ARQUIVO EXPRESSO

A Dona Disto Tudo

Vestido plissado com detalhes metálicos, Dris van Noten na Stivali. Ténis Superstar metálicos, Adidas; Pendente, Swarovski Atelier Foto João Lemos

Vestido plissado com detalhes metálicos, Dris van Noten na Stivali. Ténis Superstar metálicos, Adidas; Pendente, Swarovski Atelier Foto João Lemos

Na semana em que foi anunciada a mudança de Cristina Ferreira da TVI para a SIC, recuperamos nos “Arquivos Expresso” a reportagem e a produção de moda que Ricardo Marques fez com a apresentadora de televisão e foi que publicada na Revista E de 21 de março de 2015

TEXTO RICARDO MARQUES Maquilhagem e cabelos Inês Franco

O topo do mundo é um lugar estranho. Cristina Ferreira está sentada numa cadeira a olhar para Cristina Ferreira. A mulher que está em todo o lado, mas que raramente entra em casa (onde vive uma outra Cristina), está também num estúdio pintado a preto e branco na cave de um prédio em Cascais. Chegou há pouco mais de meia hora e já mudou de roupa cinco ou seis vezes. Cor de rosa, preto, cor de rosa, preto. De sapatos também. Ténis, saltos altos e um pouco menos altos. Já usou brincos. Já sorriu, já esteve séria e “sedutora” também. Já foi uma série de pessoas sem deixar de ser ela — embora ela não seja exatamente só isto. Por outro lado, garante, ela acha que só é isto tudo porque não deixou de ser ela, a que só sonhava ter isto tudo e que raramente sai de casa. Portanto, quando Cristina Ferreira se senta numa cadeira a olhar para Cristina Ferreira pode ser mesmo complicado. Mas o topo do mundo é assim.

A verdade é que nunca fica mais fácil. Ao final da tarde, depois dos vestidos, dos sapatos e das Cristinas, chegou ao estúdio uma caixa de papelão e uma série de pessoas, e nenhuma podia falar do que estava dentro da caixa. De repente, aquilo era o mais importante. Sentaram-se todos à volta da caixa, pegaram nela, olharam-na e sorriram para a câmara ao lado dela. Sim, Cristina Ferreira (uma delas, ou ambas) também quis segurar na caixa. Os jornalistas do Expresso tiveram de sair para que quem ficasse pudesse abrir a caixa. A solução foi esperar pelo dia seguinte para saber o que estava lá dentro: o primeiro número de uma revista chamada “Cristina” e que tinha na capa Cristina Ferreira e Marcelo Rebelo de Sousa, o mais político de todos os não políticos. “Ela é a mulher do momento”, garante o professor, que pode ser ou não candidato presidencial.

Casaco de ganga, Tommy Hilfiger; Vestido, Cheap Monday; Colar com cristais, Swarovski; Cinto, Cos Foto João Lemos

Casaco de ganga, Tommy Hilfiger; Vestido, Cheap Monday; Colar com cristais, Swarovski; Cinto, Cos Foto João Lemos

A revista mensal, publicada a 7 de março, teve uma tiragem de 100 mil exemplares. Três dias depois, nova edição: mais 35 mil. Hoje restam poucos nas bancas. Números impressionantes, mas que parecem grãos de areia ao pé do resto. A página de Facebook tem mais de 1,4 milhões de seguidores (é a mulher portuguesa com mais fãs e surge em 18º lugar numa lista liderada por Cristiano Ronaldo e onde entram mais alguns futebolistas, páginas de vídeos virais e a “Playboy Portugal”). O blogue “Daily Cristina” tem uma média de 2,2 milhões de visualizações por mês. O programa “Você na TV”, que coapresenta com Manuel Luís Goucha na TVI, está há uma década na guerra pelo primeiro lugar no horário da manhã. Em breve estará de volta ao horário da noite com a terceira edição do programa de dança na TVI — onde é diretora de Conteúdos Não Informativos. Cristina Ferreira, 37 anos, autora de um esgotado livro de receitas e de uma coluna num diário desportivo, tem uma loja de roupa, sapatos com o seu nome e um perfume com o seu nome, e em todos a música é a mesma. E não, não é a de Macklemore e Ryan Lewis que sai das colunas do estúdio em Cascais: “I’ve got tweenty dollars in my pocket”, cantam eles.

