ELON MUSK
Se calhar o mundo ainda não está preparado para este homem que nos quer levar a Marte. Ou estará?
FOTO EPA
Elon Musk é conhecido por correr riscos, inovar e por vezes errar, porque nas palavras dele “se não estiveres a falhar, não estás a inovar o suficiente”. Desta vez, o multimilionário deixou toda a gente com a sensação de que vivemos num filme de ficção científica ao revelar os seus planos para colonizar Marte – um projeto que pode começar já na próxima década, garante Musk. Os pormenores sobre o financiamento e até a ética do plano não são claros, mas o empresário insiste que só há duas opções para a Humanidade: “Ficarmos na Terra para sempre e depois haverá uma extinção inevitável ou tornarmo-nos uma espécie interplanetária” – uma espécie que começará por se instalar em Marte e poderá depois deslocar-se a qualquer parte do Sistema Solar. Pelo meio, diz, os primeiros entre nós a arriscarem ir a Marte têm de estar preparados para morrer
TEXTO MARIANA LIMA CUNHA
O que lhe estamos prestes a contar vai parecer saído diretamente de um filme de ficção científica, por isso o melhor é manter uma mente aberta – e “um tremendo espírito aventureiro” – para ler o que se segue. É que Elon Musk, o multimilionário sul-africano conhecido por liderar as inovadoras empresas Tesla e SpaceX, que levar-nos para Marte – e acredita que tal será possível a começar já em 2022.
O plano é complexo, envolve muito dinheiro e um sem fim de pormenores técnicos que não se sabe se podem ser concretizados num prazo tão apertado. Mas a verdade é que a comunidade científica não nega que seja possível tornar esta colonização do planeta vermelho uma realidade – e, como diz Greg Autry, analista de indústria espacial citado pelo “The Guardian”, há duas coisas que sabemos sobre Elon Musk: “A História tem mostrado que ele não consegue fazer com que o mundo avance tão rapidamente como ele gostaria, mas a verdade é que ele faz o mundo avançar”.
Fazer o mundo avançar – e descobrir novos mundos, indo além de tudo o que já foi feito e descoberto – sempre foi o sonho deste empresário de sucesso. Em 2002, quando vendeu a sua Paypal ao Ebay por 1,5 mil milhões de dólares, começou as suas experiências no campo da ciência, enviando uma estufa para Marte com o objetivo de testar o crescimento de vegetação terrestre no planeta. Musk percebeu então que faltavam materiais e aparelhos técnicos para conseguir levar a cabo as suas explorações espaciais – e com a habitual determinação fundou assim a sua empresa espacial, a SpaceX, na Califórnia.
FOTO REUTERS
Vai soar como algo de doidos
“A razão pela qual estou a aumentar as minhas posses é para financiar isto. Não tenho qualquer outro objetivo que não o de tornar a vida interplanetária”, disse Musk esta terça-feira em Guadalajara, no México, falando no Congresso Internacional Astronáutico, numa palestra batizada “Tornar a Humanidade uma Espécie Interplanetária”. “Vai soar como algo de doidos, por isso vai ser, pelo menos, um bom entretenimento”, admitia Musk sobre o anúncio que estava prestes a desvendar.
Soou mesmo de doidos – e deixou o público entusiasmado e algo incrédulo. Falando do seu plano para colonizar o planeta vermelho, Musk explicou detalhes sobre esta missão tão ambiciosa: o objetivo seria começar a levar pessoas para Marte já na próxima década (e ele diz que os primeiros a viajarem devem estar preparados para morrer), esperando o multimilionário que em 2060 já possa haver um milhão de habitantes terrestres instalados em Marte, segundo os cálculos da “National Geographic”. Para o empresário, durante a próxima década será possível transportar milhares de humanos, sendo necessários 40 a 100 anos para construir uma cidade autossustentável habitada por humanos em Marte.
As razões para correr estes riscos são claras, pelo menos para o multimilionário, que as expôs de forma assertiva durante a palestra: é que pode haver consequências muito piores se este plano não for posto em prática. “Há dois caminhos que a Humanidade pode seguir: um deles é ficarmos na Terra para sempre e depois haverá uma extinção inevitável; a alternativa é tornarmo-nos uma civilização que explora o espaço, e uma espécie interplanetária.”
