Investigação

A conta secreta do clã Erdoğan em Malta

 Foto Getty

Foto Getty

Enquanto o escândalo político sobre os negócios obscuros do presidente da Turquia tem vindo a aumentar de tom em Ancara, um escritório de advogados em Malta admite que abriu uma conta bancária para os esquemas offshore ligados ao clã Erdoğan. Documentos obtidos pelo EIC, um consórcio europeu de jornalismo de investigação de que o Expresso faz parte, sugerem que as regras de prevenção de lavagem de dinheiro foram violadas neste caso

Texto Craig Shaw, “The Black Sea” e EIC (European Investigative Collaborations)

Como é que se monta uma conta bancária quando se tem um negócio ligado à figura política mais poderosa da Turquia?

Este foi o dilema enfrentado pelos turcos que estão por trás de uma empresa em Malta, a Pal Shipping Trader One Ltd, que em 2013 implicou a abertura de uma conta para que fossem depositados os cheques de reembolso do IVA de um negócio secreto com petroleiros.

Em abril de 2013 a Pal Shipping abordou a Credence Corporate Advisory Services, um escritório de advocacia maltesa “especializado em estruturas complexas para uma clientela predominantemente internacional”. Os advogados da Credence predispuseram-se a ajudar.

A Credence abordou alguns dos principais bancos que operam em Malta, como o IIG, o Banco Nacional da Grécia (NBG) e o Banco de Valletta. Embora os representantes da Credence tenham fornecido algumas referências bancárias e fotocópias dos passaportes dos administradores turcos da Pal Shipping, a resposta dos bancos foi unânime: precisamos de mais informações.

De acordo com os e-mails obtidos pela European Investigative Collaborations (EIC) e The Black Sea como parte do projeto #MaltaFiles, um gestor sénior do Banco de Valletta em Malta escreveu à Credence: “Seria bom se pudessem fornecer-nos endereços de email para podermos confirmar as referências que nos enviaram, pois não existem detalhes de contacto” . A Credence, aparentemente, recusou-se a enviar esses endereços de email.

Quem estava por trás da empresa?

Poucas semanas depois, o escritório de advogados recebeu uma resposta similar da filial maltesa do NBG: “Em relação às exigências regulatórias”, escreveu um gestor do NBG, “os processos de dever de diligência descritos em baixo devem ser concluídos para permitir a abertura de uma conta para uma [entidade] empresarial”. Entre os documentos adicionais pedidos pelo gestor bancário estavam declarações assinadas pelos acionistas e verdadeiros beneficiários da Pal Shipping Trader One Ltd, bem como a entrega de demonstrações financeiras.

O banco precisava ter a certeza sobre quem estava por trás da empresa e sobre qual eram as fontes do seu dinheiro.

Esta exigência de compliance é uma obrigação legal a que estão sujeitos os bancos, as empresas de contabilidade, os escritórios de advocacia e outras entidades que lidam como intermediários ou dão assistência a esquemas que envolvem transações financeiras. O processo destina-se a combater o branqueamento de capitais internacional, o financiamento do terrorismo, o crime organizado e a corrupção.

Responder ao menor número possível de perguntas

Para a Credence e para os seus clientes turcos, essa responsabilidade estava a ser demasiado pesada. Pelo que se percebe da fuga de informação a que o EIC teve acesso, parece que eles queriam simplesmente responder ao menor número possível de perguntas.

Georgina Kristic-Ficur, gestora de portfolio da Credence, explicou o problema a um dos partners seniores do escritório de advogados, Andrew Cefai, especializado em contabilidade e tesoureiro da Câmara de Comércio Malta-Espanha. “Sondei todos os bancos com os quais nós normalmente trabalhamos e parece que os procedimentos de dever de diligência em todos eles se tornaram quase idênticos”, escreveu ela. “Por essa razão, é muito improvável que possamos abrir uma conta bancária para a Pal Shipping Trader One, para depositar os cheques de IVA em nome da empresa.”

O cunhado e o filho do amigo

Por que é que uma empresa com um negócio honesto teria relutância em dar os elementos necessários a um banco?

Kristic-Ficur, a gestora de portfolio, deu ainda mais explicações na sua troca de emails: os clientes “vão abandonar a ideia da conta, uma vez que recolher, certificar e enviar todos os documentos necessários lhes custará tempo e dinheiro que eles não estão prontos a despender neste momento”.