Pode um ponto prévio surgir apenas ao quarto parágrafo? Sim, afinal estamos perto do topo do mundo, onde tudo é tudo menos simples. Assim, ponto prévio: Cristina Ferreira, a mulher mais poderosa de Portugal, não acha que é a mulher mais poderosa de Portugal. “Penso que não é verdade. Sei que tenho alguma influência. Sei que, através do que faço, do que lanço e do que escrevo, posso atingir algumas pessoas. Mas nem em casa tenho esse poder todo, porque o meu próprio filho às vezes não me obedece. Ter poder é ter influência na vida de todos. O único poder que tenho é o de mudar a vida de uma ou outra pessoa dando-lhe o meu exemplo de força e de que é possível chegar lá”, explica Cristina Ferreira ao Expresso. “Poder tem um primeiro-ministro ou um Presidente da República.” Como se passasse a bola a Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro convidado da sua revista.

Vestido comprido, Elie Saab; Biker Jacket em algodão, Diesel Foto João Lemos

Vestido comprido, Elie Saab; Biker Jacket em algodão, Diesel Foto João Lemos

“Acho que ele podia ser um bom Presidente. Eu votava nele. Precisamos de políticos sem medo, de políticos sinceros, que cometam erros, porque não há ninguém que não os cometa”, garante Cristina Ferreira. A fama do professor precede-o, e é por isso que, como se verá adiante, ele faz questão de jogar à defesa. Ela nem por isso. Quando a pergunta é se evita falar de temas fraturantes (se a Cristina que sai de casa não fala daquilo em que acredita a Cristina que não vem à rua), ela responde que não. “Dou a minha opinião, porque acho que não fere o que os outros pensam. Temas como esses moldam a sociedade. Posso dizer que sou a favor da coadoção. Sou a favor do aborto. Sou, acima de tudo, a favor da liberdade que não ponha em causa os outros. Quando partilho no programa histórias de crianças com uma vida muito mais triste porque não têm ninguém, só posso ser a favor de que essas crianças tenham alguém, seja de que religião ou opção sexual for. O amor é a base da sociedade, e se houver amor para dar sou a favor de tudo isso.”

DAS SEIS ÀS SEIS

O telemóvel toca duas ou três vezes, e ela espreita discretamente antes o desligar. A entrevista com o Expresso, ao segundo encontro, não tem hora marcada, mas não pode durar a tarde toda. Há uma sessão de fotografias prestes a começar (a segunda parte de uma produção para vender gelados) e à noite arranca a Moda Lisboa. Cristina Ferreira está em todas e em todo o lado. Ela acha que não é omnipotente, mas custa mais negar a sua omnipresença. “As pessoas acham que eu partilho a minha vida toda, que mostro tudo. Mas eu não mostro nada. Desde que saio de casa às seis e meia da manhã até que volto a entrar às seis da tarde, é sempre a Cristina profissional. Todas as decisões tomadas nesse período são sempre profissionais. Mas, quando acaba, acaba. E não existe mais nada. Apenas a mãe que ralha, que faz o jantar, que vai às compras. Como qualquer outra pessoa. Não tenho empregada, sou eu que limpo a casa, que faço a cama, que cozinho as minhas marmitas para trazer no dia seguinte.”

Não há tempo a perder e sozinha é impossível. A chefe troca de roupa e Inês Mendes da Silva atende mais um telefonema Foto Tiago Miranda

Não há tempo a perder e sozinha é impossível. A chefe troca de roupa e Inês Mendes da Silva atende mais um telefonema Foto Tiago Miranda

Ricardo Mena, diretor do curso de Gestão de Marketing do IPAM, fixa em 10 milhões de euros o valor para a pergunta que todos fazem: como é que ela consegue? Como foi possível a 'miúda que estava ao lado do Goucha' transformar-se nesta espécie de Rei Midas com um gosto particular para tudo o que tenha a ver com moda? “Como ela, só me lembro da Oprah, e a Oprah já é um case study em Harvard”, admite. “A Cristina é uma pessoa que tem origens humildes, que arriscou e que conseguiu. Fez aquilo que as pessoas gostavam de fazer e não conseguem. Tem um sorriso muito próprio que contrasta com um país em crise, cria o filho sozinha, é bem-disposta, e as pessoas gostam de a ouvir. Se pensar bem, ela é a miúda que triunfou num país deprimido e que consegue que as pessoas deixem de sentir inveja e passem a sentir admiração”, concretiza o professor universitário. “É o sorriso.” Em resumo, a Cristina que não sai de casa — a tal das origens humildes que chegou longe — é a que faz funcionar a Cristina que não entra em casa — a que está no topo do mundo.

