Palavras dadas
António José Teixeira
Tapa-se a vergonha e confisca-se a dignidade
O medo está a condenar a Europa. Medo de si própria, medo do outro, de dar a mão, medo de se afirmar, medo de honrar os valores por que tanto se sacrificou, medo de integrar, medo de combater pela civilização contra a barbárie, medo da memória, medo dos seus demónios, medo, medo. Envergonha tanto medo.
A França continua em estado de emergência e parece querer continuar assim. A Dinamarca aprovou esta semana, por larga maioria, o confisco de bens aos refugiados que a procurarem. À chegada, serão inspecionados e todos os valores que ultrapassem os 1340 euros serão apreendidos e depois vendidos. Na Holanda, os que conseguem trabalho passam a entregar 75% do que ganham para pagarem o acolhimento. A livre circulação europeia de Schengen está suspensa em alguns países. Já se pensa em retomar o controlo das fronteiras durante dois anos, que poderá ser renovável. Admite-se deixar a Grécia fora de Schengen por não impedir que os barcos de refugiados cheguem às suas águas. Ninguém tem a coragem de dizer o que fariam a esses barcos… Os gregos são acusados de negligentes, eles que têm recebido boa parte dos que procuram refúgio na Europa. Se excluirmos a Alemanha, poucos cumprem a singela promessa de acolher umas centenas de refugiados. O desespero dos que vivem na cidade portuária de Calais, abandonados por todos, incluindo a França, tem uma única resposta: intervenção militar. Chamam-lhes: «A selva».
Medo dos que vêm. Medo dos que cá estão. O mesmo medo que leva os poderes e os protocolos italianos a tapar as belas estátuas romanas para não ofender o olhar do presidente iraniano. Medo. Cobardia. Desrespeito pela beleza, pela herança dos saberes e da arte, pelos valores com que se construiu a nossa civilização europeia. Desrespeito por nós próprios. Uma Europa que se desrespeita, que não se dá ao respeito, é uma Europa que não acredita em si própria, que receia os déspotas e se empertiga com os mais fracos, uma Europa condenada. O esconder das estátuas é da mesma índole do confisco dos refugiados. Tapa-se a vergonha e confisca-se a dignidade. Duas faces da mesma moeda. Medo e cobardia, própria dos fracos, num tempo em que precisávamos da força da razão, de ousadia e inteligência. Os nossos melhores desertam na estrita proporção com que se levantam populistas e demagogos. Os déspotas estão a caminho. O medo ajuda.