TRANSPORTES

O comboio supersónico que nos poderá levar do Porto a Lisboa em 20 minutos

INOVAÇÃO O tubo em que a carruagem do primeiro teste circulou visto do exterior FOTO DAVID BECKER/GETTY IMAGES

INOVAÇÃO O tubo em que a carruagem do primeiro teste circulou visto do exterior FOTO DAVID BECKER/GETTY IMAGES

Costuma dizer-se que a realidade supera a ficção e neste caso o cliché não podia estar mais certo. A novidade que está a agitar o sector dos transportes é o Hyperloop, um comboio supersónico que levita no ar e viaja a mais de mil quilómetros por hora. Parece mentira, mas o primeiro teste correu bem e há quem prometa que vamos poder comprar um bilhete de Hyperloop por menos de 30 euros já em 2020

TEXTO MARIANA LIMA CUNHA

Se calhar ainda não percebeu, mas neste momento vive naquele futuro inimaginável e bizarro que servia de cenário aos filmes de ficção científica do século passado. É que em 2016 já há robôs que falam e agem como se fossem pessoas, computadores que vencem campeões humanos e carros que se conduzem sozinhos. Para rematar, parece que dentro de alguns anos poderemos começar a viajar numa espécie de comboio supersónico que nem sequer tem carris. Bem-vindo ao futuro!

A promessa foi feita por Elon Musk, o homem que muitos apresentam como o próximo Steve Jobs - e quem o conhece garante que ele é muito mais do que isso (comprove AQUI). Na altura, um Musk fascinado falava de uma tecnologia que permitiria fazer a distância entre Los Angeles e São Francisco em 30 minutos perante uma plateia surpreendida. Recentemente, o sonho tornou-se (quase) real com o sucesso do primeiro teste do Hyperloop, o produto da imaginação de Musk.

O que aconteceu no deserto do Nevada - uma cápsula que chegou aos 187 quilómetros por hora em apenas 1,1 segundos, a céu aberto - foi um teste que deixou a equipa da Hyperloop Technologies, empresa rebatizada “Hyperloop One”, entusiasmada com as perspetivas de futuro. No entanto, o sistema testado ainda é consideravelmente diferente daquele idealizado por Musk e que o cofundador da empresa Shervin Pishevar garante que estará operacional “algures no mundo” em 2020.

Qual é então o produto final de que estamos a falar, que Shervin descreve como “surreal mas muito real”? Sérgio Lopes, professor catedrático de Engenharia Civil na Universidade de Coimbra, explica melhor: “O Hyperloop pode ser visto como um tipo de comboio que se desloca num tubo fechado. Não necessita de carris, uma vez que as carruagens levitam com o movimento. O principal conceito teórico por detrás da tecnologia baseia-se em fazer-se deslocar um objeto, neste caso uma carruagem, retirando o mais possível o ar envolvente”.

A explicação para a retirada da maior quantidade possível de ar dentro do tubo no qual a carruagem circulará tem que ver com os obstáculos ao movimento (e portanto à velocidade) do transporte. “O ar existente à nossa volta tem moléculas que ocupam espaço e que precisam de ser afastadas para o lado sempre que qualquer animal ou objeto tem um movimento. Em relação aos comboios, a resistência do ar é efetivamente um problema em equação, tanto mais importante quanto a maior velocidade que se queira atingir.” Tudo porque é utópico pensar-se que estes túneis poderão funcionar totalmente sem ar: segundo Sérgio Lopes, se falássemos desse caso extremo, as velocidades do transporte poderiam chegar a uns alucinantes 8000 quilómetros por hora, o que significaria que “poderíamos ir de Lisboa a Paris num quarto de hora”.

A realidade está um bocadinho abaixo desse cenário, mas não deixa de ser empolgante, com velocidades de cerca de 1200 quilómetros por hora previstas para este comboio futurístico. Os constrangimentos, que fazem do Hyperloop uma “solução intermédia”, permitem que o novo transporte viaje a velocidades semelhantes às de aviões comerciais.

IMPACTO Na fotografia é visível o impacto provocado na areia pela alta velocidade a que o aparelho se deslocava - atingiu 187 quilómetros por hora em apenas 1,1 segundos FOTO JOHN GURZINSKI/AFP/Getty Images

IMPACTO Na fotografia é visível o impacto provocado na areia pela alta velocidade a que o aparelho se deslocava - atingiu 187 quilómetros por hora em apenas 1,1 segundos FOTO JOHN GURZINSKI/AFP/Getty Images

Carlos Chastre, professor de Engenharia Civil na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, relembra que os percursos devem ser longos e as paragens em pequeno número para que as viagens sejam “viáveis e confortáveis” e dá alguns exemplos: esta velocidade significaria que o percurso de Lisboa a Paris poderia ser feito em duas horas, que de Lisboa a Porto se tardaria apenas 20 minutos e que apenas 30 minutos de viagem separariam Lisboa de Madrid. Na Hyperloop One também se pensa na questão do conforto e o vice-presidente do departamento de Engenharia, Josh Giegel, já garantiu à PBS que as carruagens vão ser “apropriadas para idosos, cães e livres de vómitos”.

