Relações transatlânticas
O “encantador de Trumps” voltou de Washington sem certezas
Emmanuel Macron tem uma relação amistosa com Donald Trump mas pode não ser suficiente para o convencer a mudar algumas das suas posições Foto Kevin Lamarque/REUTERS
Emmanuel Macron é conhecido por ter um - ou ambos - os ouvidos de Donald Trump à sua disposição. Foi aos Estados Unidos quase como “enviado especial” de uma Europa que está preocupada com o Irão, com o ambiente e com os ímpetos protecionistas das políticas comerciais de Donald Trump. Voltou cheio de fotos amistosas mas sem certezas para os aliados - e isso é perigoso
Texto Ana França
Nomeação democrata para 2020? Emmanuel Macron. O presidente francês foi falar a uma sessão conjunta do Congresso norte-americano e devem ter sido poucos os eleitores democratas que não tenham pensado “porque é que não temos cá um destes?”. Depois de passar os primeiros dias da sua visita de três dias aos Estados Unidos a ser fotografado em gradativos de perto, muito perto e colado ao rosto de Donald Trump, que beijou, Macron utilizou o seu tempo em frente aos representantes do povo norte-americano para desfazer toda a estrutura ideológica que sustenta a Administração Trump. Qual Don Quixote dos valores ocidentais - assumindo que os Estados Unidos se colocaram fora dessa ordem com Trump -, Macron criticou duramente a estratégia nacionalista e protecionista adotada pelo presidente e disse que, “pessoalmente”, não ficava muito impressionado com demonstrações de poder à lá Vladimir Putin. Não usou o nome do russo mas os analistas do seu discurso estão a ler a referência como uma clara demarcação do “fascínio” que Trump parece ter por líderes austeros como Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro a quem o ex-estratega de Trump Steve Bannon um dia chamou ‘o tipo mais interessante para ouvir na Europa neste momento’.
Macron começou por falar dos ideais que unem ambos os países mas rapidamente guinou na direção da crítica. Os regimes “antissistema” na Europa, como o húngaro ou o polaco, foram o espelho usado por Macron para refletir as políticas populistas de Trump. “Podemos escolher o isolacionismo, o recuo e o nacionalismo. Esta é uma das opções. Até pode ser tentadora com remédio rápido para os nossos medos mas fechar as portas do mundo não pára a sua evolução. Não irá dosear mas sim inflamar os medos dos nossos cidadãos”, disse Macron num inglês impregnado de sotaque mas rico e fluente. O tema do crescente nacionalismo na Europa, que Macron já tinha abordado num discurso recente perante deputados europeus, voltou a fazer parte deste intervenção - que tanto republicanos como democratas, em alturas diferentes, aplaudiram de pé. “Não vamos deixar o mundo violento dos extremismos nacionalistas abanar um mundo cheio de oportunidades e esperanças no caminho da prosperidade”, disse Macron. E avisou: “Estamos num momento crítico. Se não agirmos com urgência e como uma comunidade global unida, corremos o risco de que as Nações Unidas e a NATO deixem de ser capazes de exercer influência”.
Donald Trump e Emmanuel Macron plantam uma árvore junto das suas mulheres, Melania e Brigitte, respetivamente Foto Steve Holland/REUTERS
Ao terceiro golpe, Macron falou das mudanças climáticas, coisa que Donald Trump nem sequer está certo que exista. Os Estados Unidos retiraram-se dos acordos de Paris, que visam limitar o aumento da temperatura da Terra, durante este século, a uns ambiciosos 1.5 graus e Macron foi dos líderes que mais protestou. “Qual é o significado da vida se estamos a destruir o planeta e a sacrificar o futuro dos nossos filhos? Vamos lá ver: não há planeta B”, disse o presidente francês. Para Macron, apesar de não haver disso indicações por parte de Trump, “o desacordo em relação aos compromissos com o clima é de curto prazo” porque “a longo prazo temos todos de reconhecer a realidade de que somos todos habitantes de um mesmo planeta”. Para finalizar, Macron instou o governo dos Estados Unidos a renegociar os acordos comerciais dentro das regras da Organização Mundial do Comércio, um processo cheio de burocracia capaz de desesperar homens menos impacientes que Trump e os seus conselheiros, que recentemente impuseram tarifas de 25% à importação de aço e 10% à importação de alumínio (das quais, depois de alguma pressão, a Europa ficou isenta).
Meios de comunicação de todo o mundo publicaram fotos dos dois presidentes em que parecem sempre muito cúmplices Foto Jonathan Ernst/REUTERS
Macron foi para Washington com uma agenda difícil e um alvo fácil: o ego de Trump. Quis convencê-lo que é importante que os Estados Unidos se voltem a interessar por questões de política internacional como a Síria e o Irão, que o esforço norte-americano no controlo do aquecimento global é essencial e que as instituições de ajuda humanitária criadas no âmbito da ONU precisam da sua ajuda - ou dos seus dólares. Tudo isto parece um pedido desesperado de ajuda a Trump e ao seu poderosíssimo país - agora resta saber se é isso ou se é Macron a ser muito mais inteligente do que todos os líderes que optam por bater de frente com Trump.
