CASO TECNOFORMA

Passos foi consultor da Tecnoforma durante 3 anos em que esteve em exclusividade no Parlamento

PASSOS COELHO Esteve no Parlamento na década de 90. Hoje pediu à PGR para investigar esse passado FOTO ILÍDIO TEIXEIRA

PASSOS COELHO Esteve no Parlamento na década de 90. Hoje pediu à PGR para investigar esse passado FOTO ILÍDIO TEIXEIRA

Declarações de administradores da Tecnoforma em 2011 ao Expresso diziam que Passos Coelho trabalhara para a empresa entre 1996 e 1999. Primeiro-ministro disse à AR que durante os nove anos como deputado não teve rendimentos que colidissem com o regime de exclusividade. O Parlamento pagou-lhe 60 mil euros de subvenção quando deixou a vida política. PGR chamada pelo próprio PM a investigar

TEXTO Bernardo Ferrão e Rosa Pedroso Lima

Pedro Passos Coelho requereu ao presidente da Assembleia da República a atribuição de um subsídio de reintegração na vida ativa, quando, em Outubro de 1999 deixou o Parlamento. O primeiro-ministro apresentou, na altura, um conjunto de documentos — entre os quais as declarações de IRS — que demonstravam que entre Novembro de 1991 e Outubro de 1999 exerceu funções como deputado em exclusividade. Por isso mesmo, o então presidente da AR, Almeida Santos, aceitou conceder-lhe esse subsídio .

Num documento de 5 páginas, o auditor jurídico da Assembleia da República esclarece Almeida Santos da situação do deputado Pedro Passos Coelho. Confirma que exerceu funções na VI e VII Legislaturas, que deu “um total de 100 faltas nas duas Legislaturas“ e que “consoante as respetivas declarações de IRS, respeitantes aos anos de 1991 a 95 e de 1998 a única fonte de rendimentos foi advinda do exercício das funções de deputado; das relativas aos anos de 1996, 1997 e 1999 constam os rendimentos de 1.725.000 escudos, 2.475.000 escudos e 625.000 escudos, respetivamente, por prestações de serviços”.

Leia aqui na integra O parecer da Assembleia da República (Maio de 2000) que concedeu o subsídio de reintegração pela exclusividade de Passos Coelho como deputado

Pedros Passos Coelho declarou ao Parlamento que os rendimentos extra o salário de deputado — os tais “serviços” — foram “provenientes unicamente de colaborações várias com órgãos de Comunicação Social escrita e radiofónica”. Para isso mesmo apresentou as respetivas declarações ao fisco e seus anexos B. Como os rendimentos de serviços prestados aos media não colidiam com o regime de exclusividade, o antigo deputado teve direito a receber por inteiro a subvenção concedida pelo Parlamento para a reintegração na vida profissional. Contas feitas, Passos terá recebido cerca de 60 mil euros.

O problema que está por esclarecer — e que está a provocar um embaraço político ao Governo — diz respeito ao facto de ter sido tornado público que Passos Coelho trabalhou na empresa Tecnoforma, no período final da sua vida parlamentar. De acordo com a última edição da revista Sábado, o primeiro-ministro esteve ao serviço da empresa entre 1997 e 1999, tendo recebido um salário de cinco mil euros, para desempenhar as funções de presidente do Centro Português para a Cooperação, uma ONG criada por aquela empresa para angariar financiamentos internacionais. No total, segundo a mesma revista, a Tecnoforma pagou €150 mil a Passos Coelho, uma quantia que não consta do requerimento apresentado ao então presidente do Parlamento.

Mas, ao Expresso, dois administradores da Tecnoforma — Manuel Castro e Sérgio Porfírio — revelaram que Passos tinha entrado para a empresa, como consultor, e em 1996. As declarações foram prestadas ao Expresso em 2011, para um perfil sobre aquele que se adivinhava como o próximo primeiro-ministro. Nenhuma referência a esta colaboração profissional com a Tecnoforma em 1996 é referida na declaração ao Parlamento.

Hoje mesmo, o primeiro-ministro garantiu que a relação que teve com a Tecnoforma aconteceu “seguramente desde que saí do Parlamento”. Passos saiu da AR em 1999, ou seja, três anos depois da data indicada pelos dois administradores da empresa como a da chegada do novo consultor à Tecnoforma.

O Gabinete da presidente da Assembleia da República foi solicitado a dar mais esclarecimentos sobre este assunto ao Expresso, mas até ao momento não obtivemos qualquer resposta.

Ao Gabinete do primeiro-ministro foram, também, enviadas uma série de perguntas que não foram ainda respondidas.

Passos Coelho já teve de responder quatro vezes sobre este assunto. Disse que estava “convicto” de ter cumprido a lei. Afirmou não se lembrar do processo de exclusividade de funções, remetendo para a Assembleia todos os esclarecimentos. Hoje, foi mais longe. Em conferência de Imprensa conjunta com Martin Schulz ( o presidente do Parlamento Europeu que está de visita a Portugal) e perante a insistência dos jornalistas disse que “hoje mesmo oficiarei à Procuradoria Geral da República que faça as averiguações necessárias de modo a poder esclarecer se existe algum ilícito”. E não deixou de avisar que tirará “todas as conclusões e consequências do que for o pronunciamento que a PGR vier a fazer”. Independentemente desse eventual “ilícito estar ou não prescrito”.

