Henrique Monteiro

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

Podemos comprar casa, Podemos?

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É fascinante ver como a nossa política se tem vindo a desenvolver com base em preconceitos e estereótipos absolutamente idiotas. Os indivíduos são colocados por camadas, ou tribos, aos quais se põe um rótulo. À ideia de bem comum sucedeu a ideia de uma igualdade radical, extrema, que só deve funcionar nas tribos da Papuásia. O resultado disto é agora visível com o que se passa com o líder do Podemos, em Espanha, e com a sua companheira (mulher seria impensável dizer), que é a porta-voz do partido no Parlamento espanhol.

Pablo Iglésias e Irene Montero, assim se chama o casal, vão ter filhos, ao que consta gémeos. Decidiram, portanto, comprar uma casa melhor do que o pequeno apartamento de Pablo em Vallecas, nos arredores de Madrid. Depois de procurarem, encontraram um chalé bonito, com piscina e jardim, no sopé da serra que se ergue ao norte de Madrid. Uma zona calma e privilegiada.

O chalé custa 600 mil euros e o casal pediu 540 mil ao banco, que pagará em 30 anos (ainda são suficientemente novos para empréstimos com tal maturidade). Acresce que os pais de Pablo têm (ao que se sabe, com toda a legitimidade) património imobiliário no valor de um milhão de euros de que o talentoso filho é herdeiro, coisa que dá o descanso necessário ao banco que empresta.

Qual o problema? Nenhum, diria eu que sou um reacionário empedernido, com tendência para gostar que os filhos cresçam num ambiente saudável e aprendam a nadar cedo numa piscina. O facto de eu não ter 600 mil euros, nem casa que valha isso, e menos ainda idade para os pedir ao banco, não causa inveja da parelha. Que sejam felizes.

Poderá o deputado do PAN – extremo defensor dos animais – comer petinga, ou frango? Poderá Assunção Cristas faltar à missa ao domingo? Poderá António Costa ser uma extensão da Era ou da Remax ao mesmo tempo que o PS se indigna com a especulação imobiliária? Poderá Jerónimo de Sousa pernoitar num hotel de 5 estrelas?

Mas eis que entra a brigada dos costumes, aliás cuidadosa e pacientemente construída pelos Podemos deste mundo (parceiros do nosso Bloco). E o que diz a dita brigada? Clama por hipocrisia! Em vez de, como La Rochefocauld, entender que a hipocrisia é o tributo que o vício paga à virtude, num exercício de públicas virtudes, vícios privados, vem agora tratar Pablo e Irene como se de criminosos (políticos) se tratassem. Como sempre (isso já está nos dramas de Shakespeare) há impulsos que vêm de dentro do próprio partido, oposição interna para quem o ar descuidado de roupa de marca a parecer barata e o rabo de cavalo de Pablo Iglésias não atesta inteiramente a sua modernidade e esquerdismo políticos.

Daí lembrarem-se de antigas posições do professor Pablo. Quando, por exemplo, disse (há quatro anos) que não se podia entregar a economia de um país a quem paga 600 mil euros por um apartamento. Tratava-se do economista do PP e ex-ministro da Economia Luís de Guindos. Além do azar da verba ser a mesma, Guindos vai ser o vice-presidente do BCE, substituindo o ex-líder socialista português Vítor Constâncio, de cuja vivenda nos arredores de Lisboa (se é que ainda aí habita) desconheço o preço.

Mais tarde, o mesmo Iglésias, do alto do seu pequeno apartamento de Vallecas disse que o mal dos políticos atuais, esses burgueses desavergonhados, era viverem longe do povo e não saberem o que é um transporte público. Talvez seja, mas nesse caso ele próprio vai sofrer desse mal.

E o mais curioso é que a sua fiel Irene, a seu lado nesta luta, interrogada no Parlamento sobre se não era uma contradição ter dito aquilo de Guindos, respondeu com o que pareceria uma indireta a António Costa, o nosso primeiro-ministro, ao dizer: “Se me está a perguntar se acho bem que um político compre uma casa para especular e não para viver nela, continuo a achar mal”. Parece que Costa fez isso na Rua do Sol ao Rato e noutras ruas… Mas voltando a Irene Montero, quando interrogada se sabia que tal casa de Guindos fora comprada para especulação, não respondeu.

Pois sim, há bastante de inveja e de palermice nesta polémica, mas o certo é que o Podemos vai agora a votos para saber se o seu líder pode ter uma moradia de 600 mil euros no sopé da Serra de Madrid, nos arredores da cidade. A questão não é política, é pessoal. Penso que nos abre portas, a todos nós, e à esquerda em particular, para saber mais coisas. Poderá o deputado do PAN – extremo defensor dos animais – comer petinga, ou frango? Poderá Assunção Cristas faltar à missa ao domingo? Poderá António Costa ser uma extensão da Era ou da Remax ao mesmo tempo que o PS se indigna com a especulação imobiliária? Poderá Jerónimo de Sousa pernoitar num hotel de 5 estrelas? Poderá Louçã continuar a ganhar dinheiro de órgãos de Comunicação Social que o seu partido diz estarem ao serviço de interesses obscuros? Poderá Rui Rio felicitar o FC Porto um dia destes?

Eis o que interessa à política moderna. Os impostos sobre os combustíveis, que aumentam à medida que aumenta o preço do petróleo, a dívida a crescer, o crescimento diminuir, os salários congelarem, todas essas coisas perdem interesse. Antes disso quero saber se Iglésias pode comprar a casa sem se demitir, ou se tem de se demitir para comprar a casa. Isso sim, é importante, porque havemos de ser todos iguais, andando a pé, de transportes ou de carro com motorista, morando em Vallecas, Odivelas, na Castellana ou na Avenida.

E se acham tudo isto um pouco deprimente, esperem pelo que aí vem. Não quero pensar se um dia, um destes líderes políticos que cada vez mais se parecem com líderes de seita, perante uma doença terminal se opuser à sua própria morte depois de ter defendido a eutanásia…

Tanta gente para julgar os outros, sem se julgar a si primeiro! Vá lá Pablo e Irene, vocês têm direito à vossa vida, independentemente do que disseram antes. Por mim, comprem a casa. Pelas fotos que vi vale a pena e o preço nem me pareceu exagerado.