MEDIA
Despedimentos superam as 1200 pessoas desde o início da crise
CRISE “Sol” e “i” vão despedir 120 pessoas e fundir redações numa nova empresa, que sucederá à Newshold, depois da saída de Álvaro Sobrinho. “Diário Económico” procura comprador para salvar projeto FOTO D.R.
Administração dos jornais “Sol” e “i” anuncia despedimento de perto de 120 pessoas, na sequência da saída de Álvaro Sobrinho da estrutura acionista da empresa. Redação única de 66 pessoas vai garantir produção dos dois títulos. Trabalhadores que ficarem vão sofrer cortes nos ordenados
TEXTO ADRIANO NOBRE
Cento e vinte pessoas. Comerciais, administrativos, paginadores, secretárias, diretores de várias áreas, fotógrafos, jornalistas. O anúncio foi feito esta manhã em plenário de trabalhadores do "Sol" e do "i": dois terços dos funcionários dos dois jornais vão ser chamados pela administração da empresa para negociarem a sua saída dos quadros.
O número impressiona. Porque é mais de uma centena de pessoas que passa para o desemprego; porque sobrará apenas um terço da atual estrutura para garantir a produção dos dois jornais; e porque eleva para mais de 1200 o número de trabalhadores de grupos de comunicação social despedidos desde o início da crise económica em Portugal, em 2009.
O processo agora iniciado na Newshold será o maior de 2015, mas não foi o único. Também este ano, por exemplo, a Impresa, dona do Expresso, abriu um processo de rescisões que englobou a saída de cerca de 30 trabalhadores dos quadros da empresa. E há outros meios em risco.
O "Diário Económico", por exemplo, atravessa sérias dificuldades financeiras, com um passivo de cerca de €30 milhões e um desequilíbrio mensal de tesouraria de mais de €200 mil. Segundo apurou o Expresso, a possível venda do título ao angolano Domingos Vunge — que poderá ficar fechada nos próximos dias — é neste momento uma das últimas opções para garantir a viabilidade do título e o emprego de parte dos mais de 100 trabalhadores da empresa.
Os números dos despedimentos no sector têm-se avolumado todos os anos. Em 2014, por exemplo, a RTP negociou a saída voluntária dos quadros da empresa de quase 300 trabalhadores. E a profunda reestruturação feita na Controlinveste após a entrada de António Mosquito e Luis Montez na estrutura acionista da empresa originou o despedimento de cerca de 180 pessoas. Este foi, aliás, o segundo despedimento coletivo que o grupo que detém o "DN", o "JN" e a TSF sofreu em cinco anos: em 2009 a administração da empresa, então ainda presidida por Joaquim Oliveira, tinha já avançado com o despedimento de 122 trabalhadores. E um ano depois encerrou o jornal "24horas".
Desde 2009, de resto, a recolha feita pelo Expresso encontra múltiplas exceções à máxima que diz que o jornalista não deve ser notícia. Tem sido. E com inusitada frequência. Entre encerramentos de meios, despedimentos coletivos e lay-off, foram já noticiados mais de 1200 despedimentos em órgãos de comunicação social. Além dos grupos já citados, foram também notícia os encerramentos de revistas da Impala, da Motorpress, da Cofina, da Impresa e de vários meios regionais, o fecho do Rádio Clube e despedimentos em títulos como o "Diário Económico", o "Público", o "Sol" ou o "Record".
Queda abrupta do mercado publicitário
Na origem destas notícias, um denominador comum: a quebra de receitas e a necessidade de cortar custos para tentar viabilizar projetos que atravessam uma espécie de tempestade perfeita. Porque à crise económica do país somou-se a quebra abrupta do mercado publicitário do sector (que se reduziu em quase 50% em 10 anos) e a mudança acentuada nos hábitos de consumo de media.
O anúncio do despedimento de dois terços dos trabalhadores do "Sol" e do "i" foi feito num plenário realizado esta manhã, onde foi confirmada a intenção da família Madaleno, de Álvaro Sobrinho, de deixar de ser acionista dos dois projetos.
Mário Ramires, administrador da Newshold - e interlocutor dos trabalhadores no plenário de hoje - deverá manter-se como líder da futura estrutura acionista dos dois jornais. Mas a manutenção de ambos os títulos vai implicar uma forte reestruturação, a começar pelo despedimento de mais de 100 trabalhadores das atuais empresas do universo de media da Newshold.
