CASO BES/GES
O que sabia Zeinal Bava sobre o investimento fatal da PT na Rioforte?
FOTO ALBERTO FRIAS
Vai Zeinal Bava romper o silêncio e esclarecer de uma vez por todas se sabia ou não do investimento ruinoso de €897 milhões que a PT fez na Rioforte quando o grupo Espírito Santo já estava em dificuldades? Bava vai estar amanhã na comissão parlamentar de inquérito ao BES
TEXTO ANABELA CAMPOS e JOÃO RAMOS
Zeinal Bava tem tentado escapar à responsabilidade sobre o investimento de €897 milhões da PT na Rioforte, empresa do grupo Espírito Santo (GES) que foi à falência sem reembolsar a histórica telefónica portuguesa, arrastando-a para uma situação difícil.
Até agora, Bava manteve-se em silêncio e fugiu como o diabo da cruz a qualquer esclarecimento sobre a aplicação feita em abril de 2014, quando ainda era presidente da PT Portugal, cargo que só deixou em agosto de 2014. Mas a auditoria interna que a PT SGPS mandou fazer depois de ter rebentado a polémica diz que Zeinal Bava teve sempre acesso aos quadros resumo (“tableau de bord”) onde estavam todas as aplicações financeiras da PT, nomeadamente as que eram feitas no GES.
A auditoria interna que a PT SGPS mandou fazer depois de ter rebentado a polémica diz que Zeinal Bava teve sempre acesso aos quadros resumo com todas as aplicações financeiras da PT
Mais, a auditoria revela que Bava recebeu o tableau de bord entre julho de 2013 e julho de 2014, período em que este instrumento de controlo de gestão não estava a ser enviado à comissão executiva, então presidida por Henrique Granadeiro.
Os únicos que recebiam nessa altura os quadros resumo das aplicações eram Zeinal Bava e Luís Pacheco de Melo, administrador financeiro da PT SGPS, e tinha de estar lá informação sobre o investimento na Rioforte. Zeinal Bava sempre teve fama de controlar detalhadamente a informação financeira. Afinal era conhecido como o mago dos números e ganhava prémios internacionais por causa disso.
Dos 897 milhões de euros investidos na Rioforte, Henrique Granadeiro tem dito que é responsável pela aplicação de apenas 200 milhões de euros. O resto é de empresas tuteladas por Zeinal Bava
A auditoria da PriceWaterHouseCoopers, conhecida no final de 2014, também levanta questões face ao papel de Zeinal Bava nas aplicações que eram feitas no BES/GES. E diz que a 3 de maio de 2013, a PT SGPS, através da PT Finance, financiou-se em mil milhões de euros, sendo que 500 milhões de euros foram utilizados para aplicar na Espírito Santo Internacional (ESI), a holding de topo do grupo.
Ainda em maio, refere a auditoria, a PT SGPS aumentou a sua exposição a títulos da ESI de 510 milhões para 750 milhões de euros. Um mês depois destas operações, a 4 de junho de 2013, Zeinal Bava assume a presidência executiva da Oi e Henrique Granadeiro passa a acumular os cargos de chairman e presidente executivo da PT. Ou seja, quando os empréstimos são feitos, Zeinal ainda era o líder executivo da PT. Esta é uma das questões que pode clarificar junto dos deputados; a PT pedia dinheiro emprestado para aplicar em empresas do grupo Espírito Santo? Quantas vezes o fez? E desde quando? Dos 897 milhões de euros investidos na Rioforte, Henrique Granadeiro tem dito que é responsável pela aplicação de apenas 200 milhões de euros, sendo o resto da responsabilidade de empresas que eram tuteladas por Zeinal Bava.
O grupo Espírito Santo era historicamente o maior acionista da PT, com uma posição que rondava os 10%, e Ricardo Salgado tinha sempre uma palavra a dizer sobre a liderança da empresa. Aliás, um dos ex-presidentes da PT, Miguel Horta e Costa, é ainda hoje vice-presidente do BES Investimento.
Zeinal é peça chave
São muitas as perguntas relativamente ao investimento ruinoso de quase 900 milhões de euros na falida Rioforte que continuam sem resposta, e Zeinal Bava, que estará amanhã à tarde na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES/GES, é uma figura chave para trazer luz sobre o assunto.
Há muitas perguntas que merecem esclarecimento. Eis sete delas:
1. Quem decidiu, e quando, o investimento de €897 milhões que a PT fez em papel comercial da Rioforte?
2. Que responsabilidade tem Zeinal Bava na execução deste investimento, sendo que uma grande parte dele foi feito através da PT Portugal quando Bava ainda era presidente da empresa?
