Henrique Monteiro

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

E da Venezuela, lembram-se?

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Houve uns tempos em que Hugo Chávez, rematado golpista e populista desalmado foi eleito presidente da Venezuela. As suas promessas de bacalhau a pataco e de ‘socialismo bolivariano’ foram, então, luzes acesas na nossa esquerda portuguesa e europeia. Na sua segunda campanha tinha cartazes onde surgia junto a Sócrates, como dois heróis do combate à pobreza. Na altura, e apesar do muito que se escrevia sobre a sua tendência ditatorial, era aclamado por muita gente deste lado.

Não foi só o Governo de Sócrates. O seguinte, com Passos Coelho e Paulo Portas nos Negócios Estrangeiros, embora mais distanciado da retórica, continuava com uns misteriosos bons negócios com o maior produtor de petróleo da América Latina. A Venezuela chegou a subsidiar o Podemos (e sabemos lá quem mais) para ter extensões do seu exemplo na Europa. Depois Chávez morreu e o seu sucessor Nicolás Maduro continuou a obra. Mas a festa acabou e a verdade, como sempre, veio ao cimo: miséria, mais miséria. Corrupção, imensa corrupção e, por fim, a ditadura desavergonhada para se manterem no poder aqueles que iam libertar o povo. Já todos tínhamos visto o filme, mas alguns persistem sempre em acreditar noutro final.

Foi esta semana que o golpe derradeiro se desencadeou. Com mais uma originalidade venezuelana e própria de opereta: o Supremo Tribunal (constituído integralmente por apoiantes chavistas) ilegalizou o Parlamento, onde a maioria, ditada por eleições, é da oposição. Depois de imensas peripécias, a que não faltaram prisões de opositores ao presidente Maduro, este decidiu cortar o mal pela raiz. Ilegalizou o órgão legislativo que lhe fazia frente, ordenando aos juízes (que pelo exemplo se vê serem gente de grande envergadura) que mandasse fechar o Parlamento e chamasse a si as funções até aí desempenhadas por aquele.

Dizem as notícias que os vizinhos estão preocupados: México, Colômbia, Chile, Brasil e Argentina, além de Estados Unidos e Peru querem convocar uma conferência de urgência da Organização dos Estados Americanos para ativar a carta interamericana de Direitos Humanos para a Venezuela. Chegam com bastante atraso, mas ainda assim preocupam-se.

Se forem ver os contratos assinados com o regime de Caracas encontrarão muitos milhões de euros em negócios (de casas prefabricadas aos famosos computadores Magalhães), muitos intermediários que ficaram ricos e muitas empresas que ficaram a arder

Em Portugal, haverá certamente preocupação idêntica. Afinal, há muitos milhares de portugueses na Venezuela que são perseguidos pelo regime chavista há largos anos. Mas até o governo de Caracas dar o passo tão absurdo quanto lógico na sua caminhada para a ditadura, prevaleceram os negócios e não as pessoas e menos ainda os princípios. Se forem ver os contratos assinados com o regime de Caracas encontrarão muitos milhões de euros em negócios (de casas prefabricadas aos famosos computadores Magalhães), muitos intermediários que ficaram ricos e muitas empresas que ficaram a arder, pois jamais foram ressarcidas das facilidades prometidas.

Um pequeno país, como o nosso, não pode ter uma política externa baseada apenas em interesses, como o fez com a Venezuela ou com o Brasil e Angola, além de outras paragens, se não tiver antes dessa uma política externa baseada em princípios. É algo comum a todos os pequenos países com pouca pujança económica. Assim, no geral, acabam a perder tudo quando situações como esta, da Venezuela, ficam expostas. Perdem o dinheiro e perdem a face.

Mas, claro, que podemos dizer se ontem mesmo, na sede da CPLP aqui em Lisboa, um membro do Governo de um dos países mais fechados e ditatoriais do mundo, a Guiné-Equatorial deu uma conferência sobre os Direitos Humanos onde explicou por que razão ainda não aboliu a pena de morte? É porque, disse ele, apesar de se terem comprometido a terminar com essa lei quando aderiram à Comunidade de Países de Língua Portuguesa, ainda estão a estudar direito comparado relativo à questão.

Pois!