“Acho que as pessoas percebem isso em mim”, assegura a Cristina Ferreira profissional. “Apesar de aparecer com uns sapatos XPTO ou com uma roupa que custa mais do que o ordenado de muitas pessoas, elas percebem que aquilo é a minha profissão e que o resto, o que está por trás, é tudo igual.” E todos os dias, ao fim do dia, a mulher dos vestidos caros, a que nunca quis morar em Lisboa, volta a casa, à Malveira. “Preciso de voltar à terra. Tenho de descer à terra para não voar. Eu podia ter virado parva muito facilmente. Com tudo aquilo que fui conquistando e com aquilo que hoje em dia tenho, podia ter-me deslumbrado. E teria todos os motivos para que isso acontecesse. Era normalíssimo. Mas acho que é esse meu apego ao que sempre fui que o evitou”. Talvez por isso tenha o mesmo ar nas fotografias em que aparece a conversar com Cavaco Silva nos jardins de Belém ou a entregar balões no Chiado no dia em que foi lançada a revista. Sorridente.

No dia seguinte, estão as duas no Chiado a promover a revista acabada de sair Foto Tiago Miranda

No dia seguinte, estão as duas no Chiado a promover a revista acabada de sair Foto Tiago Miranda

Cristina Ferreira não fala de números quando se fala do que tem. A sua equipa não fala de números quando se fala do que ela tem. Mas é difícil controlar os números. De acordo com a imprensa, o ordenado na TVI ronda os 40 mil euros. Uma marca que queira os seus produtos no blogue “Daily Cristina” paga 9 mil euros por dois posts (seja um dentífrico ou um gelado, como sucedeu nas últimas semanas), o perfume vende-se por 39,90 euros, os sapatos (a coleção outono-inverno deste ano está em promoção) variam entre 45 e 170 euros. A revista custa 3 euros. Depois, vem o resto. Cristina usa sempre ténis da mesma marca, às vezes conduz um carro diferente, surge num artigo a mostrar os benefícios de um creme... “Sei que há muita gente que ouve aquilo que eu digo. Só me posso associar às marcas em que acredito. Aquilo que sei que funciona e em que tenho confiança. Um bom produto. Não posso estar a sugerir uma coisa que as pessoas, mais tarde, venham dizer que não funciona. A mentira não pode entrar neste jogo entre mim, que sou figura pública, e as pessoas que me acompanham de alguma forma.”

Cristina Maria Jorge Ferreira nasceu a 9 de setembro de 1977, na Malveira. “Nunca tive vergonha e assumir de onde vim, de uma terra de onde não se esperava que saísse. A Beatriz Costa também era de lá, mas as pessoas esquecem-se. Os meus pais não estavam ligados a ninguém, não estavam num meio propício a que eu pudesse ter seguido este caminho. E eu agarrei as oportunidades que me chegaram. Tão bem que fui chegando onde cheguei. Tenho muito orgulho no meu trabalho”, garante. Ela que via nas montras as botas que não podia ter — e comprava as que usava na feira. Ela que ficava com a mãe a olhar os vestidos nas montras das lojas. Ela que sonhava sem saber que ia entrar dentro do sonho. Carla Horta, hoje Oliveira, conheceu-a na segunda semana de aulas do curso de Ciências da Comunicação, na Universidade Autónoma de Lisboa. “Engraçámos uma com a outra, e a amizade mantém-se até hoje”, conta Carla. “Sempre foi muito bonita, mas não era pessoa de dar nas vistas. Longe disso.”

