PRESIDÊNCIA

Os 10 recados de Marcelo (nas entrelinhas)

Marcelo em longa entrevista ao DN/TSF, este domingo: “Fui até ao limite [dos meus poderes presidenciais] no caso de Tancos” Foto José Carlos Carvalho

Marcelo em longa entrevista ao DN/TSF, este domingo: “Fui até ao limite [dos meus poderes presidenciais] no caso de Tancos” Foto José Carlos Carvalho

Presidente da República deu domingo uma extensa entrevista ao DN e à TSF em que passa, com a discrição que se espera do mais alto magistrado da nação, várias mensagens importantes. O Expresso resume-lhe as mais significativas

Texto Cristina Figueiredo

A entrevista ao Diário de Notícias e à TSF foi longa e não deixou praticamente nada por abordar. O Presidente da República refugiou-se na formalidade do cargo para evitar tomar partido nalgumas matérias, sobretudo as internacionais (como a administração Trump, as eleições em Angola ou a situação na Venezuela, para citar dois exemplos que mexem com relações diplomáticas), mas no que respeita à política nacional foram vários os recados deixados, ainda que nas entrelinhas. Eis os mais importantes, descodificados:

1. Apoio António Costa, porque esse é o meu papel. Não tenho de gostar dele

Foto Marcos Borga

Foto Marcos Borga

A frase original é esta: “O Presidente não tem de ter confiança política pessoal no primeiro-ministro ou nos membros do Governo, tem de ter uma confiança institucional”. Foi a forma encontrada por Marcelo para assegurar o eleitorado de centro-direita (o seu) que não se deixou cativar pela ‘geringonça’, muito menos pelo seu líder otimista. Terá sido nesta resposta que Marques Mendes começou a ver um dos “sinais subtis de distanciamento” do Presidente em relação ao primeiro-ministro?

2. Vou continuar a estar muito “em cima” da situação da Banca

Foto José Carlos Carvalho

Foto José Carlos Carvalho

Foi matéria que preocupou (e muito) Marcelo desde o início do seu mandato, que confessa na entrevista ter encontrado “uma situação mais complexa” do que tinha imaginado. E, embora reconheça uma evolução positiva neste ano e meio, avisa que ainda não é tempo de baixar as armas. Diz o PR: “Temos de resolver o que falta resolver dos chamados NPL, isto é, dos ativos problemáticos do sistema bancário”. O recurso ao nós majestático é todo ele um enunciado. Mais à frente na entrevista volta ao tema para sublinhar: “É uma questão que ainda está como uma das prioridades ou das atenções prioritárias nos próximos tempos”.

3. Nem que a vaca tussa dissolverei o Parlamento

Foto Marcos Borga

Foto Marcos Borga

É claro que nunca o diria desta forma, porque há sempre imponderáveis que o poderiam levar a ter de “engolir” uma frase tão taxativa. Mas há pelo menos dois momentos na entrevista em que percebemos que o PR tudo fará para evitar que a legislatura não chegue ao seu termo ordinário. O primeiro é quando afirma (na sequência da constatação dos problemas da Banca que ainda falta resolver) que “há realmente prioridades nacionais e que uma prioridade nacional é esta, nossa, concreta, de natureza económica e financeira, e essa exige estabilidade política que deve apontar para o cumprimento de legislaturas”. O outro é quando recorda as rígidas condições em que, durante a campanha presidencial, admitiu utilizar o poder de dissolução: “Que haja uma crise institucional particularmente grave; que não seja possível encontrar um Governo no quadro da mesma composição parlamentar; que seja plausível que o resultado da eleição conduza ao desbloqueamento da situação que gerou a dissolução”.

4. Passos Coelho tem os dias contados. Mas eu jamais o direi

Foto Ana Baião

Foto Ana Baião

Começa por reconhecer que a situação do líder do PSD (que passou à oposição depois de ter vencido as eleições) “é muito difícil, muito complexa”. E garante que jamais se intrometerá na vida interna de um partido. Mas vai dizendo, para bom entendedor: “Enquanto o líder for líder é fundamental que seja forte e estável. Se os militantes querem escolher outras lideranças, são livres de o fazer”. O problema, explica como quem faz um desenho, é que “para ter a garantia de que vem a ser Governo, o centro-direita deve apontar para a maioria absoluta, porque se ficar na maioria relativa corre o risco de haver uma solução governativa similar a esta”. Capisce?

