Tragédia na Grécia
Caos urbanístico e ausência de planos de emergência
Uma catástrofe de “proporções bíblicas”, uma “tragédia indizível”, comparável à destruição de Pompeia pelo Vesúvio e aos incêndios de Pedrógão Grande no verão passado. As reações aos fogos mais devastadores em mais de uma década na Grécia têm sido profundamente emotivas. Para sempre ficará a imagem relatada de 26 pessoas unidas num abraço derradeiro. Balanço provisório: 74 mortos e 187 feridos
Texto Hélder Gomes e Giorgos Lialios (“Kathimerini”, Atenas)
Muitas pessoas vagueavam pelas ruas, esta terça-feira à tarde, à procura do que o fogo lhes roubara: o carro reduzido a cinzas, o animal de estimação e, mais importante, um sentido para tudo isto, para a mortandade provocada pelos incêndios que quase arrancaram Mati do mapa da Grécia. O silêncio da demanda só era interrompido pelo resfolegar cortante das hélices dos helicópteros de combate – isso mesmo, resfolegar, porque também era disso que as pessoas precisavam, de recuperar o fôlego, de respirar um ar que, ainda que pesado, era o único disponível.
“Uma tragédia indizível”, chamou-lhe o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, ao decretar três dias de luto nacional. A imagem mais impactante que fica desta indizível tragédia diz-se em poucas linhas: 26 pessoas, incluindo crianças, unidas num derradeiro abraço, próximas do topo de uma falésia com vista para uma praia outrora paradisíaca. “Tentaram encontrar um caminho de fuga mas infelizmente estas pessoas e os seus filhos não conseguiram chegar a tempo. Instintivamente, vendo o fim a aproximar-se, abraçaram-se”, comentou o chefe da Cruz Vermelha grega.
Mati não é mais uma estância de férias defronte do Mar Egeu, com hotéis, restaurantes, clubes noturnos, cinemas ao ar livre e marinas com iates atracados. Agora, aquele pedaço de terra a cerca de 30 quilómetros de Atenas é outra coisa, porventura também indizível. “Mati já não existe enquanto povoação. Vi cadáveres e carros queimados. Sinto-me com sorte por estar viva”, disse uma mulher a uma televisão grega. Por sua vez, o presidente da Câmara de Rafina, Evangelos Bournous, afirmou ter visto com os seus olhos “uma catástrofe total”.
“AS CHAMAS PERSEGUIAM-NOS”
Outra imagem marcante: estradas entupidas de carros parados, incinerados, em caminhos que se estreitam para tantas tentativas de fuga rumo à praia. Um fotojornalista da agência Reuters viu pelo menos quatro pessoas mortas numa dessas estradas. Um cheiro putrefacto exalava de edifícios e carros queimados. Ao fundo, colunas de fumo dos fogos ainda ativos. Alguns dos que conseguiram escapar para a água tiveram de ser salvos pela Guarda Costeira, que resgatou cerca de 700 pessoas. Do mar ainda foram retirados outros 19 sobreviventes e seis corpos já sem vida.
“Felizmente, o mar estava ali e nós corremos até ele porque as chamas perseguiam-nos. O fogo queimou-nos as costas e saltámos para dentro de água”, disse um sobrevivente, comparando o cenário à destruição da cidade de Pompeia, onde milhares de pessoas morreram na sequência da erupção do Vesúvio no ano de 79 depois de Cristo. Outro falou numa “catástrofe” de proporções “bíblicas” na “maravilhosa região de Mati”. As autoridades aconselharam as pessoas a deixarem as suas propriedades para trás. “Se não me tivesse ido embora, já estaria queimada”, contou uma mulher de 67 anos à AFP. “Eu vi o fogo a descer a colina por volta das seis da tarde [de segunda-feira] e, cinco ou dez minutos mais tarde, estava no meu jardim”, disse outra mulher à mesma agência de notícias.
