Marcelo no Colégio Moderno

Mário Soares, o roxo, o rosa, o primeiro-ministro irritantemente otimista e o presidente realisticamente otimista

Uma longa aula de Marcelo Rebelo de Sousa, que a propósito de Mário Soares, serviu para falar do passado mas também da política atual

Uma longa aula de Marcelo Rebelo de Sousa, que a propósito de Mário Soares, serviu para falar do passado mas também da política atual

Marcelo Rebelo de Sousa foi esta quinta-feira de manhã ao Colégio Moderno para falar de Mário Soares. Uma longa “aula” onde destacou um dos “pais do país”. As perguntas dos alunos empurraram-no para outras dissertações. Marcelo acabou mesmo a falar da sua relação com António Costa, o primeiro-ministro “irritantemente otimista”

Texto Cristina Margato Fotos António Pedro Ferreira

A sessão começou ao som de violinos, um grupo do Colégio Moderno, e Marcelo Rebelo de Sousa continuou com aquilo que seria música para os ouvidos da jovem plateia que preencheu o ginásio do estabelecimento de ensino fundado pelo pai de Mário Soares, e até hoje dirigido pela sua filha, Isabel Soares. A propósito de liberdade e democracia, o Presidente da República foi lá para falar do seu antecessor Mário Soares, mas começou por dizer: “É fácil ser Presidente da República deste país. Sinto que o país é muito bom. Mas o melhor é a juventude. É espetacular o que cada um de vós vai dar ao país.”

Marcelo haveria de voltar ao tema da juventude e do Colégio, um dos melhores, como reconhecia a contragosto o pai do atual Presidente, figura do governo da ditadura com algumas dificuldades em reconhecer méritos ao que viesse do “reviralho”. “Venho falar de Mário Soares porque nos deixou há tão pouco tempo e porque amanhã faria 43 anos que voltou do exílio e que chegou à estação de Santa Apolónia. Puxar pelo país para cima é puxar pelas figuras importantes do país.”

“Era um latagão”

O atual Presidente da República pretende correr o país e visitar outros estabelecimentos escolares, e já decidiu que também irá falar às escolas frequentadas por Francisco Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal, “os quatro líderes dos principais partidos que estiveram na fundação da democracia”.

O que se seguiria a este preâmbulo seria uma longa dissertação sobre a biografia de Soares e a importância deste homem para a democracia portuguesa. Marcelo acredita que na definição de uma personalidade conta não só o ambiente em que a pessoa vive, mas também o que quer ser. E Mário Soares não fugiu à regra. A família, o pai, João Soares, a mulher, Maria Barroso, a quem dedicou vários elogios, foram mencionados por Marcelo para explicar o que esteve na fundação da personalidade de Mário Soares. O atual presidente também não não esqueceu o encanto de Soares nem a sua teimosia, a sua dureza quando era preciso enfrentar os conflitos, a sua adoração pela política: “Quando tinha uma ideia ninguém lha tirava da cabeça. Às vezes nem Maria de Jesus Barroso (...) Tinha uma grande coragem física e psíquica. Era um latagão.”

Isabel Soares, filha de Mário Soares, recebeu calorosamente Marcelo Rebelo de Sousa

Isabel Soares, filha de Mário Soares, recebeu calorosamente Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo lembrou a luta antifascista de Soares, “o facto de não ter sido o preso político que mais tempo passou na prisão mas o de ter tido o maior número de prisões”, com toda a instabilidade em que isso resultava para a sua família, para os filhos deste pai “endiabrado”, assim como a idade que Soares tinha quando se deu o 25 de Abril (“49 anos!”) ou a sua inesgotável vontade de se bater contra um regime que ninguém sabia quanto tempo levaria a cair. “Mais de metade da vida de Mário Soares é passada em ditadura”.

