Nas galerias do público

“Não deixei de ter Huntington por a lei não ter passado”

No Plenário do Parlamento houve uma votação renhida. Nas galerias um caso real do que estava a ser discutido e votado pelos deputados

Reportagem Carolina Reis Fotos Nuno Botelho

As mãos já não tremem, como quando os deputados se levantavam para dizer se eram contra ou a favor, o “suspense” já passou. O resultado foi diferente do que era aguardado por Joana Silva, doente de Huntington, que um dia espera poder recorrer à eutanásia. Mas Joana acredita que não é um fim. “Tudo tem um princípio. Este é o princípio da legalização da eutanásia”, diz ao Expresso, mal acaba a votação.

Joana Silva deslocou-se propositadamente de Vila das Aves, onde mora, à espera de um desfecho diferente. A lei de que se falava seria para ela. O diagnóstico de Huntington traçou-lhe o destino: irá perder o controlo de movimentos, a fala, deixar de andar. Quer escolher a forma como termina a vida.

“A medicina não pode tudo”, repetiu, sentada na galeria número 1 da Assembleia da República, com as palavras de Pedro Filipe Soares, do BE, a terminar o debate.

Disse - no Expresso deste sábado - que não queria viver quando já não fosse ela própria. Não quer que o seu corpo se transforme num “cadáver vivo”, como o do pai, de quem herdou a doença.

Não quer acabar os últimos dias como ele, numa cama de hospital, com um corpo tão fraco que já não conseguiam tirar-lhe uma gota de sangue. “Sei o que vai acontecer-me. Vou deixar de controlar os movimentos, de falar, de andar.”

Não quer acabar os últimos dias assim. Mas também não quer acabar como uma amiga, que conheceu já depois de lhe ter sido diagnosticada a doença e que se suicidou. “Tenho a Ana muito presente na minha vida.”

No plenário, os argumento dos deputados soavam à distância. Palavras e palavras, e palmas e apupos, com argumentos sobre algo que lhe é pessoal. “Não deixei de ter Huntington por a lei da eutanásia não ter passado. A minha posição mantém-se”, diz, referindo-se às suas declarações de sábado ao Expresso: se a lei não passasse, e quando chegasse a hora, suicidava-se ou ia à Suíça para aí ter morte assistida.

“Para mim, hoje é um ponto de viragem entre a possibilidade de morrer dignamente ou de contribuir para o aumento da primeira causa de morte dos doentes de Huntington, o suicídio”, conta, sentada nas galerias, à medida que os deputados falam lá em baixo. O debate ainda não ia a meio.

A maioria dos deputados não a ouviu. Um dia antes da votação, e com medo que a lei não fosse aprovada, entrou numa igreja e acendeu uma vela. Irá acender outra quando chegar a casa.