União Europeia
O português ao lado de Viktor Orbán acusa PPE de “hipocrisia”
Ex-eurodeputado do PSD e ex-vice-presidente do PPE, Mário David é conselheiro político de Viktor Orbán. Ao contrário dos sociais-democratas portugueses e de muitos dentro da família política europeia, sai em defesa do primeiro-ministro húngaro e deixa claro que o processo de sanções contra a Hungria não vai a lado nenhum, “nem terá consequências”. Na semana passada, acompanhou-o à cimeira em Salzburgo
Texto Susana Frexes e Vítor Matos
Há 26 anos que Mário David é amigo do primeiro-ministro húngaro e a amizade conduziu à consultoria política. “Agora que eu não tinha muito que fazer, ele convidou-me para ver se eu dava ajuda nesta fase”, diz ao Expresso, sublinhando que o faz “pro bono”, pela relação antiga que tem com Viktor Orbán desde antes da sua entrada para o Partido Popular Europeu (PPE). Na cimeira do PPE realizada na passada quarta-feira em Salzburgo, na Áustria, Mário David esteve ao lado do polémico primeiro-ministro, no papel de consultor. Ao Expresso, defende os pontos de vista de Viktor Órban, apesar de o PSD ser crítico da atuação do Governo húngaro quanto aos pressupostos básicos do Estado de Direito.
O ex-eurodeputado do PSD - que há 14 anos teve um papel determinanto nos bastidores para Durão Barroso chegar à presidência da Comissão Europeia - acredita que o processo sancionatório lançado pelo Parlamento Europeu contra o governo da Hungria será travado no Conselho (onde se sentam os chefes de Governo). “Toda a gente tem a plena consciência de que não haverá consequências”, diz Mário David ao Expresso, argumentando que Itália, tal como grupo de Visegrado - que inclui a Polónia, a República Checa e a Eslováquia - vão vetar qualquer tentativa de suspensão do direito de voto húngaro nas decisões a nível europeu.
Da mesma forma, também a Hungria estará ao lado da Polónia, num processo semelhante lançado pela Comissão Europeia contra Varsóvia, por ameaças ao Estado de Direito no país. Em mais de nove meses, os Estados-Membros ainda não passaram da fase de audições, evitando qualquer decisão sobre as alegadas violação dos valores europeus.
“Serão os dois vetados pelo Conselho”, antevê Mário David, desvalorizando os processos contra os governos da Polónia e da Hungria, que, tendo contornos diferentes, representam as duas primeiras vezes em que o chamado “artigo sétimo” dos Tratados foi invocado - por estarem em causa pressupostos básicos dos valores da União Europeia.
Ao mesmo tempo, o social-democrata português aponta o dedo ao Parlamento Europeu e acusa-o de “mudar as regras” a meio do jogo para fazer passar o relatório da holandesa dos Verdes Judith Sargentini sobre a qualidade da democracia na Hungria. Dois terços dos eurodeputados votaram a favor, mas, ao contrário do que é habitual, as abstenções não contaram, o que poderia ter levado a um resultado diferente. “É habilidade, para não dizer aldrabice”, argumenta David, que é um veterano nos assuntos europeus, por ter sido eurodeputado em legislaturas anteriores.
PPE vai votar moção em novembro
Na passada quarta-feira, em Salzburgo, Mário David fez parte da delegação de Orbán que foi à reunião do Partido Popular Europeu, e da qual saiu a decisão de a família política avançar com uma moção sobre o Estado de Direito e os valores europeus. É no seio do PPE que o caso da Hungria mais mexe, com algumas figuras de topo e várias delegações a considerarem a possibilidade de saída do partido húngaro, o Fidesz, da organização que junta sobretudo partidos conservadores e democratas-cristãos (o CDS também faz parte do PPE).
O Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, foi uma das vozes duras dentro da sala, na semana passada, ao deixar claro que o Fidesz é cada vez mais incompatível com os valores defendidos pelo PPE. Mas nesse momento, Orbán já não estava na reunião, e não ouviu muitas das considerações que foram feitas pelo luxemburguês sobre o caso, acusa Mário David.
O agora consultor português aponta a Holanda como “uma das cabeças-de-lança contra o Fidesz”, apoiada pelos partidos de centro-direita do Luxemburgo, Suécia e Finlândia. Mas o PSD, de que David é militante, também está entre os críticos das decisões de Viktor Orbán - com destaque para o eurodeputado Paulo Rangel, que Mário David chegou a apoiar para líder do PSD em 2010.
À entrada para o encontro do PPE, em Salzburgo, o próprio Rui Rio admitiu que “faz sentido” que a suspensão do Fidesz “esteja em cima da mesa”. A posição do presidente do PSD está articulada com as dos eurodeputados sociais-democratas. Todos votaram a favor do início do processo contra a Hungria.
O relatório de Sargentini, aprovado em Estrasburgo, acusa o executivo de Orbán “silenciar meios de comunicação independentes”, limitar a liberdade religiosa e académica, de substituir juízes por outros “com ligações próximas ao regime” e de “dificultar a vida às Organizações Não Governamentais que prestam serviços a pessoas necessitadas, como os sem-abrigo, migrantes, refugiados e grupos marginalizados”.
Ao que o Expresso apurou, dentro do PPE, foram várias as pressões para que Orbán recuasse na questão das ONG e da liberdade académica, e o facto de o primeiro-ministro não o ter feito, terá sido a “gota de água” que levou também o líder do grupo parlamentar do PPE, Manfred Weber, a votar a favor do relatório.
Mário David contesta e diz que no domínio académico, a legislação aprovada aplica-se a mais de 30 universidades e que só a financiada por George Soros é que se queixou. “As outras não protestaram”, afirma, acusando o milionário hugaro-americano de financiar uma guerra contra Orbán e de alimentar a polémica.
O português também numa incompreensão em torno da imagem controversa de Viktor Orbán. “Cria-se um estereótipo sobre um indivíduo que gosta de ser provocador e que faz afirmações bombásticas”, diz, contrapondo com os resultados económicos do país. “Desemprego 3% e crescimento de 4% na Hungria”, sublinha Mário David, defendendo que o que influencia o eleitor “é a economia, não é a imigração”. Este ano, o Fidesz voltou a vencer as eleições na Hungria.
“Há uma hipocrisia nisto tudo”, diz o ex-vice-presidente do PPE, que já não tem agora qualquer cargo na família política, justificando que há outros casos de que não se fala e dando o exemplo das declarações recentes do primeiro-ministro da República Checa sobre muçulmanos e migrantes. Afirma que, ao contrário do que acontece com Orbán, ninguém defende que seja expulso da família política dos liberais.
Joseph Daul, presidente do PPE, também teve um discurso duro na reunião desta semana, mas no final, aos jornalistas, recusou falar em expulsão. Para já, entende que se deve avançar com uma moção, cujo conteúdo só será conhecido em meados de outubro, e que será votada no congresso de Helsínquia, no início de novembro.