Marcelo recordou também a vez em que, enquanto subdiretor do Expresso, resolveu publicar um artigo de Mário Soares que Maria Barroso tinha ido entregar em mão ao jornal, em maio de 1973, numa ausência de Francisco Pinto Balsemão, “que tinha ido a Madrid”, furando a censura, não só nesse ato como em outros 83 cortes que a censura tinha feito.

Ganhar “tangencialmente, fresco que nem uma alface”

Para o atual Presidente Mário Soares teve duas vidas ou três... E a segunda, já depois do 25 de Abril, e da democracia, também não lhe foi fácil, lembrou Marcelo, nomeando o período pós-revolucionário, em que o socialista se bateu de novo pela liberdade e por uma democracia de tipo europeu, “que não era o modelo que Álvaro Cunhal queria”, ou os vários governos por onde passou, “quando todos estávamos a aprender a fazer a democracia”, até se candidatar a Presidente da República e ganhar “tangencialmente, por um Estádio da Luz, fresco que nem uma alface”, inaugurando um tipo de presidência que queria ficar próxima de todos, quando o “poder ainda tinha um aspeto distante, rígido, pesado...”

Ou mesmo essa terceira vida, aos 81 ou 82 anos, quando volta a ser candidato à presidência numa altura em que outros teriam preferido “estar junto da lareira a meditar, a ler, a escrever as suas memórias”.

Música. O grupo de violinos iniciou a conferência, com um tema de Joseph-Hector Fiocco e outro de Piazolla

Música. O grupo de violinos iniciou a conferência, com um tema de Joseph-Hector Fiocco e outro de Piazolla

Nem tudo foram rosas, porém, tendo em conta que, como Marcelo lembrou, várias vezes o criticou nas suas análises, ainda que sempre lhe tenha pedido opinião sempre que teve de tomar decisões importantes, como “pai do país”. “Mário Soares fez praticamente tudo o que sonhou, e sonhou com a liberdade, com a democracia, com a Europa, umas vez ganhando e outras perdendo….”

Uma vida notável, que pode ser encontrada já em “Portugal Amordaçado”, como Marcelo disse, respondendo à pergunta de um estudante sobre a importância dessa obra.

Costa e dez razões para o problema não ser problema

Foi aliás numa dessas respostas aos alunos, já depois de ter comentado os movimentos antieuropeístas, a esquerda e a direita, ou a evolução da educação em Portugal, assuntos sobre os quais o Presidente falou sempre dando o contexto histórico, que acabou por se afirmar um otimista. Não um “irritantemente otimista”, como o atual primeiro-ministro. Mas “um realisticamente otimista”.

“A diferença é a seguinte: há um problema qualquer e ele (o primeiro-ministro) encontra logo dez razões para o problema não ser problema. E eu tenho dificuldade em acompanhá-lo. Eu acho que há cinco razões para o problema não ser tão grave quanto isso... e há cinco para continuar a ser um problema. Ele olha para mim assim com um ar admirado e diz: ‘oh, Senhor Presidente, está a ser pessimista!’ E eu digo: ‘não, Senhor Primeiro-Ministro, irrita-me um bocadinho, porque é evidente que há problema e está a tentar explicar-me que não há esse problema, e não me entra na cabeça. E depois recorro a um argumento de autoridade, a que não se deve recorrer. Há cinquenta anos que analiso a política portuguesa (...) Não me venha dizer que roxo não é roxo, que é um violeta, sei lá o quê…. Como é que se chama a cor do PS? Rosa! Não, é roxo. Não é rosa’. Digo-lhe isso e já comparei roxo e rosa muitas vezes ao longo da vida.”

Depois das selfies oficiais dentro do ginásio da escola, vieram as selfies inesperadas, com os mais pequenos, que tinham ficado de fora

Depois das selfies oficiais dentro do ginásio da escola, vieram as selfies inesperadas, com os mais pequenos, que tinham ficado de fora

Em tom de despedida, antes das fotografias, Marcelo acrescentou que o balanço global é positivo, mas que o país será muitíssimo melhor quando um daqueles jovens chegar a Presidente da República. “Eu estarei lá em cima a aplaudir!”