O que é que ele ganha com isso? Aparecer aos olhos dos europeus como a ponte transatlântica possível num momento em que o Reino Unido está a menos de um ano da data marcada para a saída da União Europeia e em que a chanceler Angela Merkel não só está internamente mais comprometida como tem sempre mantido uma posição de desdém mal disfarçado por Donald Trump.
“Encantador de Trump” é já uma espécie de sinónimo para Emmanuel Macron na imprensa norte-americana, tal é a ligação entre os dois presidentes. Amanda Sloat, analista política do Brookings Institution e membro do Comité de Relações Internacionais durante a Administração de Barack Obama, diz ao Expresso que é a “subversão” que une os dois homens. “Macron tem uma boa relação de trabalho com Trump porque ambos se veem como ‘outsiders’ que tentam de formas ‘novas’ modificar a forma de fazer política nos seus países”, diz a analista. “França não tem um balança comercial desequilibrada como os Estados Unidos, nem tem tanto medo de intervenções militares como a Alemanha, além de não ter problemas em atribuir à defesa um orçamento robusto.”
Dois episódios recentes mostram que Trump e Macron estão em permanente - e influente - contacto. Um deles foi o caso do envenenamento de Sergei Skripall, o ex-duplo espião que sofreu no Reino Unido um ataque com um poderoso agente químico que o Ocidente acredita ter sido administrado a mando dos russos. Nessa altura, escreveu o ex-editor de assuntos europeus do “Washington Post”, William Drozdiak, Macron foi o líder que mais pressionou Trump para se juntar à enorme onda de expulsões de diplomatas que se seguiu ao incidente. França acabou por “só” expulsar quatro. Os Estados Unidos? 60. O segundo episódio foi o ataque conduzido contra alegados armazéns de armas químicas sírias a 15 de abril, no qual França participou ao lado do Reino Unido e dos Estados Unidos. Na altura, Macron disse que tinha sido França a convencer os Estados Unidos a intervir, mas Trump desmentiu. Macron disse também que tinha convencido o presidente a não abandonar a Síria retirando os seus militares, mas não é certo que Trump mantenha uma presença militar no país por muito mais tempo.
Foto Reuters
As “vitórias” que Macron traz para casa são assim escassas. O filósofo francês Michel Onfray não poupou nem um nem outro: “É uma batalha de egos e mais nada! São dois narcisistas que se adoram e eles mesmos. É apenas uma estratégia de comunicação”. Numa entrevista à CNN depois da visita de Macron, Onfray disse que “em assuntos reais” não houve “grande substância”. Referia-se em particular ao controverso acordo com o Irão para o fim do seu programa nuclear - e inerentes sanções ao país -, ao qual Trump já chamou várias vezes “uma loucura”. O Presidente dos Estados Unidos - e muitos dos seus aliados no Médio Oriente, como é o caso da Arábia Saudita e de Israel - vê o Irão como uma ameaça à paz na região devido ao apoio do país a milícias como os libaneses do Hezbollah e à sua crescente posição dominante em zonas como a Síria e o Iémen.
Houve uma altura em que até parecia que Macron ia conseguir convencer Trump a continuar dentro de um acordo que ele quer rasgar até que um novo fosse encontrado. Macron disse acreditar que “havia espaço para um novo acordo” que contemplasse também a exigência dos Estados Unidos de que o Irão pare o seu programa de mísseis balísticos e o seu apoio a milícias xiitas, mas, um dia depois, numa última conferência de imprensa antes de voltar a França, mostrou-se derrotado. “A minha perceção - e eu não sei o que o vosso presidente vai decidir - é que ele irá acabar com o acordo por razões de política interna.”
O Presidente francês levava na agenda o acordo nuclear com o Irão e a Síria como principais pontos paras as conversações com Trump Foto Kevin Lamarque/REUTERS
Resumindo então: nem um compromisso no que toca ao regresso dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, nem a certeza de que as tarifas que Trump quer continuar a impor às importações de matérias-primas nunca venham a atingir os aliados europeus e nem a garantia de que Trump assinará a 12 de maio mais um adiamento da imposição de sanções ao Irão. “Em Washington é o que se diz, que Trump vai abandonar o acordo. É pouco provável que Angela Merkel, quando visitar agora os Estados Unidos, consiga mais que Macron e também ninguém ainda explicou se a Europa tem um plano B para este assunto de momento”, diz Amanda Sloat.
“Apesar de Trump estimar as interações com Macron, isso não quer dizer que ele concorde em fazer tudo o que ele quer, ou sequer mudar de opiniões. Alguns europeus tinham de certeza expectativas demasiado otimistas sobre o que Macron conseguiria com esta viagem, mas o próprio já tinha admitido que o processo democrático está a funcionar na América, na medida em que Trump está a fazer algumas das coisas que prometeu”, acrescenta a analista. Essas promessas entram em rota de colisão com os ideais sobre os quais Macron construiu, por seu lado, a base do seu apoio eleitoral em França, mas não é certo que, por muito apaixonado que Macron pareça por eles, Trump os vá perfilhar - ou a Europa, aliás: “O que eu pessoalmente considero preocupante é que Macron saia de Washington sem qualquer certeza sobre o Irão ou a Síria porque não é suposto países aliados surpreenderem-se mutuamente”, completa Sloat.