Mas os bancos também poderiam ficar preocupados caso percebessem que a Pal Shipping era detida efetivamente pela família de Recep Tayyip Erdoğan — o então polémico primeiro-ministro da Turquia, e agora o seu polémico Presidente.

O proprietário declarado da empresa — e um dos seus administradores — é Ziya Ilgen. Um antigo professor, Ilgen é cunhado de Erdoğan, tendo assumido os interesses privados do líder turco quando este entrou na política. Um outro administrador da empresa de transporte marítimo é Bahaddin Ayan, filho de um dos amigos mais próximos de Erdoğan.

O circulo encantado de Erdoğan

A existência do esquema offshore dos Erdoğans foi revelada pela primeira vez pelo The Black Sea (theblacksea.eu) e pelos seus parceiros de media da rede EIC em maio deste ano como parte dos artigos de investigação dos #MaltaFiles (https://theblacksea.eu/malta-files/article/en/erdogan-family-secret-offshore-ship-deal).

Através de companhias offshore incorporadas na Ilha de Man e em Malta, os Erdoğans eram donos em segredo de um petroleiro no valor de quase 25 milhões de dólares chamado Agdash.

A partir de documentos públicos e de ficheiros internos da Credence, obtidos pelo EIC, esta investigação explora os detalhes de como os Erdoğans parecem não ter pago nada pelo navio-tanque Agdash.

A honra de pagar a conta de 25 milhões de dólares — que foi quanto custou comprar o navio — foi para dois empresários da Turquia, de acordo com a investigação feita pelo EIC.

Pagamentos em troca de “incentivos públicos”

Um desses empresários é Mübariz Mansimov, o presidente turco-azeri do Palmali Group, um grupo especializado em transporte marítimo e com sede em Istambul. Grande parte do negócio da Mansimov está registado em Malta, onde as leis fiscais são favoráveis para o setor marítimo.

O outro empresário que financiou a compra do Agdash é Sitki Ayan, um amigo de infância de Erdoğan, que continua próximo o suficiente para tratar o Presidente pelo seu primeiro nome. Ayan foi acusado em 2013 de pagar milhões a Erdoğan em subornos em troca da aprovação de um pacote de três mil milhões de dólares em “incentivos públicos” para um projeto de oleoduto.

No final de novembro de 2017 um escândalo político rebentou na Turquia, impulsionado pelo divulgação de documentos bancários pelo líder do maior partido da oposição, CHP, Kemal Kılıçdaroğlu. Os documentos parecem mostrar 15 milhões de dólares em pagamentos a membros do clã de Erdoğan, incluindo Zica Ilgen mas também Mustafa e Ahmet Burak Erdoğan (o irmão e o filho mais velho do presidente), Osman Ketenci (sogro de Ahmet Burak) e Mustafa Gundogan, um dos amigos mais próximos de Erdoğan e que é referido como tendo já trabalhado como seu assistente pessoal.

Esses milhões foram transferidos em segredo de uma conta no banco turco HalkBank titulada por uma companhia offshore da Ilha de Man chamada Bellway Limited para o clã Erdogan ao longo de várias semanas, entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012.

A Bellway está oficialmente por detrás da Pal Shipping Trader One, do petroleiro Agdash e de duas outras companhias que também aparecem nesta complexa estrutura offshore: a Bumerz Limited, também incorporada na Ilha de Man, e a Bumerz Denizcilik, sediada em Istambul. Estas empresas foram criadas pela família Erdoğan e pelos seus amigos em 2007 e 2008.

Conflito para “controlar a narrativa”

Semanas após essas revelações, o conflito entre o AKP de Erdoğan e a oposição do CHP continua, com ambas as partes a lutar para controlar a narrativa sobre o significado dos documentos bancários e dos negócios offshore da família do presidente.

Um deputado do CHP tentou mostrar os documentos do registo comercial da Ilha de Man no Parlamento turco no início deste mês. Um dos membros mais destacados do AKP, Mustafa Elitaş, ex-ministro da economia, rasgou esses documentos como forma de protesto. No canal de televisão CNN Turk, Elitaş culpou os Estados Unidos pelo caso. Outro deputado do CHP escreveu no Twitter que este é o maior escândalo da história da Turquia.

