Bernardo Ferrão

Andamos nisto

Bernardo Ferrão

O PS de Ferro Rodrigues, de Ana Gomes e de Arons de Carvalho

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No congresso do PS de Lisboa, em 2014, havia um gigantesco elefante na sala. Sócrates acabara de ser preso preventivamente. António Costa pediu a todos que se concentrassem nos trabalhos e impôs-se um silêncio quase sepulcral. Os que falaram do ex-primeiro-ministro disseram pouco ou nada. Quatro anos depois, a Operação Marquês transformou-se numa pesada acusação de 4 mil páginas que nos revela um regime subvertido. E apareceram outros casos, como o de Manuel Pinho. O PS mantém o mesmo silêncio. Haverá questões mais importantes para discutir?

Há uma semana, assim que rebentou a notícia de Manuel Pinho, o “ministro avençado” de Ricardo Salgado, a eurodeputada Ana Gomes escrevia no twitter que o próximo congresso socialista era a “oportunidade para escalpelizar como [o PS] se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos”. Neste tempo de escândalo, Ana Gomes punha o dedo numa ferida que tantos insistem em não querer ver. Como se esperava, a sugestão não foi bem recebida. O presidente do PS, Carlos César, fragilizado com o caso das viagens e acossado com o manto de suspeição que recai sobre a classe política, atirou: “Não creio que essa questão deva fazer parte do congresso. A preocupação é utilizar este congresso no sentido de adaptar a reflexão partidária aos desafios mais emergentes: como será o emprego com o desenvolvimento da sociedade tecnológica e digital? Como evitaremos desigualdades? Como valorizar o trabalho? Essas questões é que são importantes para nós!”

Tenho sérias dificuldades em compreender a resposta de César não pela relevância que dá às questões que elenca, mas pela forma como arruma a sugestão de Ana Gomes na irrelevância. Sendo o PS um dos partidos fundadores da democracia e não querendo que “meia dúzia de pessoas manchem toda uma classe” como pode dizer que o partido está concentrado em desafios mais emergentes? Haverá maior emergência? O PS não se torna mais culpado por discutir o tema, bem pelo contrário, dá o exemplo, mostra que não há fantasmas nem temas tabu. Com casos vergonhosos a entrarem-lhe pela casa adentro, o silêncio dos socialistas pode ser confundido com uma tentativa de manter o atual estado de coisas. Um status quo de comportamentos desviantes que prejudica um país inteiro em benefício de uns poucos escolhidos ou eleitos. Bem sei que não há condenação na Operação Marquês nem sequer no caso Manuel Pinho, mas a acusação da primeira e a investigação da segunda são já de si suficientes para que se alastre uma sensação de indecência e impunidade que tem de acabar. O “eles são todos iguais” é demasiado poluidor para a sociedade que queremos ser.

Não alinho em causas ou desafios insuflados por comemorações nacionais. Falar de corrupção no palco do 25 de abril é importante, mas só o será de facto no dia em que deixemos de assobiar para o lado. Falo dos partidos, no plural, porque esta é uma questão que não diz respeito apenas ao PS. Atravessa toda a classe dirigente, o bloco central de interesses. Os chamados “homens BES” não estiveram apenas na órbita dos governos socialistas. Ferro Rodrigues deu um passo em frente ao propor a reforma do sistema político com medidas concretas. Mas no PS de Ferro também há Arons de Carvalho. O socialista, mandatário de Costa, que “não acha reprovável que uma pessoa viva com dinheiro emprestado”. Não admira que prefira manter o caso Sócrates à distância, na comodidade hipócrita de afastar a justiça para proteger a política. Arons, que foi jornalista e secretário de estado da Comunicação Social, diz que olha angustiado para a situação difícil dos media que veem a sua independência condicionada. Curioso, olho com a mesma angustia para este tipo de políticos que assim, de supetão, nos esfregam na cara o país que continuamos a ser.