Segundo as informações recolhidas pelo Expresso, a administração anunciou que deveria começar ainda hoje a chamar os trabalhadores selecionados para rescindirem contrato. Mário Ramires terá assumido ainda o compromisso de garantir indemnização a todos os funcionários que se voluntariem para negociar a rescisão.
Além destes despedimentos, a reestruturação vai ainda implicar cortes salariais nos trabalhadores que transitem para a próxima fase da empresa. No caso dos diretores, esses cortes podem atingir 50% do vencimento atual. Regalias como os telemóveis até agora pagos pela empresa também serão cortados.
Até ao momento não foi possível contactar a administração da Newshold para confirmar estas informações e saber mais pormenores sobre o futuro do "Sol" e do "i".
Recorde-se que na origem da decisão da família Madaleno de desinvestir na área dos media em Portugal terá estado a constatação de que dificilmente seria possível garantir a sustentabilidade financeira de dois jornais que no ano passado geraram um resultado negativo conjunto na ordem dos 8 milhões de euros.
Um diário de sobressaltos
Lançado em maio de 2009 pelo grupo Lena, o diário "i" tem tido uma vida marcada por sucessivas mudanças de propriedade e de direção editorial: em pouco mais de seis anos de vida, o jornal já teve quatro proprietários e sete direções (fora as interinas).
Menos de um ano após o lançamento, e numa altura em que o "i" vendia uma média de mais 9 mil exemplares por edição, o grupo de Leiria - que detinha também vários meios regionais - decidiu desinvestir na área dos media e colocar o diário à venda.
Em junho de 2011 o empresário Jaime Antunes assumiu a propriedade do título, mas oito meses e uma forte reestruturação depois, o título voltou a mudar de mãos: em fevereiro de 2012, o dono da gráfica Sogapal, Manuel Cruz, acordou a compra da participação de Jaime Antunes no título.
Embora tenha assumido na altura que tinha um parceiro internacional e que a compra do "i" poderia ser a primeira de outras aquisições nos media, o dono da Sogapal acabou, no entanto, por também não ficar muito tempo como proprietário do jornal: em setembro de 2014, a Newshold, que já tinha uma parceria para a exploração comercial do "i", acabou por assumir a propriedade do diário, juntando-o assim ao seu portefólio de media, que incluía o semanário "Sol", em Portugal, ou o semanário "Expansão", em Angola.
Entre janeiro e agosto deste ano, o diário "i" teve uma média de circulação paga de cerca de 4.500 exemplares por edição.
Um "Sol" para a lusofonia
O semanário "Sol" foi lançado em setembro de 2006 por um conjunto de jornalistas que tinham deixado o Expresso cerca de um ano antes, liderados pelo ex-diretor do jornal da Impresa José António Saraiva. O empresário Joaquim Coimbra, o BCP e a Imosider foram os acionistas que entraram com o capital para viabilizar o lançamento do projeto, com um investimento na ordem dos 5 milhões de euros no primeiro ano.
O objetivo assumido desde o início era bater o Expresso em vendas e cimentar o "Sol" como líder de mercado no segmento de semanários. Mas essa meta esteve sempre longe de ser alcançada: no final de 2008 a média de vendas do "Sol" era de cerca de 50 mil exemplares, menos de metade do que então vendia o Expresso por semana. E a tendência foi-se acentuando com a passagem do tempo: entre janeiro e agosto deste ano, o "Sol" vendeu uma média de circulação paga na ordem dos 20 mil exemplares semanais, contra 95 mil do Expresso.
Além de nunca ter descolado em vendas, o semanário foi também sofrendo algumas complicações financeiras, fruto do desequilíbrio que apresentou quase desde o primeiro ano de vida. Em 2009, o BCP e a Imosider decidiram vender as suas participações no jornal à Newshold.
O objetivo da empresa angolana foi fazer do "Sol" o pilar de um projeto editorial para a lusofonia. Nos anos seguintes - e antes mesmo de comprar também o "i" - a Newshold investiu na entrada do capital da Cofina (dona do "CM") e da Impresa (dona do "Expresso") e chegou a manifestar a intenção de se candidatar à privatização, entretanto cancelada, da RTP. Depois acabou por alienar as suas participações nessas empresas e agora decidiu desinvestir nos únicos dois jornais que tinha no país.