Mas como é que a família de Erdoğan conseguiu conduzir negócios com um esquema offshore sem que houvesse qualquer escrutínio durante quase dez anos? A resposta não é surpreendente.

Empresas como a Credence e a fornecedora de serviços fiduciários Equiom — que controlava as companhias Bumerz e Bellway na Ilha de Man — preferiram ignorar as suas responsabilidades.

As exigências dos bancos

A falta de vontade de um cliente para fornecer informação deveria ter feito soar o alarme na Credence, que está sujeita às leis maltesas, às diretivas comunitárias da União Europeia e a outras leis globais de prevenção do branqueamento de capitais e tem a obrigação de investigar qualquer comportamento suspeito e eventuais conexões políticas das empresas que administra.

Várias investigações jornalísticas ao mundo das jurisdições offshore têm vindo a expor a forma como esse sistema sombrio é usado de forma abusiva e, muitas vezes, com o pleno conhecimento das empresas de contabilidade e dos escritórios de advogados envolvidos.

No caso de Erdoğan, a Credence parece ter feito mais do que apenas fechar os olhos, contornando de forma próativa a lei para poder proteger a família do presidente.

Vista de Malta Foto Getty

Vista de Malta Foto Getty

Quando os bancos de Malta pediram mais documentação sobre a Pal Shipping na primavera de 2013, Kristic-Ficur, gestora da Credence, ofereceu uma solução preocupante. Ela sugeriu ao partner Andrew Cefai que a Credence usasse a sua própria conta bancária para aceitar os cheques da Pal Shipping. “Nós até podemos pedir ao banco para creditar esses valores na nossa conta e transferir de forma automática os fundos para a conta da Pal-Shipping no estrangeiro”, acrescentou. Ela advertiu, no entanto, que “esse procedimento não era permitido noutros bancos”.

Uma bandeira vermelha

A troca de e-mails entre Cefai e Kristic-Ficur contida na fuga de informação obtida pelo EIC é interrompida nesse momento. Não se sabe como acabou essa discussão. Outros documentos revelam, no entanto, que alguns meses depois a Pal Shipping tinha uma conta aberta no Banco de Valletta. Não estava em seu próprio nome, mas era uma “conta de cliente” registada pela Credence.

“A falta de vontade das partes para fornecer a documentação necessária a um banco funciona como uma bandeira vermelha”, diz Burke Files, um especialista da Financial Examinations & Evaluations, uma empresa norte-americana de investigação a offshores e gestão de risco, que ensina procedimentos de dever de diligência a instituições financeiras de todo o mundo, incluindo a bancos em Malta.

“Os bancos em Malta fizeram exatamente o que deveriam fazer. Exatamente”, acrescenta. “Para que o escritório de advocacia entre depois em cena e ofereça-se como intermediário financeiro é algo incrivelmente perigoso para a saúde financeira dos partners do escritório”.

“Foi para este tipo de relação rastejante, que vai crescendo a partir do momento que se ignoram conflitos de interesses, que os reguladores financeiros internacionais advertiram há 20 anos”, admite Burke. A Credence não só ajudou os turcos com os seus problemas de dever de diligência como também protegeu os Erdoğans da atenção indesejada dos reguladores financeiros e dos funcionários dos departamentos de compliance.

A Autoridade dos Serviços Financeiros de Malta, que regula o sector empresarial e bancário local, disse ao The Black Sea que se um cliente não estiver disposto ou não for capaz de fornecer informação suficiente para os procedimentos de dever de diligência quando isso lhe é solicitado, os fornecedores de serviços como a Credence “não realizarão qualquer transação através da conta [bancária]..., não estabelecerão qualquer relação comercial e terminarão o relacionamento com o cliente”.

“Além disso [a Credence] deve considerar a entrega de um STR [Relatório de Transação Suspeita] à Unidade de Análise de Informação Financeira” — a agência do governo maltês responsável pela luta contra o branqueamento de capitais. A Credence disse ao The Black Sea que não violou nenhuma das suas obrigações legais, sublinhando que a empresa não tinha motivos para suspeitar que os seus clientes estavam envolvidos em algo ilegal.

Em poucos meses iam passar a ter motivos para suspeitar.

