Ricardo Costa

Opinião

Ricardo Costa

O perigo de fazer política com os comboios

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Não é uma novidade que a CP esteja numa situação péssima, com um serviço instável, recorrentes supressões de comboios, composições envelhecidas, etc. Muito menos é uma novidade que os males que já existiam há anos nas linhas regionais iam acabar por se estender a linhas suburbanas ou mesmo às ligações entre Porto e Lisboa. É a consequência perfeita de anos e anos (muitos mesmo) de quase desistência de investimento em ferrovia a favor de infraestruturas viárias e de um permanente ziguezague em políticas públicas, em que tudo e o seu contrário foi equacionado.

Nesta área não são apenas os comboios que são lentos, qualquer decisão que se tome pode demorar anos e anos a ter reflexo na vida prática dos utentes e na qualidade do serviço. O que estamos a viver hoje decorre de decisões e não decisões deste governo, do anterior e de muitos outros antes, mas de uma desvalorização da ferrovia, que tanto se verificou na paixão pelas estradas de Sócrates como na paixão pelas privatizações de Sérgio Monteiro e na falta de capacidade política do atual secretário de Estado.

Não é por acaso que as linhas do Oeste, do Algarve ou do Alentejo parecem coisas do século XIX. Já pareciam há alguns anos e apenas estão piores, mais antiquadas, menos fiáveis e, portanto, com menos utilizadores. Nem é por acaso que há menos composições, porque várias estão avariadas ou encostadas para se retirarem peças para as que continuam em circulação. É um círculo vicioso que agora ficou mais visível e que demora a travar muito tempo.

É por isso que é um pouco perigoso - para todos - tentar fazer política em torno deste tema. Não pela razão que se possa ter, mas pela falta de consequências que existirá durante longos períodos. Isto é tão válido para os ministros e secretários de Estado que vão a correr às empresas do sector tentar mostrar tudo bem, como ao CDS que desata a andar de comboio para mostrar que está tudo mal. Correm todos o risco de ficar parados no tempo, sem soluções decentes para o que dizem ou prometem.

Não foi por acaso que o atual governo focou todas as suas preocupações nos transportes na Carris e na TAP. Eram bandeiras simbólicas - com reversões - que tinham efeitos rápidos. Na TAP era mesmo só assinar papéis e pôr advogados e consultores a discutir. Na Carris era mais complexo e viu-se a aflição de Fernando Medina, que ainda está à espera dos novos autocarros para tentar prometer que os utentes ficariam a ganhar. Mas da CP quase não se falou porque o esforço orçamental era brutal, porque o tempo pela frente uma imensidão e porque muita coisa estaria sempre dependente de fundos comunitários.

Ficou tudo para as calendas, como no governo anterior tinha ficado quase tudo à espera de privatizações e concessões. Brincar aos comboios queima. É uma tentação para todos, mas uma área onde haverá pouco para mostrar durante muito tempo. Se a coisa correr bem um dia, talvez daqui por cinco ou dez anos possamos confiar mais nos nossos comboios. Até lá é esperar para ver se passa algum e se vem com políticos a bordo.