EDUCAÇÃO
Ruy Garcia
“Este é um momento muito triste para a educação brasileira”
Os elevadores da UERJ deixaram de funcionar e não há recolha de lixo nem segurança no campus, em frente ao estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro Foto Reuters/Ricardo Moraes
Mais de 40 mil alunos estão à espera de aulas e do fim das licenciaturas numa das maiores universidades brasileiras, que está sem Internet, sem limpeza, sem elevadores, sem segurança. O reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro explica em entrevista como foi possível afundar a instituição em tão pouco tempo
Entrevista Christiana Martins
Todas as semanas, uma assembleia de diretores reúne-se para tentar encontrar uma forma de reabrir as portas das salas de aula da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a quinta maior do Brasil e a 11ª da América Latina, que enfrenta o pior momento da sua história, de 86 anos, apanhada pela falência das finanças cariocas.
Depois de uma greve que durou seis meses, em 2016, agora é a absoluta falta de condições para funcionar que impede os 28 mil alunos de licenciatura de regressarem às aulas. O segundo semestre do ano passado ainda não arrancou, há finalistas com cursos por terminar, estudantes e professores que trocam de instituição e quem, pura e simplesmente, desista. As principais instalações, nos vários edifícios de 12 andares cada um, são vizinhas de outro símbolo abandonado, o mítico estádio do Maracanã.
Há um ano, Ruy Garcia Marques aceitou ser reitor da UERJ e, na altura, pensava que levaria seis meses a recolocar a universidade no caminho do crescimento, mas, agora, perante a dimensão da crise, já fala que serão necessários pelo menos dois anos. Na conversa com o Expresso, recorda a visita há um ano de António Sampaio da Nóvoa, ex-reitor da Universidade de Lisboa, que, neste encontro, terá dito que “as grandes universidades, como a UERJ, demoram muitos anos a construir. Mas podem ser destruídas em poucos dias ou meses. Em épocas de crise, temos de saber, com clareza, quais são as prioridades. Sem educação, sem conhecimento, sem universidades fortes e comprometidas com a sociedade, nenhum país tem futuro.”
Confrontado com as exigências do governador do estado e as reivindicações de docentes e funcionários, Ruy Garcia, cirurgião de formação, fala com uma surpreendente calma ao telefone com o Expresso. Acredita que a credibilidade da UERJ será mais forte e espera retomar a normalidade na próxima semana. Esta quarta-feira será um dia decisivo, com um plenário sindical que deverá decidir se, à falta de condições, se junta ainda uma greve dos trabalhadores.

FOTO D.R."
Qual o significado da UERJ para a educação do Rio de Janeiro?
É a quinta universidade do país e a décima primeira da América Latina, de acordo com o ranking do “Best Global Universities”, que tem em conta, por exemplo, critérios como as atividades de pesquisa ou a inserção dos alunos no mercado de trabalho. Temos 28 mil alunos de licenciatura, sete mil no ensino à distância, 4500 a fazer mestrado ou doutoramento e 1100 no ensino básico e secundário. E estão todos sem aulas porque não temos condições de manutenção ou limpeza. É muito triste e estamos muito preocupados com a situação.
O governador do estado do Rio telefonou-me para avisar que pretendia cortar 30% do salário de quem estivesse paralisado. Ele afirmava que as pessoas estavam em greve, mas não estão, não trabalham porque a universidade não tem condições de funcionar
E quantos são os professores e os funcionários?
São 2500 professores e cerca de 5800 funcionários. No total, seremos à volta de 50 mil pessoas, uma população superior a de muitas cidades do estado do Rio de Janeiro.
O que causou a paralisação da universidade?
O atraso no pagamento dos salários e a falta de transferência de verbas relativas ao funcionamento da UERJ. Neste momento, falta pagar o mês de fevereiro dos trabalhadores e dos 9500 bolseiros e o décimo terceiro dos docentes e dos funcionários. Esta é a maior crise dos 86 anos da universidade.
Já há alunos a pedir transferência para outras universidades?
Sim, começa a haver evasão de alunos, e até de docentes. Mas é recuperável, embora vá levar algum tempo. É preciso dizer que, há uma semana, o governador do estado do Rio telefonou-me para avisar que pretendia cortar 30% do salário de quem estivesse paralisado. Ele afirmava que as pessoas estavam em greve, mas não estão, não trabalham porque a universidade não tem condições de funcionar. Eu disse que tal só poderia avançar com uma ordem judicial. Depois disso, já falei com o procurador do estado, que não avançou com esta medida.
Necessito de 90 milhões de reais por ano para a manutenção da universidade. No ano passado só recebemos 15 milhões e em 2017 não recebemos nada. A questão é que, se derem menos, eu administro, mas zero não é verba que se administre
Quando poderão retomar a atividade?
Terá de ser gradual, mas já estamos a repor a limpeza e o funcionamento dos elevadores. Falei com o secretário de Estado com a pasta da Ciência e da Tecnologia, que aceitou pagar aos bolseiros e os salários dos docentes e dos funcionários. Amanhã haverá um plenário sindical para que decidam se retomam ou não as aulas, mas acredito que a maior parte dos professores aceite regressar ao trabalho na próxima segunda-feira.
E se não aceitarem?
Aí, instala-se um ambiente de guerrilha interna que não é nada desejável. O sindicato que representa parte dos trabalhadores avançou com uma greve e o dos professores está em “estado de greve” e amanhã decidirá se efetiva a paralisação. Se o fizerem, será um desafio interno. Mas estas são situações que já aconteceram antes e, embora não sejam positivas, dá para levar. Mas até normalizar completamente deverei precisar de cerca de dois anos, o que vai exigir encurtamento de férias e trabalhar em feriados.
Foto Reuters/Ricardo Moraes
De onde poderá vir a solução para este impasse?
O estado do Rio de Janeiro pediu um empréstimo ao governo federal.
De quanto é a dívida do estado do Rio em relação à UERJ?
Já deve ter ouvido falar de 360 milhões de reais (cerca de 106 milhões de euros), mas este total inclui ainda salários de 2016 que já foram regularizados. Na verdade, necessito de 90 milhões de reais (26,5 milhões de euros) por ano para a manutenção da universidade. No ano passado só recebemos 15 milhões (4,4 milhões de euros) e em 2017, não recebemos nada. A questão é que, se derem menos, eu administro, mas zero não é verba que se administre.
Quando assumiu ser reitor da UERJ imaginava que enfrentaria estes problemas?
Não, sabia que não seria fácil, mas não pensei que fosse durar tanto tempo, pensava que em seis meses estaria resolvido. Na verdade, a crise começou no fim de 2014, na sequência da crise económica que assola o Brasil em geral e o estado do Rio de Janeiro, em particular.
Também está com o seu salário atrasado?
Sim, claro.
Não teme pela credibilidade da universidade?
Claro que sim, mas acredito ainda mais no capital de qualidade do ensino que ainda existe na memória das pessoas.