Opinião
Amanhã
Henrique Monteirohmonteiro@impresa.pt

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

A inveja como tendência política

Um filósofo francês cujo livro ouvi durante uma ida e volta a Viseu (terra que recomendo sem qualquer suspeição, salvo o facto de a minha família ser toda de lá), nesse livro que ouvi (coisa da modernidade, os audiolivros), o filósofo define as famílias políticas por aquilo que chama paixões populares.

Luc Ferry (nascido em 1951), que foi ministro da Educação de um Governo de centro-direita há 14 anos, é mais conhecido pelo seu laicismo (a ideia de que a filosofia se apura à medida que se afasta de conceitos religiosos). Mas é dentro desse laicismo que ele retira a carga metafísica das ideologias, para definir a política por quatro paixões populares: a indignação, o medo, a inveja e a cólera. Tomando a palavra paixão pelo seu étimo, predileção ou sentimento vivo, que chega a atingir o sofrimento por algo.

Em resumo, Ferry associa a indignação à esquerda, mais ainda à extrema-esquerda, que afirma estar sempre indignada com algo que se passa no país, na sociedade ou no mundo. O medo é associado à ecologia e a todas as doutrinas conservadoras, de esquerda ou de direita que resistem às mudanças da modernidade. A cólera à extrema-direta e à xenofobia, que afirma não reagirem por medo (não têm medo nenhum, desde logo de serem detestados por toda a gente, sublinha) mas por uma brutal ira que os faz ser contra o sistema de uma forma diferente da extrema-esquerda. E a inveja, por último, é associada às grandes massas centrais. É a inveja que tem impedido os políticos, por exemplo, de ganhar bem ou de terem regalias de acordo com as suas responsabilidades.

Dei comigo em pensar se 90% das críticas ao salário de António Domingues são racionais ou motivadas por esta inveja; sendo que a indignação de Catarina Martins lá está, assim como a cólera de alguma direita mais dura. Na verdade, o assunto que motiva tanta gente e aparece nas primeiras páginas dos jornais só tem interesse moral ou ético. Do ponto de vista das contas do banco é quase indiferente que o seu Executivo ganhe 10 mil, 15 mil ou 30 mil.

Naturalmente, estas quatro ‘paixões’ populares, como lhes chama Ferry, podem ser misturadas q.b. A mesma pessoa pode ser invejosa e medrosa ou indignada e invejosa ou colérica e medrosa. Mas há sempre um sentimento dominante. Em Portugal, muita gente tem definido a inveja (que não seria, por mero acaso, a última palavra de ‘Os Lusíadas’) como o sentimento condutor da nossa comunidade. Não faço ideia se é assim, nem tenho a certeza que Ferry esteja certo. Como em tudo, há pontos que se adaptam e outros que não colam assim tão bem.

Mas se ele sente a Filosofia como uma soteriologia (ou seja uma doutrina da Saúde) não metafísica (o que seriam as religiões), então todos os seres pensantes pretendem defender a sua dama, ou a sua paixão. Bem ou mal, a inveja talvez seja a menos perversa de todas. A indignação, a cólera e o medo são cortantes ou paralisantes. Apenas a inveja permite que se avance, no sentido em que todos quereriam ser como Domingues e, não podendo, mas tendo inveja, querem que Domingues seja mais como eles.

Dirão que estas linhas não interessam nada nem resolvem problema algum. Eu concordo… mas acho que isso pode ser inveja de quem não se lembrou, cólera de quem acha que eu devia estar contra o Governo por ter dado 30 mil euros mais bónus a um banqueiro, indignação de quem pensa que eu defendo o capitalismo por ganhar (na cabeça deles) quase tanto como o banqueiro ou mesmo medo, de não tendo percebido a ideia, afirmar: não me venham cá com teorias. Podem escolher a paixão preferida, mas se um texto ajudar a pensar, para mim chega. Obviamente, isto pode ser medo de tomar uma posição clara.

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Amanhã

EXPOSIÇÃO

SILVES EM RETROSPETIVAS

Em Silves é inaugurada esta terça-feira, na Casa-Museu João de Deus, a exposição Retrospetivas, de Cassiano Lima. A mostra poderá ser vista a partir das 21h e a entrada é livre.

CULTURA

FBAUL COMEMORA 180º ANIVERSÁRIO

A Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa comemora o seu 180º aniversário e para assinalar a data as portas da instituição estarão abertas ao público na terça e na quarta-feira. A iniciativa inclui exposições, visitas guiadas, colóquios e outras atividades. Pode consultar a programação AQUI (http://www.belasartes.ulisboa.pt/180anos/). A entrada é gratuita.

CINEMA

EISENSTEIN EM OUTUBRO

Em Évora, é exibido esta terça-feira o filme “Outubro” (1927), do realizador soviético Sergei Eisenstein. A sessão terá lugar na Igreja de S. Vicente e tem início às 21h30.

CONCERTO

JAZZ NA CASA DA MÚSICA

O saxofonista Desidério Lázaro apresenta, esta terça-feira, na Casa da Música, no Porto, o disco “Subtractive Colors”. O concerto começa às 19h30 e os bilhetes custam de €6 a €25.