Contas públicas

Défices públicos: os melhores e os piores do Portugal democrático

Se 2016 regista o menor défice público, com Mário Centeno à frente das Finanças, 1981 contabiliza o maior, com os ministros João Morais Leitão e João Salgueiro. Já Fernando Teixeira dos Santos tem dos piores défices… e dos melhores

Texto Sónia M. Lourenço

Foi um registo histórico, como Mário Centeno, ministro das Finanças, destacou: o défice das contas públicas em Portugal fechou o ano passado nos 2,1% do PIB, o valor mais baixo da história da democracia. O mais baixo, mas por pouco. Em 1989, no segundo governo de Cavaco Silva, o ministro das Finanças Miguel Cadilhe conseguiu alcançar um saldo negativo das contas públicas de 2,13% do PIB. A diferença ficou nas centésimas.

No extremo oposto fica o ano de 1981, quando Francisco Pinto Balsemão liderava o governo, com um défice de 12,46% do PIB. Seguido por 2010. No ano anterior ao pedido de ajuda internacional – e chegada da troika a Portugal pela terceira vez em democracia – e Fernando Teixeira dos Santos na pasta das Finanças (e José Sócrates à frente do governo), o saldo negativo das contas públicas chegou aos 11,17%. Teixeira dos Santos esteve, aliás, entre os melhores resultados do défice – no primeiro governo de José Sócrates – e os piores – no segundo governo de Sócrates.

Os défices mais baixos

2016
Défice público 2,06% do PIB
Ministro das Finanças Mário Centeno
Primeiro-Ministro António Costa


Portugal fechou o ano passado com o défice mais baixo da sua história democrática, ficando até abaixo da meta prevista pelo governo no Orçamento do Estado para 2016 (2,2%). Um resultado alcançado em ano de reversão dos cortes salariais na função pública, mas que contou com a travagem no investimento e algumas ajudas extraordinárias, como o Programa de regularização das dívidas ao Fisco e à Segurança Social (PERES), que rendeu 588 milhões de euros só em 2016. Certo é que este défice abre caminho á saída de Portugal do procedimento por défices excessivos (PDE) da Comissão Europeia. Aliás, o comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, já afirmou, numa entrevista ao jornal italiano La Repubblica, que "Portugal vai sair em breve" do PDE.

1989
Défice público 2,13% do PIB
Ministro das Finanças Miguel Cadilhe
Primeiro-Ministro Cavaco Silva


Com a economia a crescer 6,3%, impulsionada pelos fundos estruturais da União Europeia (então Comunidade Económica Europeia), Portugal registou em 1989 o segundo défice mais baixo da democracia. A diferença em relação a 2016 fica nas centésimas: 2,13% em 1989, contra 2,06% em 2016. Miguel Cadilhe era ministro das Finanças e Cavaco Silva liderava o governo, na sua primeira maioria absoluta. Para além do forte crescimento económico, as contas públicas contaram com uma ajuda adicional extraordinária: uma receita fiscal acrescida, resultante da cobrança, em simultâneo, do Imposto Profissional e do novo IRS, que o veio substituir.

1992
Défice público 2,95% do PIB
Ministro das Finanças Jorge Braga de Macedo
Primeiro-Ministro Cavaco Silva


Com o PIB a crescer quase 4% e o desemprego nos 4,1%, o défice das contas públicas fica nos 2,95% do PIB. Estávamos na segunda maioria absoluta de Cavaco Silva, e Jorge Braga de Macedo era o ministro das Finanças. É também o ano da adesão portuguesa ao Mecanismo de Taxas de Câmbio europeu (MTC), levando o escudo a sofrer o impacto das crises cambiais em que mergulharam as economias europeias. Como resultado, o ano seguinte é de recessão em Portugal e a crise arrasta-se até 1995.

2007
Défice público 3,01% do PIB
Ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos
Primeiro-Ministro José Sócrates


Começou por ser de 2,6%, mas o défice de 2007 acabou por ser revisto pelo Eurostat para 3,01% do PIB, fruto da contabilização de despesas com empresas públicas e Parcerias Público-Privadas. Mesmo assim, é um dos mais baixos da democracia portuguesa. Estávamos no primeiro governo de José Sócrates, Teixeira dos Santos era ministro das Finanças, e a economia crescia 2,5% nesse ano, o valor mais alto desde 2000. Mas, em 2008 rebenta a crise financeira internacional, com ondas de choque pelo globo, e a economia portuguesa acaba por estagnar.

