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Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

Dar crédito ao ISIS

Ali David Sonboly, o adolescente do ataque de Munique, descendente de iranianos (o que por si só o afastaria do ISIS), gritou: "Eu sou alemão. Que se lixem os turcos e os estrangeiros." Não foi um ataque terrorista, todos assumiram. Foi um ato tresloucado de um adolescente que, ao que parece, já tinha recebido apoio psiquiátrico e foi vítima de bullying. Queria matar outros e organizou tudo para o fazer. Não tivesse gritado nada e estaríamos a ler, provavelmente, longas dissertações sobre o ataque aos nossos valores.

Ainda não foi encontrada qualquer relação entre Mohamed Lahouaiej-Bouhlel, o atacante de Nice, e o ISIS. A reivindicação do ataque foi, ao que parece, oportunista. Seria normal que o governo francês sublinhasse esta forte possibilidade e assim contribuísse para serenar o medo e a ansiedade dos franceses. Pelo contrário, parece haver uma vontade política de que aquilo tenha mesmo sido um ataque terrorista. Como se fosse inaceitável chamar-lhe outra coisa. Ou como se fosse preferível que o ISIS estivesse envolvido.

Imagino que se o atacante de Nice tivesse gritado qualquer coisa semelhante ao que foi berrado por Ali David Sonboly tivesse imediatamente perdido o estatuto de terrorista. Como não o fez, François Hollande apressou-se a ligá-lo ao ISIS, a levar o mundo a um provável engano e a aproveitar o acontecimento para prolongar o estado de emergência por mais três meses, uma espécie de campanha política à custa dos direitos cívicos.

Basta ser muçulmano para ter garantido que o ataque é terrorista e que, sendo terrorista, tem motivações político-religiosas e uma grande organização por trás. Assim, o ataque de Anders Behring Breivik ou do assassino de Jo Cox são atos individuais, os ataques de Mohamefd Lahouaiej-Bouhlel e Omar Mateen representam não apenas a vontade de uma organização, mas uma cultura ou até uma religião.

Apesar de também ter sido reivindicado pelo ISIS e haver provas da simpatia do atacante pela organização, o ataque de Orlando também não parece ter a sua intervenção direta e planeada. Tudo indica que as motivações de Omar Mateen foram as de alguém perturbado com a sua sexualidade mal resolvida.

Mas parece haver uma espécie de acordo entre o mundo ocidental e o ISIS: eles festejam ou reivindicam todos os ataques levados a cabo por muçulmanos e seus descendentes e os governos, apesar das investigações e sinais apontarem para o oposto, assumem, para fins políticos, que é verdade. Parece haver uma vontade geral de dar crédito ao ISIS. Porque preferimos a ordem de um inimigo político à desordem dos loucos? Por que um inimigo comum nos pode manter juntos em tempos tão difíceis? Por que o terrorismo permite a alguns políticos concentrarem mais poder?