5. Bloco Central? Só em caso de SOS

Talvez com a preocupação de pôr cobro aos que imaginam (e não é de agora) que Marcelo patrocinaria de bom grado a reedição de um Governo PS/PSD, com António Costa e Rui Rio por rostos, o Presidente faz questão de assegurar que não defende o Bloco Central, que considera para “uma situação de emergência”. O que não é incoerente, sustenta, com o facto de defender consensos nacionais “em certos domínios”. “Agora fora desses domínios é bom que haja não apenas uma oposição vigorosa, como também dois termos de alternativa bem claros para o futuro do país”.

6. Achei de cabo de esquadra a ideia de se formar uma comissão técnica independente para apurar os acontecimentos de Pedrógão

Foto Rui Duarte Silva

Foto Rui Duarte Silva

Fazendo questão de sublinhar que nunca desdramatizou o que se passou naquele fatídico 17 de junho (explica a frase que proferiu num primeiro momento - “o que se fez foi o máximo que se podia fazer” - com os relatos que lhe tinham sido feitos até aí), lembra que exigiu desde logo o apuramento de factos e responsabilidades. E que o PSD avançou com a proposta de uma comissão técnica independente. A ideia, percebe-se bem, não lhe inspira confiança: “Era uma solução inédita, nunca experimentada” e, para mais, com “um prazo longo”; “mas não podia deixar de promulgar porque era a via que estava ali escolhida pelo Parlamento”. Nas suas reservas à eficácia da comissão já vai fazendo contas: “As pessoas não notam porque o tempo corre, mas já passaram vinte e tal dias desde que iniciou funções”.

7. O nosso modelo de combate aos fogos está longe de ser o ideal. Mas esta é uma conclusão que nunca me ouvirão extrair

Foto José Carlos Carvalho

Foto José Carlos Carvalho

“Temos ainda dois anos de legislatura, era importante (...) aproveitarmos todo o tempo, a partir de setembro/outubro, até à primavera do ano que vem para em conjunto ver o que é que é possível fazer”, afirma o Presidente. E a pergunta impõe-se: “Isso quer dizer que avalia muito negativamente o combate aos fogos neste ano?”. Marcelo responde não respondendo: “Na fase aguda da guerra não devemos estar a discutir a tática e a estratégia (...). Eu sei que a política passa um bocadinho por aí mas é de bom tom guardar essas apreciações para depois”.

8. Atenção que as indemnizações do Estado às vítimas de Pedrógão podem não estar garantidas

Foto Rui Duarte Silva

Foto Rui Duarte Silva

É talvez uma das mensagens mais importantes da entrevista do Presidente. “Tem de se esperar pelo apuramento de factos e responsabilidades” pede Marcelo, que faz questão de ser muito pedagógico na explicação: “Tem de se ver em que termos é que é legalmente é possível. Muitas vezes se tem feito o paralelo com Entre-Os-rios mas em Entre-Os-Rios o que aconteceu foi que derrocou uma obra pública, sabendo-se logo de imediato que foi por, de forma determinante, incúria do Estado (...) Aqui tem de se provar em que pontos e em que medida houve ou não falha do poder público que possa justificar uma responsabilidade objetiva”.

9. Em Tancos fui até onde podia ir. E continuo à espera das respostas, que convinha que viessem depressa

Não enfia a carapuça de que extravasou nas suas competências presidenciais ao aparecer em Tancos, alguns dias depois do roubo de armamento, ao lado do ministro da Defesa. Mas reconhece que foi “até ao limite” que podia ir na interpretação que faz do que significa ser comandante supremo das Forças Armadas. Explica porque o fez: “É completamente diferente o ouvir dizer, depois aquilo que se dizia e o ver in loco. E foi in loco, tal como aconteceu com os incêndios, que também fiquei com as minhas interrogações e ilações”. Da visita ao local do crime, garante, veio com a convicção ainda mais firmada de que “tem de ser apurado tudo integralmente”. Se é preciso esperar pelo “tempo próprio” da investigação do Ministério Público, não resiste a pedir alguma celeridade: “Quanto mais rapidamente seja possível apurar aquilo que ocorreu, mais rapidamente os portugueses podem resolver as dúvidas que têm”.

10. Não gostam do meu estilo? Paciência

Foto Marcos Borga

Foto Marcos Borga

Garante que não mudou ao chegar a Belém. “Eu sou eu, fui sempre assim”, afirma, para reformular mais à frente: “A pior coisa que pode fazer uma pessoa neste ou noutro cargo é não ser o que é. Acaba por não ser nem carne nem peixe, quer dizer, nem é aquilo que era nem é aquilo que outros gostariam que fosse”. Se reconhece que “o juízo virá no fim do mandato”, repete (já o tinha dito noutras ocasiões) que só decidirá se se recandidata a um segundo mandato no verão de 2020.