Chamem-me o que quiserem
Henrique Monteiro
Fogos: ter razão 12 anos antes
No último fim de semana, António Costa e o conjunto do seu Governo deram finalmente razão a um relatório que há 12 anos, António Costa, o seu primeiro-ministro, José Sócrates, e o conjunto do seu Governo tinham mandado para a gaveta Fogos: 12 anos depois, António Costa chama para liderar a unidade de missão sobre os fogos florestais um dos braços direitos do coordenador desse relatório – Tiago Oliveira. 12 anos depois o especialista pensa o mesmo, mas Costa foi obrigado pela realidade a aceitar o que recusou.
Esta história vem toda contada no último Expresso, assinada por Filipe Santos Costa. É, acima de tudo, uma lição de como funciona o poder em Portugal. Este ou outro, porque estou em crer que são todos iguais neste tipo de decisões.
O relatório em causa tinha sido encomendado pelo Governo anterior, chefiado por Santana Lopes, ao Instituto Superior de Agronomia. Um grupo de especialistas debruçou-se sobre a questão dos fogos florestais e produziu um documento no qual se propunha alterar o paradigma do combate. De que forma? Privilegiando a prevenção.
Em 2005, data em que Costa era ministro de Estado e da Administração Interna, aconteceram uma série de incêndios. O Governo também se reuniu a um sábado, mas atirou para a gaveta este relatório, e decidiu reforçar os meios de combate. Criou a Autoridade Nacional de Proteção Civil, deu mais meios aos bombeiros, arranjou meios aéreos e acabou por ratificar, com algumas mudanças, o SIRESP. Literalmente mandou às malvas o Plano Nacional de Defesa de Floresta Contra Incêndios elaborado pelos especialistas.
Limpar florestas nunca pode competir, em termos de comunicação, com um bom helicóptero ou um autotanque que seja
Tiago Oliveira, nome contestado pelo Bloco de Esquerda, essencialmente por trabalhar na Navigator (ex-Portucel) e também porque o Bloco tem de contestar alguma coisa, defendia na altura o que defende hoje: passar a prioridade do combate para a prevenção; juntar numa única entidade a gestão, prevenção e combate aos incêndios; profissionalizar essa estrutura; dar mais formação e profissionalização aos bombeiros, etc.
Por que razão foi esta visão recusada em 2005? Essencialmente porque é mais cara no curto prazo (o então ministro da Agricultura, Jaime Silva, queixou-se de que não haveria dinheiro, embora o coordenador-geral do estudo demonstrasse que se tratava de valores como meio Canadair ou três quilómetros de autoestrada, em termos simples). E, sobretudo, porque é muito menos vistosa do ponto de vista público. Limpar florestas nunca pode competir, em termos de comunicação, com um bom helicóptero ou um autotanque que seja. “Impõe-se reconhecer que não é razoável exigir a defesa do que não é defensável, nem é aceitável continuar a procurar ‘bodes expiatórios’, como o incendiarismo e ‘soluções miraculosas’ como os meios aéreos pesados, para problemas que apenas se resolvem com esforço planificado, continuado e consistente”, escrevia-se no citado relatório. Deveriam ter obrigado o Governo de então a escrever isto 100 vezes...
Pode dizer-se que mais vale tarde do que nunca. Mas não podemos esquecer aqueles para quem o desleixo foi tarde de mais. Nem desconhecer que partidos como Bloco, tão importantes para o Governo, ainda têm a lata de se queixar de um nome só porque essa pessoa trabalhou (e as pessoas normais têm de trabalhar) nas empresas florestais que praticamente nem incêndios têm nas áreas que controlam.
No entanto, sabemos que Costa tem a noção e o peso de ter sido ele o principal responsável por não ter levado aquele plano avante. O próprio secretário de Estado que tutelava os bombeiros em 2005, o socialista Ascenso Simões, reconheceu depois, numa tese académica, ter sido “um erro grave”, essencialmente porque o Governo foi voluntarista, recusando um caminho coerente e optando “pelo derradeiro elemento da cadeia de valor – o combate”.
Mas o mais importante é saber como se convence um Governo com argumentos não vistosos, discretos e baratos, quando existem soluções à mão que, mesmo mais caras, enchem o olho, parecem muito melhores e, além disso dão votos? Seriam necessários políticos que pensassem no país - e não nos seus umbigos. E aí, sim, está a dificuldade.
Pode ser que os mais de 100 mortos deste ano não tenham sido em vão.