As caixas de sapato e o cofre

Na manhã de 17 de dezembro de 2013, a polícia turca invadiu as casas de vários deputados do AKP e dos seus filhos, além de ter feito o mesmo a vários empresários destacados. Os polícias encontraram dezenas de milhões em dinheiro, escondidos em caixas de sapatos e em cofres.

As investigações foram orquestradas por elementos do poder judiciário e da polícia favoráveis a Fethullah Gülen, um líder religioso muçulmano, agora auto-exilado nos EUA, que esteve em guerra com Erdoğan pelo controlo das instituições do Estado turco.

A ação policial tinha uma motivação política. Mas o dinheiro encontrado era muito real. Erdoğan e o seu governo AKP enfrentaram uma crise existencial nesse momento.

O dinheiro apanhado naquele dia está ligado à operação de contrabando de ouro do Irão montada pelo empresário Reza Zarrab, que atualmente tem estado a fornecer provas no julgamento em Nova Iorque de Mehmet Hakan Atilla, gestor do banco público turco HalkBank e acusado de “orquestrar” o esquema corrupto.

Zarrab admitiu em tribunal ter pago milhões em subornos a políticos de topo para facilitarem um acordo ilegal de troca de ouro por petróleo com o Irão através de bancos turcos.

Embora não haja provas diretas de que Erdoğan beneficiou financeiramente dessa conspiração, escutas telefónicas que foram divulgadas na internet envolvem-no noutros esquemas. Uma escuta em particular sugere que ele organizou subornos pagos por Sitki Ayan através do filho, Bilal.

Ordens para fazer desaparecer dinheiro

Outra fuga de informação libertada alguns dias mais tarde foi ainda pior para o presidente turco.

Várias conversas supostamente tida no dia das incursões da polícia parecem mostrar Erdoğan a dar instruções à sua família, incluindo aos seus filhos, ao seu irmão e ao “tio Ziya”, para fazerem desaparecer dezenas de milhões do cofre da família.

Foto getty

Foto getty

Esses eventos não preocuparam, pelos vistos, a equipa da Credence.

Mesmo com as notícias sobre o escândalo de corrupção da Turquia a ser difundidas no mundo inteiro, aquele escritório de advocacia em Malta continuou a gerir a Pal Shipping Trader One e tratou inclusive das contas anuais da empresa que detalhavam o estranho acordo com Mübariz Mansimov e o Palmali Group e com um grupo de companhias offshore claramente vinculadas aos Erdoğans.

Apesar da suspeita de que alguns dos homens mais ricos da Turquia não estavam apenas a subornar Erdoğan, mas estavam também a ajudar esconder seu dinheiro, a Credence não viu nenhum problema em ajudar a Pal Shipping a abrir uma nova conta bancária quando isso lhe foi pedido em 2015. Mesmo tendo o pedido vindo de um funcionário de Sitki Ayan, o amigo de infância do presidente.

Foi a Credence que confirmou a existência de uma conta bancária offhsore. Ao responder às perguntas do The Black Sea sobre a situação atual da “conta do cliente”, um representante disse que a Pal Shipping “abriu efetivamente uma conta com uma instituição de crédito maltesa”.

Os registos internos da empresa indicam que a Credence cobrou 85 euros por esse serviço.

É possível que a admissão por parte da Credence de que a Pal Shipping tem uma conta bancária offshore secreta em Malta provavelmente criará mais um escândalo para os Erdoğans na Turquia, enquanto a oposição luta para provar que a família do presidente tem estado a agir de forma errada e a ocultar património no estrangeiro.

A Credence não divulgou qual é o banco que detém essa conta, ou se os procedimentos de dever de diligência foram corretamente seguidos desta vez.

Nessa altura, o rasto deixado pelos documentos mudou de rumo. No final de 2015, Ziya IIgen já não estava registado como administrador da Pal Shipping, nem das outras empresas de Erdoğan que existem na Turquia e na Ilha de Man.

Ilgen foi substituído pelo filho de Sitki Ayan, Bahaddin (também conhecido como Bahattin). Ilgen, no entanto, ainda estava envolvido nos negócios.

A Credence abriu uma conta bancária a pedido de um outro cidadão turco, Yusuf Alapan. Alapan foi autorizado a lidar com a Credence através de uma carta assinada por Ilgen a 25 de agosto de 2014. Nesta carta, Alapan coloca como seu endereço as instalações da Som Petrol, uma trading petrolífera que faz parte do ASB Group, controlado por Sitki Ayan. Alapan, que se descreveu como um “especialista em desenvolvimento de negócios” para a ASB, foi apenas o mais recente de uma linha de funcionários de Ayan que tratou das relações com a Credence. Todos foram autorizados por escrito por Ilgen a agir em seu nome.