A BOA ALUNA

Na altura, em 1995, o curso funcionava num renovado edifício do Boqueirão dos Ferreiros, perto do Cais do Sodré, com três turmas: uma de manhã, outra à tarde e mais uma pós-laboral. Cristina e Carla estavam na turma da manhã. “Ela já era muito organizada. Tirava apontamentos nas aulas e no dia a seguir tinha tudo passado a limpo no caderno. Ia para casa e fazia isso. E depois eu pedia-lhe para tirar fotocópias”, recorda a colega. Cristina não dava nas vistas durante as aulas, mas era a estrela das pautas. “Foi das melhores alunas de sempre da faculdade. Ficava danada quando não tinha 17 ou 18 por umas décimas, mas estava sempre na dela, muito reservada.” A ideia da loja de roupa vem daí, dos tempos da faculdade. “Era um plano B, se o jornalismo falhasse”, admite Carla. É também desses dias o fechar de uma porta: a de modelo. Carla conta que Cristina lhe telefonou a dizer que tinha à sua frente uma proposta de agenciamento de uma das mais conceituadas agências de moda. “Eu disse-lhe para aceitar, claro. Tínhamos 20 ou 21 anos e estava ali uma proposta concreta de trabalho.” Ela recusou.

Vladimir Propp, académico russo que morreu em 1970 e cuja obra faz parte do currículo da maioria dos cursos de Comunicação Social (o da Autónoma incluído, na cadeira de Semiótica), dedicou grande parte da sua vida ao estudo dos contos populares da Rússia. No seu livro mais famoso, “Morfologia do Conto”, avançou uma estrutura comum a todas as histórias: algo acontece ao herói ou existe algo que ele quer, e a partir daí ele tenta superar todas as dificuldades (sejam obstáculos ou inimigos) até alcançar o objetivo. O percurso da protagonista destas páginas é conhecido: Cristina Ferreira deu aulas de História durante um ano antes de se virar para a televisão. Fez um estágio na RTP, passou por um reality show como jornalista, deu o salto para o horário da manhã, foi crescendo. Há quatro anos, quando o país mergulhou na crise, ela disparou e saltou do programa para passar a estar em todo o lado. A sorrir, à gargalhada, mas sempre num delicado jogo entre a pessoa e a sua sombra.

Luís Pereira Santos, CEO da agência de publicidade McCann, reconhece que Cristina Ferreira funciona “porque as pessoas se identificam com ela, com a sua personagem, com a idealização dessa persona”. “Não sei qual é o fator decisivo neste ucesso, mas acredito que seja uma mistura entre a sua personalidade e a sua história de vida. A Cristina Ferreira tem uma forma de estar descomprometida, num país cheio de formalismos, um lado popular, quase popularucho, que dá a entender que o sucesso não a afastou das suas raízes e do seu público. Ou seja, o sucesso não a mudou e isso é muito positivo.”

Os heróis de Propp são quase sempre seres solitários, que vão sendo ajudados ao longo da história por personagens secundárias ou pelas próprias circunstâncias. Cristina Ferreira (segue-se nova complicação) é a figura no centro da ação, mas nunca está sozinha. No dia da caixa, a maior parte da equipa está também em Cascais. Inês Mendes da Silva, o braço direito, não larga o telemóvel. Dora Rogério, que trata da imagem, anda de um lado para o outro. Cristina responde no telemóvel a uma mensagem de Bruno Nogueira. Aproveita para comer uma banana, mas pede que não a fotografem. Rui Valido, 27 anos, é o fotógrafo de serviço. “Conheci-a quando fiz um trabalho para a ‘Caras’. Um dia ligou-me e começámos a trabalhar.” Cristina Ferreira podia escolher qualquer fotógrafo consagrado e conhecido, mas escolheu este, que ainda poucos conhecem. “Gosto de dar espaço às pessoas. Também gostei que me dessem espaço. Na minha equipa só há pessoas boas e, como são boas, sei que vão crescer. Vamos crescendo juntos.”