FOTO GETTY
O plano é ainda mais ambicioso do que parece – colonizar e habitar Marte poderá ser apenas o primeiro passo de um projeto maior, cujo objetivo é poder circular em qualquer parte do sistema solar, como a Enceladus, uma lua de Saturno que a missão Cassini, da Nasa, recentemente revelou ter um oceano de água subterrâneo. A primeira a fazer uma destas viagens seria uma nave chamada “Heart of Gold”, batizada – não de forma surpreendente – precisamente como a que figura no livro de ficção científica assinado por Douglas Adams “The Hitchhiker Guide to the Galaxy”.
É algo que pode acontecer durante as nossas vidas
Para esta empreitada – Musk sublinha que chegar a Marte “é algo que pode acontecer durante as nossas vidas” – será necessário um sistema de lançamento e transporte em várias fases, incluindo um propulsor reutilizável e uma nave interplanetária que juntos teriam, segundo o “The Guardian”, um comprimento de dois aviões Boeing 747, podendo transportar inicialmente uma centena de passageiros.
Tal objetivo, que inclui a construção do maior foguetão de sempre - a nave apresentada seria 3,5 vezes mais poderosa do que o maior foguetão já construído, o Saturn V da Nasa, que tornou possíveis as missões Apollo na lua -, a inclusão de painéis solares para aproveitar a energia do sol durante as viagens e a reutilização destes aparelhos, sairá inevitavelmente caro. Se o preço inicial da construção do foguetão chega aos 10 mil milhões de dólares (8,9 mil milhões de euros) e uma viagem individual cerca de meio milhão de dólares, a verdade é que Musk acredita que com as reutilizações, a criação de combustível no espaço (através de água e dióxido de carbono encontrados em Marte) e a agilização das viagens o preço poderia descer até aos 200 mil dólares, ou 178 mil euros. As viagens aconteceriam a cada 26 meses, altura em que a Terra e Marte se encontram mais próximos, escreve o “New York Times”.
“Teria de existir uma enorme parceria público-privada”, explicou Musk, que na conferência evitou referir formas de financiamento específicas e enumerou as que já fazem parte do sistema da Space X, como o transporte de astronautas até à Estação Espacial Internacional ou o lançamento de satélites. Até agora, as atividades da Space X e o desenvolvimento dos seus foguetões tem sido financiada em boa parte graças à Nasa e aos contratos celebrados entre as duas entidades.
FOTO REUTERS
Cientistas aplaudem a iniciativa, mas...
A própria Nasa já veio lançar um comunicado elogioso sobre o anúncio de Musk, garantindo “aplaudir todos aqueles que quiserem dar o próximo salto gigante e fazer a viagem até Marte”. “Estamos muito satisfeitos por a comunidade global estar a trabalhar para fazer frente aos desafios de uma presença humana sustentável em Marte. Esta viagem vai requerer as melhores e mais brilhantes mentes do Governo e da indústria, e o facto de Marte ser um grande tópico de discussão é encorajador”, acrescentou a agência.
A comunidade científica, que mostrou uma energia “extraordinária” durante a palestra do multimilionário, faz elogios ao projeto de Musk, mesmo que se duvide da sua viabilidade a curto prazo. Se por um lado a “Quartz” mostra falhas no projeto, levantando dúvidas sobre se “humanos sobreviveriam a uma viagem de meses pelo espaço enquanto são bombardeados com radiação cósmica” e lembrando o ponto do tratado da ONU de 1967 sobre o espaço em que se proíbe que se contaminem “corpos celestiais” com a vida na Terra (com elementos como micróbios, por exemplo), Bill Nye, diretor executivo da Sociedade Planetária e apresentador de um popular programa televisivo sobre ciência, esteve presente e disse ao “The Guardian” que “ver a audiência enlouquecer diz que o melhor ainda está para vir para a exploração espacial”, acrescentado que os prazos “muito agressivos” de Musk parecerem soar “verosímeis” ao público.
O otimismo mantém-se mesmo quando se fala do último desaire da Space X, uma vez que ainda não passou um mês desde que uma das suas naves Falcon 9 explodiu antes de ser lançada, o que Musk classificou como “a falha mais difícil e complexa” da história da empresa. No entanto, a comunidade científica admite que falhas como esta são de esperar – e, dizia Musk numa entrevista à “Fast Company” em 2005, num excerto que parece resumir toda a sua personalidade e filosofia nos negócios: “Se as coisas não estiverem a falhar, é porque não estás a inovar o suficiente”.