Daniel Oliveira

Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

Peço desculpas pelos CTT

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Sobre a situação calamitosa dos CTT já escrevi, ainda antes de as coisas se terem tornado num tema do debate político, na edição semanal do Expresso. Isso levou, aliás, a uma reação de António Pires de Lima e a uma nova resposta minha.

Depois disso, foi anunciada uma “reestruturação” (despedimentos na novilíngua) de 800 trabalhadores. A empresa apressou-se a esclarecer que não serão despedimentos, mas saídas naturais. Tão naturais que acontecerão todas ao mesmo tempo. Reformas antecipadas e acordos amigáveis. A pressão que tantas vezes se aproxima do assédio moral vai começar nos Correios, como está a acontecer na PT. Os mercados reagiram bem. Aliás, as ações, em queda livre desde a privatização, só recuperam quando se anunciam despedimentos. É natural: com investidores “toca e foge”, que compraram ações dispersas em bolsa e que apenas procuram rendimento rápido, o futuro da empresa não é especialmente importante. O que é relevante é quanto sobra para o saque.

Parece que a privatização dos CTT, que perdeu cota de mercado no negócio que está em crescimento, criou um banco que está a ser um fiasco, está a cair em todos os indicadores de qualidade e perdeu, em poucos meses de experiência privada, centenas de milhões em valor, foi excelente. Não fosse a minha teimosia ideológica, agradeceria a Lacerda e Pires de Lima os serviços prestados à nação

Junto com o anúncio da redução de mais 800 trabalhadores, veio a redução em 25% dos rendimentos da administração, uma das mais bem pagas no PSI20. Socorro-me dos argumentos de mercado que costumam ser usados para explicar estes salários milionários: se lhes tiraram um quarto do rendimento e mesmo assim eles ficaram, isso quer dizer que recebiam 25% a mais. Arrisco-me a dizer que, perante os resultados, uma “restauração” da administração seria plenamente justificada. São eles - e não os trabalhadores, que antes de eles chegarem mantinham a empresa em boas condições - que estão a destruir os CTT. Mas, como sempre, não é quem faz asneira que paga as favas.

Entretanto, começa o debate se os CTT podem manter, com a perda acelerada da qualidade que distinguia a empresa pública em Portugal e na Europa, o contrato de concessão que têm com o Estado. Francisco Lacerda, que poderá bater o recorde de rapidez na destruição de uma grande empresa, veio já avisar que isso levaria a mais despedimentos. Não o dele, claro está, mas dos trabalhadores. É esta a chantagem perante o Estado: os trabalhadores são nossos reféns, se nos tocam quem paga são eles.

Mas no fim, parece que quem foi contra esta idiota privatização é que tem de pedir desculpas. Porque tinha razão e, diz-se, anda contente por a ter. Ficam aqui as minhas desculpas. Tenho a certeza que Lacerda, Pires de Lima e todos os que, no fim, arranjam sempre forma de ter razão quando os factos os desmentem, me perdoarão. A privatização dos CTT, que fez entrar uma empresa saudável (tão saudável que foi um sucesso em bolsa) em colapso, afinal foi excelente. Perdeu cota de mercado no negócio que está em crescimento (as encomendas) mas foi excelente. Está mais dependente do negócio em decadência (o correio postal endereçado) mas foi excelente. O banco que criou está a ser um fiasco mas foi excelente. Está a cair em todos os indicadores de qualidade mas foi excelente. Era uma empresa de referência e está em risco de perder a concessão mas foi excelente. Perdeu, em poucos meses de experiência privada, centenas de milhões em valor mas foi excelente. Não fosse a minha teimosia ideológica, reconheceria a evidência e agradeceria a Lacerda e Pires de Lima os serviços prestados à nação.