INCÊNDIOS

Privados ainda sem acesso ao crédito de €40 milhões para limpar terrenos

Sobra pouco mais de um mês para cortar o mato sem risco de sanções Foto Fernando Veludo / NFactos

Sobra pouco mais de um mês para cortar o mato sem risco de sanções Foto Fernando Veludo / NFactos

O Governo criou um “mecanismo” para permitir o “financiamento das operações de limpeza” de terrenos cujos proprietários (individuais e empresas) não tenham meios de pagar os trabalhos. A medida já está com um mês de atraso e em vias de ter reduzida aplicação antes da época de fogos de 2018

Texto Paulo Paixão

A praticamente um mês do prazo efetivo para terminar a limpeza de matos e de florestas, que terminará a 31 de maio, os privados donos dos terrenos (tanto particulares como empresas) estão ainda impossibilitados de aceder à linha de crédito de €40 milhões criada para financiar tais trabalhos. O montante máximo de empréstimos será de €100 mil para particulares e de €500 mil para empresas.

A linha de crédito foi anunciada pelo primeiro-ministro, António Costa, a 15 de março, no debate quinzenal no Parlamento, e segundo os planos do Governo deveria estar “operacional” num prazo de duas semanas (ou seja, no início de abril). Em vez dos 15 dias previstos, o período foi em muito ultrapassado, tendo já chegado a mês e meio, e ainda sem o resultado pretendido. E a quatro semanas da data-limite para terminar a limpeza sem que haja aplicação de coimas, nenhuma das entidades bancárias com as quais o Governo tem negociado está a emprestar dinheiro aos seus clientes.

Fonte oficial do gabinete do ministro Adjunto, Pedro Siza Vieira, disse na quinta-feira ao Expresso que dois bancos já estariam “aptos a fazer operações” com “linha operacional para dar sequência às candidaturas” dos proprietários interessados em contrair empréstimos. Trata-se da Caixa Geral de Depósitos e da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCCAM)”.

Pedro Siza Vieira (à direita), na bancada do Governo, no Parlamento, ladeado por Eduardo Cabrita, seu antecessor como ministro-Adjunto FOTO MARCOS BORGA

Pedro Siza Vieira (à direita), na bancada do Governo, no Parlamento, ladeado por Eduardo Cabrita, seu antecessor como ministro-Adjunto FOTO MARCOS BORGA

No entanto, as duas entidades, contactadas esta sexta-feira, informaram que não estão ainda a disponibilizar qualquer serviço. A Caixa Geral de Depósitos não sabe “quando estará disponível” a linha de crédito, explicando fonte da Caixa que “há burocracias próprias do processo que estão ainda ser cumpridas”. Já para o Crédito Agrícola Mútuo, “o assunto está a ser tratado, mas ainda não está operacionalizado”.

Em nome do Estado, o processo é gerido pela Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM), entidade que tem mantido os contactos com a banca. No Governo, o dossiê está nas mãos de Pedro Siza Vieira.

Quatro bancos “a finalizar aspetos técnicos”

No “ponto da situação” feito ao Expresso, a fonte governamental indicou que as negociações com outros quatro bancos estão numa fase menos adiantada: EuroBIC, Santander, Millennium BCP e Novo Banco “aderiram ao protocolo” e “estão a finalizar aspetos técnicos”.

Do ponto de vista formal, o prazo para limpeza dos terrenos em redor das aldeias (para as quais foi dado um prazo mais dilatado) termina já na próxima segunda-feira, dia 30 de abril (recorde-se que a data para limpar as imediações de casas isoladas era 15 de março). No entanto, quando o Conselho de Ministros suspendeu a aplicação de coimas até 31 de maio, esta data acaba na prática por ser o limite para os trabalhos de desmatação e corte de árvores.

António Costa anunciou no Parlamento uma linha de crédito que ainda não chegou aos destinatários Foto António Pedro Ferreira

António Costa anunciou no Parlamento uma linha de crédito que ainda não chegou aos destinatários Foto António Pedro Ferreira

No debate quinzenal de 15 de março, quando anunciou a linha de crédito de 40 milhões de euros, António Costa disse que a medida visa, entre outras coisas, “facilitar o cumprimento da “legislação que obriga à limpeza das propriedades privadas” (uma “obrigação que impende em primeiro lugar sobre os proprietários”, recordou então). Tal linha de crédito foi assim um dos “mecanismos” criados pelo Governo para o “financiamento das operações de limpeza”, afirmou o primeiro-ministro.

Segundo foi então revelado pelo Executivo, aos proprietários individuais ficam alocados €10 milhões, destinando-se a maior fatia do bolo (€30 milhões) a empresas. Os tetos máximos por empréstimo são, respetivamente, de €100 mil e €500 mil.

Como toda a operação é avalizada pelo Sistema Nacional de Garantia Mútua (SNGM), isso implica que, pelo mecanismo de seguros e de resseguros, a banca sabe que nunca enfrentará créditos incobráveis. De um modo ou de outro, o Estado assegurará o pagamento de eventuais valores em dívida.

Os empréstimos a que poderão candidatar-se tanto as empresas como os proprietários individuais têm limites no cálculo dos valores, consoante as tipologias de operação aplicáveis a cada propriedade. Assim, para tarefas de fogo controlado, é estimado um máximo de €180/hectare; para uma operação mecânica (um trator com uma grade, por exemplo), o teto é de €200/hectare; e numa operação motomanual (uso de roçadora ou motosserra), o montante pode ascender a €500/hectare.

O montante do empréstimo para operação com uso de roçadora ou motosserra pode ascender a €500/hectare Foto Fernando Veludo / NFactos

O montante do empréstimo para operação com uso de roçadora ou motosserra pode ascender a €500/hectare Foto Fernando Veludo / NFactos

Podem candidatar-se à linha de crédito as micro, pequenas e médias empresas que possam comprovar a atividade referente a Organização de Produtores Florestais (OPF), Sociedades de Gestão Florestal (SGF), Empresas em Nome Individual não Associadas e Empresas Florestais (EF). No caso de proprietários individuais, terão de apresentar um comprovativo em como são os donos do terreno onde pretendem efetuar a limpeza.

A linha de crédito permite um pagamento do empréstimo até 10 anos, com um período de carência que pode chegar aos 36 meses. Só no caso de Empresas Florestais (EF) os prazos são diferentes: três a sete anos para amortizar a dívida e período de carência até 12 meses.

A variação dos prazos, de pagamento e de período de carência, prende-se com o perfil da entidade ou indivíduo que contrai o empréstimo (e também certamente o montante do mesmo), fatores que irão igualmente determinar os juros a cobrar em cada caso.