É no Espaço que se resolvem os incêndios da Terra. Elas explicam como

Isabella Simão e Ekaterina Stambolieva, mentoras da Firefly

Isabella Simão e Ekaterina Stambolieva, mentoras da Firefly

O que une uma creative copywriter, ex-quadro da MTV Brasil, a uma cientista de dados búlgara? Uma tecnologia de base aeroespacial, desenvolvida em Portugal, que previne incêndios terrestres a partir do Espaço. Isso, 50 mil euros e um passaporte para a incubadora de startups da Agência Espacial Europeia

Texto Cátia Mateus Fotos Ana Baião

A cada ano, os incêndios florestais são responsáveis por mais de 340 milhões de hectares de área ardida, 540 milhões de toneladas de CO2 libertados na atmosfera, prejuízos económicos na ordem dos 152 mil milhões de euros, sem contar com o que mais custa a aceitar, o número de vidas perdidas. 

Isabella Simão aterrou em Lisboa no verão de 2017. O mesmo em que todas as atenções estavam centradas em Pedrógão Grande, na paisagem manchada pelo negro das cinzas, na dor de um luto que atingiu proporções nacionais. “Fiquei muito impressionada com os incêndios, as cinzas, as pessoas encurraladas na estrada, os quilómetros sem fim de verde que se dizimaram num piscar da noite”, recorda a ex-creative copywiter da MTV Brasil.

O clique para o que é hoje a Firefly surgiu pouco tempo depois. Ao visitar uma exposição de eletricidade onde viu uma representação do seu corpo em infravemelhos, assinalando as diferenças de temperatura, teve a perfeita noção de que o caminho para a prevenção de incêndios não estava na Terra, mas sim no Espaço. “Pensei, não é possível que pelo Espaço não dê para ter uma ‘big picture’ do problema e encontrar uma solução”, relembra. Foi um amigo quem a ajudou a encaixar a peça que faltava no puzzle, ao apresentar-lhe a cientista de dados búlgara Ekatrina Stambolieva. Juntas conceberam, em Portugal, uma tecnologia que já entrou nos radares da Agência Espacial Europeia (ESA) e que promete encarar e ajudar a resolver o problema dos incêndios com recurso a ferramentas aeroespaciais.

Trabalhar a prevenção

“Até chegar à tecnologia apropriada, dedicámos meses do nosso trabalho a pesquisas para conhecer as verdadeiras razões dos incêndios florestais”, explica Ekatrina Stambolieva. A primeira ideia da dupla de empreendedoras estava centrada nas formas de combater os incêndios. O objetivo da equipa era identificar uma forma de detetar o mais rápido possível um foco de incêndio e avisar as autoridades para que o combate fosse feito de imediato. Não era esse o melhor caminho. “Percebemos que a deteção rápida para um combate a um incêndio ainda é necessária, mas menos efetiva do que uma ação preventiva”, explicam as mentoras do projeto, que acabaram por centrar a intervenção da Firefly no campo da prevenção.

A tecnologia que desenvolveram usa três medições distintas com recurso a imagens por satélite: a humidade e temperatura do solo e a densidade da vegetação. Com esses dados, a equipa cria um algoritmo que permite perceber quais as áreas que estão em grave risco e que necessitam de uma ação terrestre. Ou seja, a Firefly garante uma monitorização remota, segura e escalável a qualquer região do mundo das áreas em risco. Um grau de detalhe que só é possível de há três anos a esta parte. Antes, a resolução das imagens obtidas não permitia que a análise fosse feita.

Isabella Simão e Ekaterina Stambolieva querem utilizar a tecnologia para ajudar os oceanos a ficarem mais saudáveis

Isabella Simão e Ekaterina Stambolieva querem utilizar a tecnologia para ajudar os oceanos a ficarem mais saudáveis

Quem serve o projeto?

A tecnologia da Firefly pode ser aplicada em várias frentes. Aos bombeiros, porque permite, por exemplo, saber se os trajetos que tencionam percorrer no combate às chamas estão ou não obstruídos. Às seguradoras, pode ser útil para para monitorizar os terrenos dos seus segurados e reduzir os riscos de serem danificados nos focos de incêndio. Para as empresas de telecomunicações, pode ser um aliado na identificação de danos nas torres de comunicação. E para as companhias elétricas será, acreditam as mentoras do projeto, um aliado de peso para saber quando e onde administrar a limpeza da vegetação perto das redes de alta tensão.

A equipa está neste momento a captar investimento e recursos para que a tecnologia possa ser desenvolvida e testada e entrar no mercado. A Agência Espacial Europeia já lhes reconheceu o mérito. O Firefly foi selecionado para integrar a incubadora de startups da ESA-BIC e conquistou por parte da agência um investimento de 50 mil euros para o desenvolvimento da tecnologia.

Além deste reconhecimento, o projeto foi também finalista no Global Impact Challenge do Singularity University em Portugal, na competição Aldeia da Inovação Social 2018, ficou em segundo lugar no Act In Space Portugal e venceu o Women Entrepreneurship Award by EBAN Space, em Toulouse (França). Em outubro, a dupla volta a concorrer a outro programa cujo prémio é também de 50 mil euros.

Além da recolha de dados a partir do Espaço, o projeto definido pelas duas empreendedoras para a Firefly contempla também dois outros estágios de intervenção: promover a limpeza das regiões identificadas como “de risco” e, numa fase posterior, reutilizar a totalidade do material recolhido nessas limpezas. “Geralmente é feita uma queimada com o material retirado, o que não só é um desperdício de recursos como um acréscimo de CO2 libertado para a atmosfera. O que queremos é transformar restos de madeira em cadeiras para escolas ou hospitais, por exemplo”, explica Isabella Simão.

A ambição da dupla de empreendedoras é fechar todo o ciclo do projeto (da recolha de dados até à reutilização dos recursos) e escalar a tecnologia para outros países da Europa, mas também para os Estados Unidos, Canadá, Brasil, Austrália e continente africano. E já têm outras ambições futuras: utilizar a tecnologia para ajudar os oceanos a ficarem mais saudáveis – Zero Waste Space, assim se chamará esse projeto. Afinal, também aqui, a solução pode vir do Espaço.