Vestido em seda, Miguel Vieira; Brincos com cristais, Swarovski Foto João Lemos

Vestido em seda, Miguel Vieira; Brincos com cristais, Swarovski Foto João Lemos

Ela cresce, eles crescem. Todos crescem, e depressa. “A chefinha é acelerada. É sempre a aviar”, diz Rui Valido, que acabou de fotografar Cristina Ferreira em vestido de noite em apenas quatro minutos. “Ele já me conhece. Já sabe como fico bem. Eu já sei como fico bem. Portanto, é muito rápido”, diz ela, que segue em passo acelerado para mudar de roupa. No processo, ainda corrige Inês — para lhe dizer que um compromisso do dia seguinte é às duas e não às três —, pensa alto sobre o que vai escrever no blogue, atende um telefonema. E reaparece com outra roupa. “Vamos a isto?” Valido diz que sim. Que pode ele dizer? “Eu formo profissionais de alta velocidade”, garante ela, a caminho de nova troca de roupa. Cristina Ferreira não para de tirar apontamentos e, ao mesmo tempo, parece estar sempre a passar tudo a limpo. Não tinha agenda na faculdade. “Está tudo na minha cabeça”, dizia aos colegas.

Uma das maiores dúvidas é saber que destino tem hoje Cristina Ferreira na cabeça. Ela diz que não há destino. Que está nisto apenas pelo “vício da viagem”. “Não invento nada de propósito, não deixo é fugir as coisas que me surgem. Às vezes, as pessoas dizem-me: ‘Algum dia isto vai correr mal.’ Claro que vai correr mal. Mas tenho consciência de que, se alguma coisa não correr bem, largo-a naquele momento e sigo para outra. Sem medos, mas tudo muito bem pensado”, assegura. Uma carreira internacional? “Penso nisso. Já se foram abrindo algumas portas e há aí uma surpresa para maio, que não posso revelar [gargalhada]. Recebemos muita coisa do Brasil. Por que razão não podemos levar também alguma coisinha para lá?” Um canal de televisão próprio, algo como uma CF TV? “Já me começam a dizer isso. É muito engraçado. Eu pensava que o país era muito pequeno e que não havia espaço. Mas se calhar há. Não sei, nunca pensei nisso”, confidencia Cristina.

Há umas semanas, Marcelo Rebelo de Sousa entrou numa pastelaria em Cascais para tomar o pequeno-almoço. “Estavam umas senhoras numa mesa a discutir quem era bonito e quem não era. E o empregado, às tantas, diz: ‘O meu modelo é a Cristina Ferreira.’ E as senhoras concordaram. É incrível, não é?”, pergunta o professor. O professor responde. “Ela tem uma ligação muito empática com os espectadores. Como mais ninguém tem neste momento. Há uma ligação com os mais modestos, com as classes C e D, pessoas que a encaram como modelo, como a que chegou lá. Depois, entra bem nas classes médias, que a veem como aquilo que podem ser. Entra bem nas mulheres de meia-idade, claro, mas também junto de muitas jovens. Passa no segmento masculino e está também muito bem entre os mais velhos. Isto não é muito fácil de se conseguir”, assegura Marcelo Rebelo de Sousa.

A MAIOR FRAQUEZA

O programa da manhã na TVI é o centro do universo Cristina Ferreira. Foi ali que começou a crescer e é ali que volta sempre. “A televisão é aquilo de que mais gosto. Tudo o que faço ajuda-me na minha profissão de apresentadora. Quase todos os dias em casa ainda vou ver pedaços do programa para me corrigir.” É também à conta do programa que lhe chamam “saloia” e “parola que está sempre aos gritos”, entre outras coisas. Carla Oliveira, a amiga da faculdade, garante que “ela não se importa nada”. “Não liga nenhuma a isso. Nunca ligou.” Cristina Ferreira explica que já se preocupou mais. Há uns anos deixou de se googlar — verbo que traduz o ato de introduzir o próprio nome no motor de busca Google para ver o resultado. “Há ali muita coisa que não faz sentido. Há muita coisa que não é verdade, que os meus sabem que não é verdade. A sensação é muito estranha. Como se as pessoas tivessem uma noção minha só com base naquilo que eu mostro em televisão e do que a imprensa escreve. Não me conhecem. Aquela não sou eu. Falam da imagem que têm da Cristina”, diz Cristina, a mulher no topo do mundo, a tal que mostra tudo sem mostrar nada — “nem uma mão do meu filho”, precisa. “Interessa à Cristina profissional. À outra, nadinha.”