O cunhado de Erdoğan não é um PEP

Durante as discussões sobre a conta bancária em outubro de 2015, Yusuf Alapan levantou a questão do contrato de serviço entre a Credence e a Pal Shipping.

Alapan referia-se a um documento assinado por Ziya Ilgen a 14 de novembro de 2011 e que permitia à Credence atuar em nome da empresa em Malta.

Uma cópia desse documento, obtido pelo EIC e pelo The Black Sea, revela provas adicionais de que os Erdoğans andavam deliberadamente a evitar serem escrutinados — e que Ilgen parece ter quebrado as leis anti-lavagem de dinheiro da União Europeia e dos EUA.

Em resumo: Ilgen, o “beneficiário efetivo” da Pal Shipping Trader One, declarou não ser uma “pessoa politicamente exposta”, um conceito também conhecido como PEP.

Na linguagem offshore, um PEP é um termo usado para descrever indivíduos com “elevado risco” de estarem envolvidos em esquemas de corrupção. A definição legal de PEP em Malta e na maior parte do resto do mundo inclui “membros da família nuclear, ou… pessoas próximas” de funcionários destacados do governo. Por outras palavras, pessoas como Ilgen, os Erdoğans e talvez até os Ayans.

A Credence não negou conhecer a ligação de Ilgen à família mais importante da Turquia e disse ao The Black Sea que não o consideravam — apesar de ser cunhado de Erdoğan — uma “pessoa politicamente exposta”. Não que isso seja importante. Os procedimentos internos da Credence, segundo eles próprios justificaram, “não proíbem perentoriamente o acolhimento e atendimento de clientes que possam ser pessoas expostas politicamente, mas preveem a necessidade de realizar medidas reforçadas de dever de diligência nesses casos”.

O especialista norte-americano Burke Files discorda desse entendimento. “Não apenas membros da família, mas também pessoas próximas e, acrescento eu, pessoas não relacionadas podem ser PEP”, diz Burke. “A definição dr PEP que eles [a Credence] têm é muito datada, remonta a um enquadramento obsoleto e inútil”.

Na verdade, no seu contrato de serviço com a Credence, Ilgen coloca como seu endereço a Rua Gurgen no bairro de Burhaniye, no lado asiático de Istambul. Embora não mencione um número de porta específico, esta é a localização da casa da família Erdoğan, até ele ser sido eleito primeiro ministro em 2003.

Família do Presidente ficou em silêncio

Mesmo que a Credence não soubesse disso, sabia pelo menos que a estrutura do negócio dos Erdoğans tinha por trás a Bumerz Limited na Ilha de Man, e depois a Bumerz Denizcilik em Istambul, as duas empresas que foram criadas pela família do presidente entre 2007 e 2008. No momento em que a família assumiu a Pal Shipping em 2008, toda a operação era detida por Ziya Ilgen, Mustafa e Ahmet Burak Erdoğan, Ketenci e Gundogan.

Estas são as pessoas que, algumas semanas depois de Ilgen ter assinado o seu contrato de serviço em 2011, receberiam 15 milhões de dólares, como revelou o partido da oposição CHP no mês passado.

A Credence não foi a única empresa a ajudar os Erdoğans. As questões relacionadas com o dever de diligência envolvem a Eqiuom, a empresa de serviços fiduciários da Ilha de Man. Desde o início de 2011 a Eqiuom geriu a Bumerz Limited e colocou funcionários seus como administradores, ao lado de Ziya Ilgen. Alguns meses depois, eles ajudaram Ayan a estabelecer a Bellway Limited e a trabalhar com a Pal Shipping em Malta.

De acordo com as informações divulgadas pelo partido CHP, na Turquia, a Equiom recebeu milhares da conta turca da Bellway em 2011, correspondendo provavelmente ao pagamento pelos serviços prestados. O diretor de comunicação da Equiom recusou-se a confirmar ou a negar ao The Black Sea as transações com Bellway e se sabiam que estava a trabalhar com os Erdoğans.

A família do presidente turco não respondeu a qualquer questão.