João Vieira Pereira

Opinião

João Vieira Pereira

As bolas do Sr. Guerreiro

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Pode não parecer mas esta é um crónica sobre economia. Não sobre uma grande companhia, ou um negócio de milhões, mas sobre uma muito pequena empresa que durante o verão faz as delícias de quem com ela se cruza.

Começo pela confissão de que sou parte interessada em toda esta triste novela. Apenas porque sou, há mais de três décadas, um cliente assíduo do Sr. Joaquim Guerreiro. A Praia do Barril é a “minha praia”. Não me lembro da primeira vez que andei no comboio que liga Pedras d´el Rei, um pequeno aldeamento às portas de Tavira, a uma das armações históricas transformada numa das mais belas praias da costa portuguesa. Muito provavelmente foi pela mão dos meus avós maternos, ambos naturais daquela maravilhosa cidade algarvia.

Além da evidente ligação emocional àquele pequeno tesouro algarvio, a praia do Barril é uma espécie de paraíso. O extenso areal que liga a ilha de Tavira é dividido em quatro praias distintas, duas delas com condições ótimas de apoio à praia (Ilha de Tavira e Barril), a Praia da Terra estreita, mais recente, com menos serviços e de acesso mais difícil, e a Praia do Homem Nu, uma das poucas praias de nudismo em Portugal, completamente selvagem.

É neste extenso areal que o Sr. Guerreiro ganha a vida. A vender debaixo do sol abrasador bolas de Berlim. Para mim as melhores do mundo, classificação que nem aceito discutir.

Desde que me lembro, seguramente há mais de 30 anos, ele não me desilude. Lá está todos os verões. Estranhamente nem parece envelhecer, enquanto eu os meus amigos já enchemos o areal de pequenos clones e/ou pavoneamos com orgulho as barrigas e os cabelos brancos.

Só que o Sr. Guerreiro não é só um empresário. É também um inovador. Fazer chegar as ditas bolas àquela praia não é fácil, o único acesso é um extenso areal (cerca de um quilómetro) depois de se passar uma ponte sobre a Ria Formosa, ponte essa que até há dois anos sempre foi mínima.

Barreiras que tornam a tarefa de vender na praia ainda mais difícil. E foi do seu engenho que nasceu um carrinho em estrutura de alumínio, com umas rodas enormes amarelas, mal cheias de ar para que a tarefa de pisar todos os dias milhões e milhões de grãos de areia seja mais fácil. Agarrado ao carrinho, um chapéu de sol que protege os dois. Homem e carrinho que se tornaram um só.

Quando a sineta que traz agarrada à sua invenção começa a soar, as filas formam-se, às vezes com tanta força que o Sr. Guerreiro parece demorar horas a sair do mesmo lugar. E enquanto esperamos pelo sorriso que sempre recebemos em troca quando o presenteamos com um “Bom dia Sr. Guerreiro”, vamos recordando amigos e histórias.

Este verão vai ser diferente. Este verão não haverá carrinho. Apesar de ter concorrido e ganho a licença para vender naquela praia, foi-lhe comunicado que o carrinho não pode voltar à areia. Ou seja, terá de vender as bolas no regime de venda ambulante “tipo saco às costas”, tal como descrito no edital da Capitania do Porto de Tavira.

Sem explicação apenas lhe foi comunicado que terá de voltar a pegar nos cestos e na força dos seus braços para percorrer a areia escaldante. E pelo caminho terá de sujeitar as suas bolas de Berlim a condições de armazenamento muito piores do que as atuais.

Alguém decidiu que é melhor que as bolas de Berlim sejam vendidas em cestas, colocadas centenas de vezes em cima da areia, sujeitas a todo o tipo de possibilidade de contaminação e carregadas pela força dos braços e pernas sob o sol intenso, do que vendidas num carrinho sem qualquer motor e que protege os bolos e o vendedor

Não sei, apesar dos contactos feitos, de quem foi a decisão. Se do Parque Natural da Ria Formosa, se da próprio Capitania, mas alguém decidiu que o melhor é que as bolas sejam vendidas em cestas, colocadas centenas de vezes em cima da areia, sujeitas a todo o tipo de possibilidade de contaminação e carregadas pela força dos braços e pernas sob o sol intenso. Cenário que pelos vistos é pior do que carrinho de alumínio, sem qualquer tipo de motor, resguardado com um chapéu de sol e que transporta ainda um balde de lixo.

E pelo caminho fica o negócio de alguém, muito provavelmente o seu sustento e, mais grave ainda, a destruição de uma inovação por um microempresário português.

Este pequeno exemplo é enorme a explicar como a aplicação cega de regras pode ser muito estúpida. E de como depois das colheres de pau, dos galheteiros de azeite e até da ameaça aos grelhados no carvão, se tenta destruir um carrinho que só faz bem. Ao “inteligente” que tomou a decisão convido-o a vir comer comigo, este verão, uma bola de Berlim do Sr. Guerreiro. Prometo que a guardo numa cestinha, ou atada às minhas costas, diretamente ao sol, num daqueles dias de 45 graus.