REPORTAGEM

Fez mais de 700 kms à boleia para ir ajudar os gregos. “Queria fazer algo, nem que fosse só dar uma palavra”

Esta é a história de como um polaco deixou as férias para trás para ajudar os gregos vítimas dos incêndios em Mati, que fizeram pelo menos 87 mortos e deixaram centenas de desalojados. Krzysztof percorreu mais de 700 quilómetros a pedir boleia entre a Macedónia e a Grécia, até ter chegado finalmente a Rafina, onde está concentrada a ajuda às populações. Há qualquer coisa de diferente em querer fazer a diferença

Texto, fotos e vídeo João Santos Duarte (enviado à Grécia)

Há qualquer coisa de diferente em Krzysztof.

Às vezes há qualquer coisa coisa de diferente numa pessoa e simplesmente não sabemos bem dizer o que é. Ele acaba de entrar na sala, usa uma camisa branca salpicada de uns verdes e vermelhos com umas palavras que nem se percebe bem o que é que dizem. Tem o cabelo rapado e uma daquelas barbas tipo pera, mas em tamanho manifestamente exagerado. Aquele homem acaba de entrar na sala e percebe-se que está meio desorientado ao início, mas que sabe ao que vem. E vem de longe. Chegou a Rafina havia poucos minutos vindo de Skopje, na Macedónia. São mais de 700 quilómetros. E fê-los todos à boleia.

Recuemos 48 horas. Krzysztof Gasior, um polaco paramédico de 35 anos, está de férias nos Balcãs. Tirou um mês para dar uma volta à região. Nas televisões ouve as notícias que chegam da Grécia. Fica chocado com a morte de dezenas de pessoas em Mati, apanhadas indefesas perante a brutalidade do fogo. E fica com o coração ainda mais apertado quando sabe da morte de uma mulher polaca e do seu filho. Mortos não pelo fogo mas pela água, afogados quando o barco em que seguiam se virou na azáfama pela sobrevivência.

“Parte-me o coração que pessoas estejam a morrer, em especial os mais novos.” Daqui até à próxima pergunta que fez a si próprio foram apenas alguns segundos, garante-nos:

“Porque não?”

Estava de férias e decidiu fazer-se à estrada. “Os museus, as igrejas e o mar estão sempre lá e posso sempre visitá-los para o ano que vem. Mas a ajuda é precisa agora.” Sem grande meios, decidiu chegar ao destino pedindo boleias. Conta que a pior parte aconteceu na cidade grega de Tessalónica, mais ou menos a meio do percurso. Esteve quatro horas na berma da estrada à espera que alguém abrandasse para poder seguir caminho. Apanhou uma insolação com o sol abrasador que se tem feito sentir nesta região. E começou a desesperar. Queria chegar o mais rápido possível. Krzysztof cita-nos o que garante ser um provérbio latino: “Aquele que consegue dar rápido dá duas vezes”.

Conseguiu finalmente resolver o impasse e chegou na manhã desta sexta-feira a Rafina. Dirigiu-se a um espaço localizado no centro da cidade para onde a ajuda às vítimas dos incêndios tem estado a ser canalizada, recebeu umas breves instruções de uma das coordenadoras no local e em poucos minutos já estava a colocar massas, frutas, enlatados e leites em sacos destinados às pessoas que ficaram sem nada nos incêndios.

O polaco ainda nem sequer sabe onde vai ficar a dormir esta noite. “O mais importante para mim é ajudar. Depois posso então encontrar um sítio para ficar, porque sou autossuficiente. Tenho uma tenda, em último caso durmo lá. Sentia que tinha mesmo de ajudar naquilo que fosse preciso, nem que fosse só vir cá e falar com as pessoas, dar-lhes uma palavra de conforto”.

Há qualquer coisa de diferente em querer fazer a diferença.

A tragédia de Mati comoveu os gregos e levou a uma onda de mobilização raras vezes vista no país. Konstantina, uma estudante de teatro de 21 anos que vive em Atenas, nunca tinha feito voluntariado na vida. Agora também ela estava ali numa azáfama a tentar despachar cabazes de primeira necessidade o mais rapidamente possível.

“Estava em casa a ver o que se estava a passar e senti que precisava mesmo de fazer isto. E agora sinto-me mesmo feliz por estar aqui, a minha alma sente-se completa. Não podia mesmo ficar em casa.”

Georgios Kontasteas é um dos voluntários mais novos na sala. Tem apenas 16 anos e é natural de Rafina. A família está toda bem e a sua casa não foi atingida pelas chamas, mas este é um drama vivido de muito perto. “Tenho amigos que ficaram desalojados, as suas casas arderam completamente. Eu quero ajudá-los e quero ajudar também os outros.” Na noite da passada segunda-feira estava no porto de Rafina e assistiu às pessoas que chegavam nas embarcações e que tinham sido resgatadas na costa ao largo de Mati. “Vi-os a saírem dos barcos, depois de terem sido resgatados. Estavam exaustos, vinham desolados, foi uma imagem horrível.” Na manhã seguinte decidiu apresentar-se como voluntário.

A resposta da população à tragédia dos incêndios foi tão grande que, a certa altura, as autoridades tiveram de pedir para que não fosse enviada mais comida porque já não tinham meios de gerir tantos bens.