1999
Défice público 3,03% do PIB
Ministro das Finanças António de Sousa Franco (até outubro) e Joaquim Pina Moura (de outubro em diante)
Primeiro-Ministro António Guterres


No último ano do primeiro governo de António Guterres, com a economia a crescer 3,9%% e o desemprego pouco acima dos 4%, o défice fechou 1999 nos 3,03% do PIB. Foi também ano de eleições legislativas, que reconduziram Guterres à frente do governo. Eleições que significaram mudança de titular na pasta das Finanças: António de Sousa Franco, o ministro das Finanças do primeiro governo de Guterres dá lugar em outubro de 1999, após as eleições, a Joaquim Pina Moura, que vai acumular a pasta das Finanças e da Economia.

Os défices mais altos

1981
Défice público 12,46% do PIB
Ministro das Finanças João Morais Leitão (até setembro) e João Salgueiro (de setembro em diante)
Primeiro-Ministro Francisco Pinto Balsemão


No ano em que Francisco Pinto Balsemão assume a liderança do governo PSD, CDS, PPM, após a morte de Sá Carneiro em dezembro de 1980, o défice público chegou aos 12,46% do PIB, o maior da democracia portuguesa. Na pasta das Finanças estava João Morais Leitão (de janeiro a setembro), seguido por João Salgueiro (a partir de setembro). Portugal vive um período de abrandamento da procura externa, sofrendo com a nova subida dos preços do petróleo, na sequência do aumento da tensão no Médio Oriente (que culmina com Israel a anexar os montes Golan, em dezembro). O resultado é um forte agravamento do défice externo e do défice público, com a inflação a ultrapassar os 19%.

2010
Défice público 11,17% do PIB
Ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos
Primeiro-Ministro José Sócrates


Poucos meses antes da chegada da chegada da troika a Portugal, as finanças públicas davam o alerta. O défice fechou 2010 nos 11,17%, o segundo maior da história da democracia portuguesa. Com os juros da dívida já a caminho dos 7% e a crise da dívida soberana a desenhar-se na Europa – com os resgates à Grécia e à Irlanda – o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, anuncia medidas duras para 2011, com destaque para os cortes dos salários na função pública acima dos 1500 euros – em 2009 tinha havido aumentos de 2,9% - e a subida do IVA de 21% para 23%. Mas, o desfecho é conhecido: em abril de 2011, o primeiro-ministro José Sócrates anuncia o pedido de ajuda internacional.

1985
Défice público 10,28% do PIB
Ministro das Finanças Ernâni Lopes (até novembro) e Miguel Cadilhe (de novembro em diante)
Primeiro-Ministro Mário Soares (até novembro) e Cavaco Silva (de novembro em diante)


Portugal acabava de sair da segunda intervenção do FMI, marcada pela austeridade, com o desemprego acima dos 10% e a inflação na casa dos 19%. O défice fecha o ano nos 10,28%. O governo do Bloco Central, liderado por Mário Soares, acaba em escombros, depois de Cavaco Silva ascender à liderança do PSD (em maio de 1985). Em outubro, o PSD ganha as eleições legislativas, dando início ao Cavaquismo em Portugal.

1984
Défice público 10,17% do PIB
Ministro das Finanças Ernâni Lopes
Primeiro-Ministro Mário Soares


Com o FMI em Portugal pela segunda vez (chegou em 1983), estávamos no tempo do Bloco Central, com Mário Soares à frente do governo. Com o desemprego acima dos 10%, a inflação quase nos 30% e uma dívida externa galopante, em resultado da subida das taxas de juro internacionais, o défice público chegou aos 10,17%. O acordo com o FMI ficou marcado pela austeridade: aumento de preço dos bens essenciais, desvalorização do escudo, congelamento dos investimentos públicos, descida dos salários reais (subida nominal abaixo da inflação) e subida de impostos.

2009
Défice público 9,81% do PIB
Ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos
Primeiro-Ministro José Sócrates


O ano foi de eleições legislativas – que reconduziram José Sócrates à frente do governo – e de aumento dos funcionários públicos em 2,9%. Dois anos depois, o governo iniciou a aplicação de cortes salariais sobre esses mesmos funcionários entre 3,5% e 10%, para os vencimentos acima dos 1500 euros. Cortes que se prolongaram nos anos seguintes e só em 2016 acabaram de ser revertidos. Com a crise financeira internacional a mergulhar o mundo em recessão, a economia portuguesa encolheu 2,9%. Mas, o pior estava ainda para vir. Dois anos depois a troika chegava ao país e com ela os tempos de recessão e austeridade.