3. Foi com Zeinal Bava que Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, combinou as aplicações na Rioforte, como deixa subentender o ex-banqueiro num email enviado a 1 de julho a Sérgio Andrade, um dos acionistas de referência da Oi, onde este relembra um pacto acionistas relativo à fusão?
4. Ou as aplicações foram apenas combinadas entre Luís Pacheco de Melo, o administrador financeiro da PT, e Amilcar Morais Pires, administrador financeiro do BES, sendo que uma parte foi feita por ordem de Henrique Granadeiro?
5. E os acionistas brasileiros da Oi sabiam ou não do investimento na Rioforte?
6. E podiam não saber, se Zeinal Bava, presidente executivo da Oi e da PT Portugal, soubesse?
7. Como é possível ter sido feita a avaliação da PT no âmbito da fusão escapando esta aplicação ao radar dos avaliadores?
8. Porque investiu a PT sabendo que o risco era já grande?
9. Quem, segundo Zeinal Bava, sabia destas aplicações no GES, que empresas da PT fizeram os investimentos e que cargo ocupava o gestor nas empresas que em abril de 2014 renovaram e aumentaram as aplicações na Rioforte?
(No final de 2013, a PT tinha cerca de 750 milhões de euros em papel comercial da ES International, a holding de topo, e nessa altura já havia muitas dúvida sobre a saúde financeira do grupo da família Espírito Santo. Em março o Banco de Portugal obrigou o BES a constituir provisões para o pagamento do papel comercial adquirido por investidores de retalho. Ainda assim, a PT não só renovou como aumentou as aplicações no grupo para 900 milhões de euros.)
Conflitos de interesse?
Outra das perguntas que será colocada a Zeinal pelos deputados, sabe o Expresso, é se o gestor foi ou não capturado ao longo dos anos pelos interesses do maior acionista da PT, o BES, quer como administrador financeiro da PT quer como presidente da empresa. A PT foi durante anos usada como uma espécie de caixa do GES.
Desde 2000, no âmbito de um acordo de parceria estratégica, que a PT fazia aplicações em papel comercial de empresas do GES. E neste contexto teria ou não a gestão da PT respeitado as regras de boa governação, que passam pela diversificação de investimento e pela limitação dos negócios com as partes relacionadas, ou seja, os acionistas de referência, como é o caso do GES. A auditoria da PricewaterHopuseCoopers levanta algumas questões relativas a conflitos de interesse, nomeadamente em relação ao facto de Amilcar Morais Pires, o administrador financeiro do BES, ser administrador da PT, e ser ele que tratava das aplicações da operadora no GES.
Quem é Zeinal?
Zeinal Bava subiu à cúpula do poder da PT em abril de 2008, aos 42 anos, nove anos depois de ter entrado no operador histórico português. Em agosto do ano passado foi substituído na liderança da PT Portugal, por Armando Almeida, um ex-quadro da Nokia Siemens e um gestor do setor desconhecido em Portugal, escolhido pelos acionistas brasileiros da Oi. Poucos meses depois, em outubro de 2014, sai da presidência executiva da Oi. Aparentemente, terá perdido a confiança dos brasileiros, que disseram desde que rebentou o escândalo da Rioforte, em junho de 2014, que nada sabiam sobre esta aplicação. A saída de Zeinal Bava da Oi é um dos assuntos que ainda está por esclarecer. O gestor, que recebeu de indemnização da Oi 5,4 milhões de euros, nunca falou sobre o assunto.
Eleito por duas vezes o melhor presidente executivo de empresas de telecomunicações na Europa (2010 e 2012) Bava sai da Oi com a imagem desgastada pela aplicação desastrosa na Rioforte, empresa do grupo Espírito Santo, diz a imprensa brasileira.
E era muito aplaudido no mercados de capitais, onde a PT se apresentava como uma das empresas mais generosas do setor no pagamento de dividendos.
Zeinal Bava entrou na PT em 1999, pela mão de Eduardo Martins, um dos administradores históricos da PT e na altura em que Francisco Murteira Nabo era o presidente da Portugal Telecom. No final dos anos 90, a PT estava a preparar as várias fases de privatização, queria colocar a PT Portugal em bolsa e precisava de alguém que percebesse a linguagem do mercado de capitais. O perfil de Zeinal Bava assentava como uma luva nas necessidades da PT, empresa que conhecia bem há algum tempo.
Antes de entrar na PT, Zeinal Bava era diretor executivo da Merrll Lynch,depois de ter passado pelo Deutsche Morgan Grenfell (1996/98) e pela Warburg Dillon Read (1989/96). Moçambicano, Zeinal Bava estudou engenharia eletrónica, na University College of London.