AUTORIDADES SEGUEM PISTA DE MÃO CRIMINOSA
A Grécia pediu helicópteros e bombeiros para ajudarem no combate às chamas. Espanha, França, Itália, Alemanha, Polónia, Chipre, Israel e Bulgária responderam à chamada e manifestaram disponibilidade para ceder meios e operacionais. Também o Governo português anunciou que iria enviar meia centena de bombeiros da força especial para ajudar a Grécia a combater os seus piores fogos em mais de uma década. “Tudo o que for possível será feito para prestar apoio hoje, amanhã e enquanto for necessário”, escreveu o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, numa carta dirigida ao primeiro-ministro grego. O tom era muito semelhante ao usado na missiva endereçada a António Costa, após a tragédia do ano passado em Pedrógão Grande.
Aos Estados Unidos, a Grécia pediu drones para “observar e detetar qualquer atividade suspeita”, informou um porta-voz do Governo, num claro indício de que a pista de mão criminosa estava a ser seguida. “Quinze incêndios começaram simultaneamente em três frentes distintas em Atenas”, revelou a mesma fonte, logo secundada por Tsipras, que se confessou “realmente preocupado com a deflagração simultânea destes fogos”. Em cima da mesa está a possibilidade de as ignições terem sido feitas por criminosos com a intenção de assaltarem as casas abandonadas.
Explicações para a amplitude da tragédia
Segundo os bombeiros, o vento chegou a soprar a mais de 100 quilómetros por hora em Mati, o que provocou uma “progressão súbita do fogo”. E enquanto as chamas eram circunscritas na estância balnear, outro incêndio já ameaçava a cidade costeira de Kineta, a poucos quilómetros de distância. Os termómetros atingiram os 40 graus Celsius, dificultando o trabalho dos bombeiros.
As condições climáticas e o facto de os bombeiros estarem noutro incêndio só explicam parcialmente o desastre. Os especialistas apontam mais dois fatores críticos.
Antes de mais, a forma como Mati e outras vilas costeiras se desenvolveram. Ao longo das últimas décadas, os atenienses simplesmente compraram terrenos junto ao mar e construíram, geralmente sem licença. Partes de Mati, como de outras comunidades pela Grécia fora, foram construídas ilegalmente em área florestal pública (ao contrário do que sucede em Portugal, as florestas gregas pertencem geralmente ao Estado).
De tempos a tempos, uma nova lei permitia a estes “povoados não-oficiais” (como o Ministério do Ambiente lhes chama) serem “legalizados” pelos seus proprietários. Em consequência, essas áreas não têm planos urbanísticos, só vias estreitas (com frequência labirínticas), sem espaços públicos como praças, e a infraestrutura é pobre.
Em segundo lugar, a falta de planos de emergência. As autoridades locais não tinham ideia de como informar a população do desastre a aproximar-se, de como evacuar a zona, que estradas usar. Como resultado, houve pânico. As pessoas limitaram-se a fugir em direção ao mar, caso soubessem o caminho, ou dirigiram-se às estradas principais. As respostas ainda não emergiram do forte cheiro a árvores e edifícios queimados que paira no ar.
O Papa Francisco divulgou um telegrama, dizendo-se profundamente triste e rezando pelas vítimas e familiares. Nas redes sociais circulam imagens de pessoas desaparecidas, sobretudo de crianças e idosos, numa tentativa desesperada de se encontrarem sobreviventes da tragédia. Dos 187 feridos contabilizados, 23 são crianças, de acordo com a mais recente atualização das autoridades gregas.
“PROGRESSÃO SÚBITA DO FOGO”
Os alertas começaram a ser disparados logo na segunda-feira, com o Exército a ser convocado e o primeiro-ministro a interromper uma visita oficial à Bósnia para ajudar a coordenar o combate aos incêndios. “Faremos tudo o que for humanamente possível para controlar [a situação]”, disse então Tsipras, quando o número de vítimas mortais ainda se situava nas duas dezenas – em poucas horas, triplicou e depois voltou a subir. O número de mortos e feridos deverá continuar a aumentar nas próximas horas, preveniram as autoridades.
Entretanto, a onda de calor que atravessa a Europa deverá agravar-se e o continente está em risco máximo de incêndios. Contudo, prevê-se a ocorrência de aguaceiros e uma descida das temperaturas em Atenas.