As contradições do Parlamento sobre o passado do deputado Passos Coelho

TEXTO FILIPE SANTOS COSTA

A Assembleia da República não tem a certeza sobre se Pedro Passos Coelho foi um deputado em exclusividade de funções ou não nos dois mandatos que cumpriu entre 1991 e 1999. Ou melhor, certeza tem: enquanto foi deputado, não foi em exclusividade. Quando deixou de se deputado, afinal tinha estado em exclusividade. Na dúvida, a secretaria-geral da AR respondeu contando apenas uma parte da história.

Explicamos: nesse período, Passos nunca foi pago como deputado em exclusividade de funções (esses recebiam, na época, um complemento de 10%, que Passos nunca recebeu), mas saiu do Parlamento como tendo sido deputado em exclusividade de funções. Então, foi ou não foi? Pois...

A questão tornou-se relevante depois da publicação de uma notícia, na última edição da Sábado, dando conta de que, enquanto era deputado em exclusividade de funções, Passos trabalhou para uma organização não-governamental da empresa Tecnoforma, tendo recebido cinco mil euros por mês entre 1997 e 1999. Se assim foi, é possível que, para além de ter omitido essa informação ao Parlamento, Passos também a tenha ocultado ao Fisco. Mas essa é outra história. Para já, concentremos-nos no que se sabe (e não sabe) no Parlamento.

Depois de na segunda-feira o secretário-geral da AR ter garantido que Passos nunca teve exclusividade de funções em São Bento, hoje o Público noticiou que o próprio Passos, num requerimento feito em 1999, alegou que foi deputado em exclusividade de funções. Em que ficamos? Ao inicio da tarde desta terça-feira o gabinete do secretário-geral emitiu um novo comunicado.

Em três pontos, o comunicado reafirma que "não existe uma declaração de exclusividade relativa ao período que medeia entre novembro de 1995 e 1999" e assegura que "também não foi pago o complemento de 10% que corresponde a essa declaração". Ou seja, Passos nunca teve formalmente o estatuto de exclusividade de funções e nunca recebeu de acordo com esse estatuto.

No terceiro ponto, sobre o facto de Passos ter recebido o subsídio de reintegração, quando saiu do Parlamento em 1999, o comunicado torna-se menos claro. "O parecer do auditor jurídico da Assembleia, do ano 2000, homologado pelo então presidente da Assembleia da República, emitido em processo posterior de atribuição do subsídio de reintegração, consubstanciará uma interpretação que, para efeitos de atribuição daquele subsídio, não atende à questão formal da existência ou inexistência da declaração de exclusividade, mas sim à situação factual relativa aos dados sobre os rendimentos do período em causa".

Ou seja, Passos terá recebido o subsídio de reintegração apesar de não cumprir formalmente o critério da declaração de exclusividade. O que não o impediu de, na hora do adeus, alegar que, de acordo com a lei que estava vigente na época (a Lei 26/95), estava habilitado a receber esse subsídio, tendo cumprido o mandato em exclusividade de funções. De facto, a lei, entretanto mudara, estipulava que o subsídio de reintegração era atribuído "aos titulares de cargos políticos em regime de exclusividade que não tiverem completado 12 anos de exercício das funções". Ora, Passos, quando pediu esse subsídio, terminava 8 anos de exercício das funções de deputados (cumpria um critério) - e garantia, no pedido, que os tinha cumprido em regime de exclusividade. Facto que agora o Parlamento vem formalmente desmentir.

Por outro lado, a referência da secretaria-geral da AR "à situação factual relativa aos dados sobre os rendimentos do período em causa" torna tudo mais misterioso. O Expresso pediu ao gabinete de Albino Soares explicações sobre esta frase com que termina o comunicado de imprensa - mas sem resposta até ao fecho desta edição.

O parecer do auditor jurídico, a que o Expresso teve acesso, faz várias referências aos rendimentos de Passos nesse período. E são reveladoras: segundo as declarações de IRS do então deputado, entre 1991 e 1999 apenas em três anos este recebeu rendimentos extra, para além do salário como deputado. No total, foram 4825 contos na moeda antiga (cerca de 25 mil euros). Porém, Passos argumentou que esse dinheiro vinha de colaborações com órgãos de comunicação social, onde era convidado a escrever - por essa razão foram declaradas nos anexos B, como rendimentos "por atividades de caráter científico, artístico ou técnico".

Ora, todo o parecer é dedicado, não a analisar esses rendimentos, mas se a origem desse dinheiro contendia ou não com o estatuto de exclusividade que era invocado por Passos Coelho - se o Parlamento entendesse que esses trabalhos violavam a exclusividade, Passos não receberia os quase 60 mil euros que acabou por receber.

O auditor acaba por concluir que "porque se tratou da prestação de trabalhos, de forma ocasional, 'por atividades de caráter científico, artístico ou técnico', em diversos órgãos de comunicação social, e na presunção de que se inseriram também na esfera de intervenção da atividade política", Passos estava em regime de exclusividade. Por isso recebeu o subsídio.

A secretaria-geral da AR não esclareceu se na segunda-feira tinha ou não conhecimento deste parecer, quando disse que Passos não tinha regime de exclusividade. Mas a verdade é que, embora nunca o tenha tido formalmente, Passos assumiu esse regime num documento que enviou ao Parlamento e o Parlamento reconheceu-lhe direitos ao abrigo desse regime. Ou seja, o último documento do Parlamento relativo a esse período reconhece que Passos tinha exclusividade de funções. A resposta da AR, ao negar esse facto, olhou apenas para os formalismos e só contou a parte mais conveniente da história.