A outra — “a que sabe bem o que quer e que só tem de ser boa mãe, boa filha, boa amiga e boa companheira” — surge muitas vezes na capa das revistas. Quase sempre quando falam da sua vida pessoal (Cristina Ferreira tem um filho de António Casinhas, ex-jogador de futebol, vive sozinha e já afirmou em várias entrevistas que gostava muito de se casar). E nessas alturas a Cristina no topo do mundo diz que preferia pegar em si e na outra Cristina e ir para longe. “Magoa muito. Às vezes dá-me vontade de desaparecer daqui para fora. Já tive momentos complicados, de pensar que queria ir para qualquer lado onde não me conhecessem. Lido muito mal com a mentira. Sei que numa entrevista tenho de dar um bocadinho de mim, do que sou. Mas não mintam sobre a minha vida. Não digam o que não é verdade só porque vende um bocadinho mais. Não podes mentir.” Cristina Ferreira diz que a sua maior fraqueza é chorar com facilidade. “Sou muito emotiva e não consigo disfarçar.”

Divertida, séria, sedutora. Cristina Ferreira muda ao ritmo dos cliques da máquina fotográfica. São preciso três quartos de hora para garantir as imagens que vão servir para promover uma marca de gelados Foto Tiago Miranda

Divertida, séria, sedutora. Cristina Ferreira muda ao ritmo dos cliques da máquina fotográfica. São preciso três quartos de hora para garantir as imagens que vão servir para promover uma marca de gelados Foto Tiago Miranda

Os dias que correm são mais para sorrir. Dentro de duas semanas estará nas bancas o segundo número da revista “Cristina”. “Ela está na crista da onda”, repete Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve na capa do primeiro número. A fama precede-o, e por isso Marcelo quer deixar tudo claro e garantir que foi apenas uma coincidência ter aparecido, em poucos dias, na capa da revista e na estreia do programa de entrevistas de José Alberto Carvalho na TVI. “As pessoas vão pensar: lá está ele a aparecer para preparar a candidatura presidencial. Não é nada disso. Eu não controlei nada. Simplesmente pediram-me e é difícil dizer não. Já lá vão 15 anos na TVI. Só isso.” Dentro de meses, Marcelo (que é apontado há muito como candidato presidencial) terá de tomar uma decisão. Cristina Ferreira admite que ele até pode ter ganho alguns votos com a entrevista que fez capa. “Mostrou as suas fragilidades, assumiu coisas que não tinha assumido até hoje. Mostrou ser um homem de família, que ficou triste com o divórcio, que está triste por não ter o filho com ele e por não poder acompanhar os netos todos os dias. E mostrou que se algum dia fizer essa escolha, a de ser candidato à Presidência da República, tem muito medo de perder o que tem agora. Porque, ganhando ou perdendo as eleições, sabe que nunca mais vai voltar a fazer televisão como faz hoje. Nem a ser professor da mesma forma. E essa escolha é tão difícil que vou apoiar qualquer decisão que ele tome”, promete Cristina Ferreira.

Marcelo também tem alguns conselhos para dar. Dois dos maiores nomes da estação televisiva de Queluz não se conheciam. “Quer dizer, já a tinha encontrado”, corrige o professor. “Temos aquela ideia de que os apresentadores de televisão podem ser um pouco superficiais, mas verifiquei que é o oposto. É uma pessoa com uma formação superior ao que esperava. A nível académico mas também de vida. Não é nenhuma miúda, longe disso, e sabe muito bem o que quer”, diz Marcelo. Pelas suas contas, Cristina Ferreira tem pela frente mais sete ou oito anos na tal “crista da onda” — desde que saiba evitar a sobre-exposição. “Vai aguentar até 2017 e então terá de fazer uma opção. Há várias alternativas, vários caminhos. Tem tudo em aberto, mas tem também de saber precisamente o que está a fazer em cada momento.” No fim da entrevista, Marcelo brinca com Cristina Ferreira. Diz-lhe que, daqui a uns anos, ela vai ser riquíssima e bonita e ele terá na parede uma fotografia dos dois na capa da revista. Sobre se a parede será em Belém, nem uma palavra.