática que durante anos e anos (ou séculos) não era criminalizada e que deixava um rasto de onde não era possível extrair qualquer prova. Pedir descaradamente para afastar o presidente de uma empresa pública ou para afastar uma secretária de Estado são coisas suficientes para prefigurar tráfico de influências, desde que isso seja feito com o objetivo de beneficiar alguém. Isso já é crime há vinte anos, mas não será por acaso que Armando Vara é o primeiro a ser condenado a prisão efetiva por tráfico de influências.
Vara pode queixar-se, mas é sobretudo disto. De ter estado no centro de muita atividade judicial, com as piores companhias, péssimas intenções e uma ideia de que tudo se pode fazer
Vara pode ainda queixar-se de outra coisa, a dureza das penas. Foi-lhe aplicada a pena máxima para o crime em causa, o que parece excessivo dada a natureza do processo, dos objetivos pretendidos e alegadas contrapartidas. Mas houve claramente, por parte dos juízes, uma vontade de tornar este caso exemplar. De mostrar que o Face Oculta não é uma exceção, mas um virar de página.
Não nos podemos esquecer do que foi o Face Oculta numa primeira fase, com as escutas entre Armando Vara e José Sócrates. O caso abalou fortemente o sistema judicial, com Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento a decidirem destruir essas escutas e, assim, acabarem um inédito caso em que um primeiro-ministro em funções podia ser investigado por um atentado contra o Estado de direito, por conspirar para a compra da TVI.
O caso começou assim e acabou por ser outra coisa. Mas a Operação Marquês surgiu poucos anos depois para fechar o ciclo. Vara pode queixar-se, mas é sobretudo disto. De ter estado no centro de muita atividade judicial, com as piores companhias, péssimas intenções e uma ideia de que tudo se pode fazer.