A tecnologia Hyperloop, que neste momento está a ser principalmente desenvolvida por duas empresas concorrentes - a Hyperloop One, de Rob Lloyd, e a Hyperloop Tech Technologies (HTT), de Dirk Ahlborn - não está para chegar à Península Ibérica - mas pode estar prestes a instalar-se na Europa, concretamente na Eslováquia. A HTT já anunciou, em março passado, um acordo com o Governo eslovaco para criar uma primeira linha que una as capitais Bratislava, Budapeste e Viena, acrescentando que os bilhetes para passageiros poderão custar a partir de 30 dólares (26 euros). Entretanto, a Hyperloop One mantém a ideia de concretizar o sonho de Elon Musk em terreno norte-americano, mas o custo do espaço e a legislação poderão impedir que a ideia avance - só essa linha poderá custar uns 6 mil milhões de euros.

PRIMEIROS PASSOS O primeiro teste público do Hyperloop aconteceu no deserto do Nevada, Estados Unidos, na semana passada. Na fotografia, o interior do tubo em que as carruagens se deslocam FOTO David Becker/Getty Images

PRIMEIROS PASSOS O primeiro teste público do Hyperloop aconteceu no deserto do Nevada, Estados Unidos, na semana passada. Na fotografia, o interior do tubo em que as carruagens se deslocam FOTO David Becker/Getty Images

Seja a estreia concretizada de um lado ou de outro do oceano, a verdade é que o primeiro teste pode ter tido sucesso mas ainda não é motivo para festejar. “Uma vez que havia a resistência do ar, a velocidade atingida foi de 187 km/h, o que é bom até tendo em conta que o carrinho de ensaio não tinha forma aerodinâmica. Foi um passo deste projeto, mas ainda existe um grande caminho a percorrer”, detalha Sérgio Lopes. Até porque do sonho à realidade há muitas etapas por completar: “Um certo desalinhamento da via, que é quase impercetível numa carruagem que viaje a 60 quilómetros por hora, pode ter consequências muito graves a 300 quilómetros por hora”.

Para mais, restam ainda dúvidas que podem impedir o futuro de chegar tão cedo como Musk, Lloyd e Ahlborn esperam: “Como se espera transportar passageiros? O que acontece numa carruagem a 1000 quilómetros por hora dentro de um tubo se existir um incêndio a bordo, ou se ocorrer um sismo?”, questiona o professor da Universidade de Coimbra, defendendo que a ideia de transportar humanos no Hyperloop ainda está “longe de ser uma realidade possível”. Também Tiago Ferreira, investigador do Instituto Superior Técnico na área ferroviária, confirma que “existe um longo caminho entre uma boa ideia em papel e um sistema de transporte completamente operacional”.

PROJETO ANTIGO A primeira pessoa que falou na ideia de um comboio supersónico foi Elon Musk, CEO da Tesla Motors, em 2013 FOTO DAVID MCNEW/AFP/Getty Images

PROJETO ANTIGO A primeira pessoa que falou na ideia de um comboio supersónico foi Elon Musk, CEO da Tesla Motors, em 2013 FOTO DAVID MCNEW/AFP/Getty Images

Nélson Marques, professor de Engenharia Mecânica no ISEL, garante que “em termos tecnológicos há barreiras que não parecem inultrapassáveis” e que estamos perante uma “conjugação revolucionária de componentes que não são novas”. No entanto, se o docente e investigador afirma que esta realidade da “ferrovia 2.0 já é imaginável”, reforça que terá de haver preocupações importantes com as possibilidades de falhas nos sistemas de controlo e de velocidade.

Para Nélson Marques, com as “mudanças urbanísticas e democráficas” que se vivem nos países mais desenvolvidos, a aposta poderá ser certeira - num futuro que já está a ser preparado: “A utilização do automóvel está a cair em desuso e isso nota-se com a partilha dos veículos para boleias, com os sistemas de piloto automático... No futuro, as empresas automóveis vão vender muito menos e estão a preparar-se para um novo conceito de transporte”.